O velho colega, morador em cidade distante, fazia aniversário. Liguei à noite. Seu telefone sempre ocupado. Como sabia que dormia cedo, pensei que pudesse ter sido retirado do gancho para não ser incomodado. No dia seguinte, nova ligação. Atende o filho: “saiu”. Quando volta? “Não tem horário para chegar em casa”. Bueno, como não se tratava de cidadão com disposição física para ser um notívago, e como nos tempos atuais a imprensa divulga tanta barbaridade, como idosos em cárcere privado, procurações forçadas para transferir administração de bens, etc. e tal, imaginei a possibilidade de coisas terríveis estarem acontecendo. Tracei uma estratégia. Se no terceiro dia não conseguisse encontrá-lo, acionaria um cunhado para fazer uma verificação “in loco”. Caso desconfiasse de alguma anormalidade, poderia encaminhar uma denúncia à polícia. Subtração de incapaz, qualquer coisa do gênero. No terceiro dia o colega atendeu. E explicou. Na noite do seu aniversário estava atendendo a uma ligação atrás da outra. A informação do filho era pura idiossincrasia.
Há poucos anos, uma colega de faculdade programou vir a Brasília para participar de um simpósio. Combinamos que eu iria recebê-la no aeroporto e levá-la para o hotel. Liguei na véspera, para confirmar horário de vôo ou qualquer alteração de última hora. Ainda não existia a ANAC, mas os aeroportos já aprontavam. Atendeu a filha. “Cadê sua mãe?” “Não está.” “Posso ligar mais tarde?” “Não sei nem se minha mãe volta pra casa esta noite”. Minha colega teria então uns bons vinte anos de pacata vida do lar, esposa amantíssima, mãe extremada, estas coisas. Imaginei que tivesse jogado tudo para o alto. Desbunde total. Andando de bar em bar, bebendo todas, cantando músicas do Paulo Vanzolini... O que teria acontecido para uma mudança de comportamento tão radical? Assim que chegou perguntei o que havia se passado. Ficou furiosa com a filha, que quando esperava algum telefonema despachava de pronto qualquer um que não fosse do seu interesse. Sim, mas e a estimativa imprecisa de sua volta para casa? “Ah, naquela noite fui a um velório”.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
“Cerrado Desterro”, as memórias do Emanuel
Emanuel Medeiros Vieira é escritor catarinense com várias premiações por livros de contos e de poesias. Mora em Brasília, planalto central e região de cerrado, que deu nome ao primeiro volume do seu livro de memórias “Cerrado Desterro”, seu 19º título. O livro tem despertado depoimentos tão emocionados quanto o seu conteúdo.
O depoimento de Flávio José Cardozo, escritor catarinense e tradutor de Jorge Luis Borges: "Cerrado Desterro’ comove pela transbordante afirmação de amor à vida e à literatura. Comove pela naturalidade com que reparte teu mundo conosco. É um cântico sobre lutas - lutas tão sérias - e vitórias. Vou guardá-lo na especial prateleira das confissões que me tocam”.
Os comentários são de Carlos Jorge Appel, editor e ensaísta, constituem uma pequena resenha: “Que bom que tens fôlego, disposição, vitalidade e, além disso, uma memória assombrosa para, num ziguezague constante, num vaivém de épocas de eventos e de fatos, nos contares como foi tua infância na Ilha, adolescência em Brusque — onde nasci e vivi até os 16 anos —, a tua formação acadêmica nas décadas de 60/70/80, a vivência nos bons tempos da UFRGS, o cinema, a literatura. Aí chegou a ducha fria do fim das ilusões: primeiro, o golpe de 1964; em seguida, o AI5, a censura, as prisões, as lutas clandestinas, Lamarca, as guerrilhas e, por fim, lá adiante no túnel em que nos colocaram (colocamos?), as diretas já dos senhores Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Pedro Simon, Chico Buarque, Brizola — e nós. Li rapidamente as tuas 382 páginas de Cerrado — Desterro — volume I, memórias. Consegues nos reimergir numa época dura, de muita luta e persistência para sobreviver em meio à choldra. E, o mais importante, conseguiste construir a tua obra e perfizeste uma trajetória sólida de ficcionista e de poeta. Continua: tuas memórias também são nossas. Precisamos do teu testemunho”.
