O velho colega, morador em cidade distante, fazia aniversário. Liguei à noite. Seu telefone sempre ocupado. Como sabia que dormia cedo, pensei que pudesse ter sido retirado do gancho para não ser incomodado. No dia seguinte, nova ligação. Atende o filho: “saiu”. Quando volta? “Não tem horário para chegar em casa”. Bueno, como não se tratava de cidadão com disposição física para ser um notívago, e como nos tempos atuais a imprensa divulga tanta barbaridade, como idosos em cárcere privado, procurações forçadas para transferir administração de bens, etc. e tal, imaginei a possibilidade de coisas terríveis estarem acontecendo. Tracei uma estratégia. Se no terceiro dia não conseguisse encontrá-lo, acionaria um cunhado para fazer uma verificação “in loco”. Caso desconfiasse de alguma anormalidade, poderia encaminhar uma denúncia à polícia. Subtração de incapaz, qualquer coisa do gênero. No terceiro dia o colega atendeu. E explicou. Na noite do seu aniversário estava atendendo a uma ligação atrás da outra. A informação do filho era pura idiossincrasia.
Há poucos anos, uma colega de faculdade programou vir a Brasília para participar de um simpósio. Combinamos que eu iria recebê-la no aeroporto e levá-la para o hotel. Liguei na véspera, para confirmar horário de vôo ou qualquer alteração de última hora. Ainda não existia a ANAC, mas os aeroportos já aprontavam. Atendeu a filha. “Cadê sua mãe?” “Não está.” “Posso ligar mais tarde?” “Não sei nem se minha mãe volta pra casa esta noite”. Minha colega teria então uns bons vinte anos de pacata vida do lar, esposa amantíssima, mãe extremada, estas coisas. Imaginei que tivesse jogado tudo para o alto. Desbunde total. Andando de bar em bar, bebendo todas, cantando músicas do Paulo Vanzolini... O que teria acontecido para uma mudança de comportamento tão radical? Assim que chegou perguntei o que havia se passado. Ficou furiosa com a filha, que quando esperava algum telefonema despachava de pronto qualquer um que não fosse do seu interesse. Sim, mas e a estimativa imprecisa de sua volta para casa? “Ah, naquela noite fui a um velório”.
2 comentários:
As duas histórias mais parecem ficção. Chegam a ser engraçadas ! São a mais fiel demonstração da inversão de valores e da tolerância zero.
O pior de tudo é que são verdadeiras.
Ehehehe, o segundo episódio tem a cara da minha rica irmãzinha em plena adolescência... Pior que ser mãe de uma criatura assim, acredite, é ser irmã...
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