“Cerrado Desterro” foi publicado pela Thesaurus Editora, de Brasília.
O depoimento de Flávio José Cardozo, escritor catarinense e tradutor de Jorge Luis Borges: "Cerrado Desterro’ comove pela transbordante afirmação de amor à vida e à literatura. Comove pela naturalidade com que reparte teu mundo conosco. É um cântico sobre lutas - lutas tão sérias - e vitórias. Vou guardá-lo na especial prateleira das confissões que me tocam”.
Os comentários são de Carlos Jorge Appel, editor e ensaísta, constituem uma pequena resenha: “Que bom que tens fôlego, disposição, vitalidade e, além disso, uma memória assombrosa para, num ziguezague constante, num vaivém de épocas de eventos e de fatos, nos contares como foi tua infância na Ilha, adolescência em Brusque — onde nasci e vivi até os 16 anos —, a tua formação acadêmica nas décadas de 60/70/80, a vivência nos bons tempos da UFRGS, o cinema, a literatura. Aí chegou a ducha fria do fim das ilusões: primeiro, o golpe de 1964; em seguida, o AI5, a censura, as prisões, as lutas clandestinas, Lamarca, as guerrilhas e, por fim, lá adiante no túnel em que nos colocaram (colocamos?), as diretas já dos senhores Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Pedro Simon, Chico Buarque, Brizola — e nós. Li rapidamente as tuas 382 páginas de Cerrado — Desterro — volume I, memórias. Consegues nos reimergir numa época dura, de muita luta e persistência para sobreviver em meio à choldra. E, o mais importante, conseguiste construir a tua obra e perfizeste uma trajetória sólida de ficcionista e de poeta. Continua: tuas memórias também são nossas. Precisamos do teu testemunho”.
“Cerrado Desterro” foi publicado pela Thesaurus Editora, de Brasília.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
A continuação das férias
Um conhecido contava que o cartão de crédito permitia renovar a memória de eventos passados. Quando chegasse a fatura o camarada ia conferir e, de repente, "nossa, esta conta é dos doces que comprei em Caxambu". Bueno, da mesma forma existem lembranças mais relacionadas ao espírito que também prolongam as boas lembranças. Discos e livros podem ser levados para uma ilha deserta. Metafórica, evidentemente. A minha é mais uma "datcha" do que um minifúndio improdutivo, mas serve para os propósitos. Em Lavras, adquiri todos os seis discos de Gujo Teixeira, incluindo o que acompanha seu livro de versos “Parece a vida”, além de um do Luiz Marenco. Tudo da melhor qualidade, milongas de primeira. Com relação aos livros, em Pelotas comprei o mais recente de Luiz Antonio Assis Brasil, “Música Perdida”. Os demais ganhei. Eduardo Aydos, prolífico, presenteou-me com o seu “Corrupção, impunidade e voto”. E em casa do prof. José Antonio Giusti Tavares, não menos prolífico, recebi “Cores e emoções”, livro de poesias de sua esposa Élida, e do próprio seu último artigo sobre reforma política publicado na revista “Plenarium”; ademais, ao me ver pesaroso por não ter visitado o Castelo de Pedras Altas, presenteou-me com uma de suas obras, o livro “Representação Política e Governo - J.F. de Assis Brasil Dialogando com os Pósteros".Raimundo, prof. Tavares e prof. Eduardo Aydos
Vida que segue...
Vida que segue...
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Algumas vicissitudes e os créditos (II)
Além das peculiaridades de cada cidade, existem vários outros atrativos nem sempre bem explorados do ponto de vista do turismo. O principal atrativo é a região de Guaritas, em Caçapava. O seu prolongamento geológico corresponde ao sítio do Rincão do Inferno, em Lavras do Sul, cujo acesso ficou um pouco mais complicado com a administração dos atuais proprietários. Entre Pelotas e Bagé localiza-se o Castelo de Pedras Altas, construído pelo político gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil. Infelizmente, problemas com o horário disponível para visitas e sua localização física fizeram com que tivéssemos que excluí-lo de nosso roteiro de visitas. Enfim, existem possibilidades de organização de um interessante roteiro turístico para a região, até agora desprezada pelas empresas do ramo, que só oferecem pacotes para a região da Serra Gaúcha. Destarte, um mochileiro disposto seguramente poderia usufruir mais destas modalidades rústicas do que entes urbanos, sedentários, que apreciam alguma confortável organização turística. Embora com os recursos de busca pela Internet atualmente seja possível reunir-se antecipadamente as informações, nem sempre as coisas funcionam. O site de Lavras do Sul, mantido pela Prefeitura Municipal, além da já mencionada Fazenda Itaoca, de mostruário turístico improvável, indicava um hotel, o Saint Clement, de boa capacidade, mas que se encontrava fechado, e três hotéis fazenda, cujas atividades igualmente já haviam se encerrado. Não fosse o recurso de parentes e teríamos que buscar pouso no município vizinho.
O crédito às pessoas é indispensável. O passeio foi idéia de minha irmã Ila Maria, pesquisadora da área de engenharia agrícola, que se encarregou das fundamentais reservas de hotel, onde houvessem. Iara Maria tomou conta brilhantemente da infra-estrutura logística: transporte terrestre e seus complementos, como água, sucos, biscoitos e providenciais remédios para as emergências. Regina Berenice foi a relações públicas, cuja memória prodigiosa facilitou os contatos com parentes e conhecidos. Álvaro, marido de Ila, foi o complemento conjugal, e sua filha Paula, estudante de jornalismo, a responsável pelo registro fotográfico e documental, o que permitiria dar um fio condutor aos relatos e causos posteriores. Como diz um personagem de Juan José Morosoli, contista uruguaio, “as viagens começam depois que a gente chega”, descoberta que fez uma vez que foi a Montevidéu e, na volta, quando começou a contar sua viagem aos outros se deu conta de que aquilo que tinha visto era uma coisa bárbara. Em Pelotas, Iara e seu marido Júlio foram anfitriões incansáveis que se desdobraram em atenção; e Eneida, cunhada por parte do irmão que não pôde comparecer, nos recebeu amavelmente na casa de sua filha, Landa Taís. Em Lavras, Tia Geny e a profa. Irma foram de uma gentileza imensa, assegurando-nos acolhida calorosa. Ambas donas de memória privilegiada. A profa. Irma sabe de cor poesias que eram ensinadas aos alunos na década de 50, como “Independência ou Morte”, de Dom Aquino Correia. O texto completo da poesia pode ser encontrado em http://www.antoniomiranda.com.br. Aí, clicar em Portal de Poesia Íbero Americana – Poetas de A a Z. Dom Aquino está indexado pela letra “d”. Tia Geny, entrevistada pela equipe da RBS sobre Mister Bosch, por saber tudo o que aconteceu na cidade em todas as épocas, agrega à simpatia e ao bom-humor a qualidade de ser uma torcedora fanática do Grêmio Porto Alegrense, possuindo discos comemorativos sobre suas conquistas e até um raríssimo microondas de cor azul. Dr. Nézio Munhoz, advogado já mencionado, nos atualizou com informações sobre o contexto das últimas décadas e deu as interpretações de que necessitávamos para compreender o momento atual.
Em pé: Regina e Iara; sentados: Álvaro, Ila e Raimundo
Para completar o relato, um obrigatório registro sobre os amigos. Em Pelotas, Lucas, professor da universidade federal e intelectual local, ofereceu um jantar magnífico, produção artística de Maria Helena, sua mulher. Outra manifestação gastronômica de peso foi a propiciada por Eduardo Aydos, ensaísta, escritor prolífico e professor universitário aposentado, e sua esposa Regina, na fazenda do casal, no município de Gravataí. O queijo de búfalo servido era de fabricação doméstica, produto de uma fazenda especializada na criação de gado bubalino. A refeição de despedida, igualmente primorosa, foi oferecida pelo prof. Tavares e sua esposa Élida, em Porto Alegre. Compartilho com eles a não menos importante circunstância de ter encontrado na vida uma grande mulher.
Assim foi... O roteiro termina aqui. De tudo dou fé
O crédito às pessoas é indispensável. O passeio foi idéia de minha irmã Ila Maria, pesquisadora da área de engenharia agrícola, que se encarregou das fundamentais reservas de hotel, onde houvessem. Iara Maria tomou conta brilhantemente da infra-estrutura logística: transporte terrestre e seus complementos, como água, sucos, biscoitos e providenciais remédios para as emergências. Regina Berenice foi a relações públicas, cuja memória prodigiosa facilitou os contatos com parentes e conhecidos. Álvaro, marido de Ila, foi o complemento conjugal, e sua filha Paula, estudante de jornalismo, a responsável pelo registro fotográfico e documental, o que permitiria dar um fio condutor aos relatos e causos posteriores. Como diz um personagem de Juan José Morosoli, contista uruguaio, “as viagens começam depois que a gente chega”, descoberta que fez uma vez que foi a Montevidéu e, na volta, quando começou a contar sua viagem aos outros se deu conta de que aquilo que tinha visto era uma coisa bárbara. Em Pelotas, Iara e seu marido Júlio foram anfitriões incansáveis que se desdobraram em atenção; e Eneida, cunhada por parte do irmão que não pôde comparecer, nos recebeu amavelmente na casa de sua filha, Landa Taís. Em Lavras, Tia Geny e a profa. Irma foram de uma gentileza imensa, assegurando-nos acolhida calorosa. Ambas donas de memória privilegiada. A profa. Irma sabe de cor poesias que eram ensinadas aos alunos na década de 50, como “Independência ou Morte”, de Dom Aquino Correia. O texto completo da poesia pode ser encontrado em http://www.antoniomiranda.com.br. Aí, clicar em Portal de Poesia Íbero Americana – Poetas de A a Z. Dom Aquino está indexado pela letra “d”. Tia Geny, entrevistada pela equipe da RBS sobre Mister Bosch, por saber tudo o que aconteceu na cidade em todas as épocas, agrega à simpatia e ao bom-humor a qualidade de ser uma torcedora fanática do Grêmio Porto Alegrense, possuindo discos comemorativos sobre suas conquistas e até um raríssimo microondas de cor azul. Dr. Nézio Munhoz, advogado já mencionado, nos atualizou com informações sobre o contexto das últimas décadas e deu as interpretações de que necessitávamos para compreender o momento atual.
Em pé: Regina e Iara; sentados: Álvaro, Ila e Raimundo
Para completar o relato, um obrigatório registro sobre os amigos. Em Pelotas, Lucas, professor da universidade federal e intelectual local, ofereceu um jantar magnífico, produção artística de Maria Helena, sua mulher. Outra manifestação gastronômica de peso foi a propiciada por Eduardo Aydos, ensaísta, escritor prolífico e professor universitário aposentado, e sua esposa Regina, na fazenda do casal, no município de Gravataí. O queijo de búfalo servido era de fabricação doméstica, produto de uma fazenda especializada na criação de gado bubalino. A refeição de despedida, igualmente primorosa, foi oferecida pelo prof. Tavares e sua esposa Élida, em Porto Alegre. Compartilho com eles a não menos importante circunstância de ter encontrado na vida uma grande mulher.
Assim foi... O roteiro termina aqui. De tudo dou fé
Algumas vicissitudes e os créditos (I)
Dos quatro municípios da nossa base preferencial, apenas Lavras do Sul não possui denominação de origem indígena. Pelotas deve seu nome ao tipo de embarcação feita pelos índios, com estrutura de corticeira e revestida de couro, com formato circular. Eram impulsionadas por uma corda que o índio prendia nos dentes e seguia nadando na frente. A cena está registrada no brasão da cidade. O nome Bagé tem origem não muito consensual, a hipótese mais aceita é que possua alguma relação com “cerros” na linguagem dos índios minuanos. E Caçapava, em tupi guarani, significa “clareira na mata”.
Estas plagas correspondem à antiga “Vacaria del Mar”, região que abrangia a parte mais ao sul do Rio Grande e grande parte do território do Uruguai. Tornou-se assim conhecida depois que os jesuítas, em 1640, retiraram-se para a Argentina, deixando uma imensa reserva de gado. A caça a este gado xucro foi a base econômica da ocupação inicial da terra. Uma boa descrição de como a figura do gaúcho foi forjada nestas condições pode ser encontrada na dissertação de mestrado de Claudio Marques Ribeiro, “Estudo de quatro municípios da Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul e possíveis alternativas para o seu desenvolvimento” (apresentada à Universidade Federal de Lavras, MG, em 1996). Ribeiro acredita que o passado guerreiro forjou um tipo hospitaleiro mas profundamente desconfiado com seu vizinho, que tanto podia ser um amigo como um potencial inimigo. Assim, iniciativas de promover atividades como associativismo encontram grandes barreiras pelas dificuldades de garantir o envolvimento em um trabalho conjunto. Segundo um depoimento colhido pelo autor, um dos seus entrevistados diz, sobre a ajuda mútua existente no passado: “o pessoal se ajudava e muito... quando se davam bem, e normalmente se davam bem... [mas] quando brigavam se matavam”. Nada muito diferente de 1872, quando Martin Fierro, figura arquetípica de um dos poemas fundadores da figura do gaúcho argentino, e por extensão também o do Rio Grande, depois de tantos problemas enfrentados descobre que “ser gaucho es un delito”. Esta região é onde está mais presente o sentimento de que o Rio Grande possui fronteira com a Argentina, o Uruguai e o Brasil.
Estas plagas correspondem à antiga “Vacaria del Mar”, região que abrangia a parte mais ao sul do Rio Grande e grande parte do território do Uruguai. Tornou-se assim conhecida depois que os jesuítas, em 1640, retiraram-se para a Argentina, deixando uma imensa reserva de gado. A caça a este gado xucro foi a base econômica da ocupação inicial da terra. Uma boa descrição de como a figura do gaúcho foi forjada nestas condições pode ser encontrada na dissertação de mestrado de Claudio Marques Ribeiro, “Estudo de quatro municípios da Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul e possíveis alternativas para o seu desenvolvimento” (apresentada à Universidade Federal de Lavras, MG, em 1996). Ribeiro acredita que o passado guerreiro forjou um tipo hospitaleiro mas profundamente desconfiado com seu vizinho, que tanto podia ser um amigo como um potencial inimigo. Assim, iniciativas de promover atividades como associativismo encontram grandes barreiras pelas dificuldades de garantir o envolvimento em um trabalho conjunto. Segundo um depoimento colhido pelo autor, um dos seus entrevistados diz, sobre a ajuda mútua existente no passado: “o pessoal se ajudava e muito... quando se davam bem, e normalmente se davam bem... [mas] quando brigavam se matavam”. Nada muito diferente de 1872, quando Martin Fierro, figura arquetípica de um dos poemas fundadores da figura do gaúcho argentino, e por extensão também o do Rio Grande, depois de tantos problemas enfrentados descobre que “ser gaucho es un delito”. Esta região é onde está mais presente o sentimento de que o Rio Grande possui fronteira com a Argentina, o Uruguai e o Brasil.
Caçapava, a capital farroupilha
O ponto final da viagem dista apenas 63 km de Lavras. Em meus tempos de criança, quando a ligação ainda era por estrada de terra, os times de futebol de Lavras, o Vasco da Gama e o time do Ginásio Estadual, quando iam disputar partidas em Caçapava costumavam seguir na boléia de um caminhão. Junto com meia dúzia de apaixonados torcedores. Caçapava do Sul foi a segunda Capital Farroupilha. Durante a Revolução Farroupilha (1835-45) algumas cidades foram capitais da separatista República Rio-grandense. A primeira capital foi Piratini e Caçapava a segunda, quando acolheu os rebeldes farroupilhas durante 14 meses a partir de fevereiro de 1839. A última capital foi Alegrete.
A economia de Caçapava do Sul está baseada na mineração. A cidade é responsável pela produção de mais de 85% do calcário produzido no Rio Grande. Antes mesmo de chegarmos ao perímetro urbano visitamos a Pedra do Segredo, uma das muitas atrações geológicas da região. O local ainda não dispõe de infra-estrutura, embora alguma coisa já esteja em construção. O acesso à Pedra é íngreme e muito difícil. Requer, além de uma alma de aventureiro, muita disposição física.
A Pedra do Segredo
Na cidade, o principal atrativo turístico são as ruínas do Forte Dom Pedro II, único forte militar da região Sul, construído para garantir a permanência portuguesa. O município ainda possui vários locais próprios para o chamado turismo de aventura. Entre as diversas formações geológicas a mais famosa é Guaritas, considerada uma das sete maravilhas do RGS. Guaritas foi cenário do filme “Anahy de las Misiones”. Pela sua distância da cidade e por conta do nosso tempo disponível foi um roteiro que não pôde ser realizado.
As ruínas do Forte Dom Pedro II
Caçapava foi o ponto final de nosso roteiro conjunto. De lá minhas irmãs retornaram a Pelotas enquanto eu seguia para Porto Alegre, de passagem para Gravataí.
A economia de Caçapava do Sul está baseada na mineração. A cidade é responsável pela produção de mais de 85% do calcário produzido no Rio Grande. Antes mesmo de chegarmos ao perímetro urbano visitamos a Pedra do Segredo, uma das muitas atrações geológicas da região. O local ainda não dispõe de infra-estrutura, embora alguma coisa já esteja em construção. O acesso à Pedra é íngreme e muito difícil. Requer, além de uma alma de aventureiro, muita disposição física.
A Pedra do Segredo
Na cidade, o principal atrativo turístico são as ruínas do Forte Dom Pedro II, único forte militar da região Sul, construído para garantir a permanência portuguesa. O município ainda possui vários locais próprios para o chamado turismo de aventura. Entre as diversas formações geológicas a mais famosa é Guaritas, considerada uma das sete maravilhas do RGS. Guaritas foi cenário do filme “Anahy de las Misiones”. Pela sua distância da cidade e por conta do nosso tempo disponível foi um roteiro que não pôde ser realizado.
As ruínas do Forte Dom Pedro II
Caçapava foi o ponto final de nosso roteiro conjunto. De lá minhas irmãs retornaram a Pelotas enquanto eu seguia para Porto Alegre, de passagem para Gravataí.
Lavras, onde o passado entreabre um olho (IV)
O melhor local para recreação é a Praia do Paredão, um represamento do rio Camaquã onde a prefeitura instalou uma completa infra-estrutura de balneário, com área de camping e cabanas para hospedagem. É uma área aprazível que, esta sim, melhorou significativamente.
A Praia do Paredão
A nota surreal aconteceu por conta de nosso interesse em visitar a Fazenda Itaoca, que pelas informações oficiais abrigaria um engenho de exploração de ouro remanescente da época áurea da cidade, ainda com o maquinário original encravado na rocha. Dr. Nézio Munhoz, a mais expressiva figura de um coronel urbano, no bom sentido, isto é, alguém com toda a percepção do que é realmente importante para assegurar o bem comum, preparou-nos uma brincadeira. Disse que este seria o ponto alto de nosso passeio e que o proprietário, seu Bidinho, teria o maior prazer em nos receber. A dificuldade de acesso ao local já prenunciava alguma suspeita de algo não estava bem explicado. Na fazenda, a proprietária informou que era a viúva do dono, filho falecido do também já falecido seu Bidinho, fato com algumas décadas. O aparato de visitas inexistia. Nos restou a esperança de que o chiste possuísse outra referência. Talvez seu Bidinho esteja à espera para nos receber de braços abertos quando for a hora de ir para a estância do Patrão Velho lá de Cima.
O herói nativista da cidade é Gujo Teixeira, um dos mais premiados compositores da música gaúcha. Nascido em Porto Alegre, formou-se em veterinária e mora em Lavras, em sua fazenda São Jorge das Cordilheiras. Até recentemente possuía 25 premiações, por melhor música e primeiro lugar em festivais, e mais de 100 composições gravadas em cinco discos. Além disto, é autor de dois livros de poemas: “Na madrugada dos galos” e “Parece a vida”.
Lavras não tem mais cinema. Mas tem TV por assinatura e conexão com a Internet. Isto é suficiente para alguém estar antenado com tudo o que acontece no país e no mundo. A existência de poucas oportunidades de convivência comunitária, a exemplo de shoppings e eventos culturais, reforça os laços de relacionamento. Este tem sido o grande atrativo das pequenas cidades. Um depoimento interessante pode ser encontrado em http://caroneiro.blogspot.com. Em “Os destinos” veja-se “Lavras do Sul (onde vivi)”: “Lavras me conquistou. Uma terra de pessoas incríveis. De muita simplicidade e hospitalidade. De valorização às tradições campeiras. De festas. De arquitetura que reflete o passado. De muito carinho”. Nas palavras de Gujo Teixeira: “com ‘permiso’ das palavras / cá neste rincão de Lavras / se sente o gosto da vida”.
A Praia do Paredão
A nota surreal aconteceu por conta de nosso interesse em visitar a Fazenda Itaoca, que pelas informações oficiais abrigaria um engenho de exploração de ouro remanescente da época áurea da cidade, ainda com o maquinário original encravado na rocha. Dr. Nézio Munhoz, a mais expressiva figura de um coronel urbano, no bom sentido, isto é, alguém com toda a percepção do que é realmente importante para assegurar o bem comum, preparou-nos uma brincadeira. Disse que este seria o ponto alto de nosso passeio e que o proprietário, seu Bidinho, teria o maior prazer em nos receber. A dificuldade de acesso ao local já prenunciava alguma suspeita de algo não estava bem explicado. Na fazenda, a proprietária informou que era a viúva do dono, filho falecido do também já falecido seu Bidinho, fato com algumas décadas. O aparato de visitas inexistia. Nos restou a esperança de que o chiste possuísse outra referência. Talvez seu Bidinho esteja à espera para nos receber de braços abertos quando for a hora de ir para a estância do Patrão Velho lá de Cima.
O herói nativista da cidade é Gujo Teixeira, um dos mais premiados compositores da música gaúcha. Nascido em Porto Alegre, formou-se em veterinária e mora em Lavras, em sua fazenda São Jorge das Cordilheiras. Até recentemente possuía 25 premiações, por melhor música e primeiro lugar em festivais, e mais de 100 composições gravadas em cinco discos. Além disto, é autor de dois livros de poemas: “Na madrugada dos galos” e “Parece a vida”.
Lavras não tem mais cinema. Mas tem TV por assinatura e conexão com a Internet. Isto é suficiente para alguém estar antenado com tudo o que acontece no país e no mundo. A existência de poucas oportunidades de convivência comunitária, a exemplo de shoppings e eventos culturais, reforça os laços de relacionamento. Este tem sido o grande atrativo das pequenas cidades. Um depoimento interessante pode ser encontrado em http://caroneiro.blogspot.com. Em “Os destinos” veja-se “Lavras do Sul (onde vivi)”: “Lavras me conquistou. Uma terra de pessoas incríveis. De muita simplicidade e hospitalidade. De valorização às tradições campeiras. De festas. De arquitetura que reflete o passado. De muito carinho”. Nas palavras de Gujo Teixeira: “com ‘permiso’ das palavras / cá neste rincão de Lavras / se sente o gosto da vida”.
Lavras, onde o passado entreabre um olho (III)
Logo nos primeiros passeios pela cidade uma decepção pessoal. Durante anos acalentei o sonho delirante de ter as cinzas espalhadas entre as oliveiras do adro da Igreja local., a matriz de Santo Antônio. Foi uma surpresa constatar que há mais de 20 anos não existem mais oliveiras, extirpadas sabe-se lá porque por um pároco que promoveu um novo ajardinamento absolutamente comum e sem charme. É duro saber que um sonho delirante persistiu por tanto tempo sem perspectivas.
A Igreja Matriz de Santo Antonio
Ademais, o roteiro de sempre em cidades pequenas: visita aos colégios freqüentados e às antigas residências, além de o reconhecimento das antigas localizações, “aqui era isto, ali aquilo”, essas coisas. A Padaria São José continua há 60 anos no mesmo lugar, mantendo entre o seu leque de produtos alguns dos que conheci quando criança: biscoitinhos “vovó sentada”, pão sovado, pão d’água.. A Churrascaria Freitas também, um pouco mais nova, mas com cardápio imutável ao longo do tempo. Curiosamente, embora o padroeiro da cidade seja Santo Antônio, o principal atrativo religioso é a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes.
A gruta de Nossa senhora de Lourdes
Nos tempos antigos um de seus acessos era bastante difícil, construído entre pedras, razão pela qual servia para o pagamento de muitas promessas. As graças atendidas pela santa estão registradas em placas de agradecimento ao redor da gruta. De lá, o ponto mais alto da cidade, tem-se uma vista panorâmica muito bonita. Ou tinha-se. A gruta era o ponto de referência. De qualquer local podia ser avistada. Mas, a situação mudou com a construção, em sua frente, de uma residência assobradada que lhe obstrui a vista. Não bastasse, ao seu lado encontram-se lupanares. Em um dos quais fomos tomar refrigerantes, sob o olhar desconfiadíssimo de uma das irmãs diante de tanta cortina e sofás de cor vermelha. Que as pessoas abastardem um símbolo da cidade é compreensível, afinal “vanitas vanitatem omnia vanitas” (latim, minha gente). Difícil é aceitar que a prefeitura não tenha tomado as precauções necessárias por meio de um plano de ordenamento territorial.
A Igreja Matriz de Santo Antonio
Ademais, o roteiro de sempre em cidades pequenas: visita aos colégios freqüentados e às antigas residências, além de o reconhecimento das antigas localizações, “aqui era isto, ali aquilo”, essas coisas. A Padaria São José continua há 60 anos no mesmo lugar, mantendo entre o seu leque de produtos alguns dos que conheci quando criança: biscoitinhos “vovó sentada”, pão sovado, pão d’água.. A Churrascaria Freitas também, um pouco mais nova, mas com cardápio imutável ao longo do tempo. Curiosamente, embora o padroeiro da cidade seja Santo Antônio, o principal atrativo religioso é a Gruta de Nossa Senhora de Lourdes.
A gruta de Nossa senhora de Lourdes
Nos tempos antigos um de seus acessos era bastante difícil, construído entre pedras, razão pela qual servia para o pagamento de muitas promessas. As graças atendidas pela santa estão registradas em placas de agradecimento ao redor da gruta. De lá, o ponto mais alto da cidade, tem-se uma vista panorâmica muito bonita. Ou tinha-se. A gruta era o ponto de referência. De qualquer local podia ser avistada. Mas, a situação mudou com a construção, em sua frente, de uma residência assobradada que lhe obstrui a vista. Não bastasse, ao seu lado encontram-se lupanares. Em um dos quais fomos tomar refrigerantes, sob o olhar desconfiadíssimo de uma das irmãs diante de tanta cortina e sofás de cor vermelha. Que as pessoas abastardem um símbolo da cidade é compreensível, afinal “vanitas vanitatem omnia vanitas” (latim, minha gente). Difícil é aceitar que a prefeitura não tenha tomado as precauções necessárias por meio de um plano de ordenamento territorial.
Lavras, onde o passado entreabre um olho (II)
Lavras não progrediu muito. De 1950 aos dias de hoje experimentou discreta regressão demográfica, que afetou mais a população rural. A população urbana cresceu bastante, pelos últimos dados divulgados pela prefeitura são 4.828 almas. A densidade demográfica do município é de apenas 2,78 hab/km². Embora tenha havido alguma recuperação, o que pode ser comprovado por novos setores habitacionais e casas de luxo, a cidade foi grandemente prejudicada quando deixou de ser parte da ligação rodoviária entre Bagé e Porto Alegre. A ligação asfáltica com a capital passou por fora de Lavras. Bagé, que era a meca cultural e educacional, foi substituída nesta função por Caçapava e São Gabriel, beneficiadas pela ligação por asfalto.
A cidade ganha alguma notoriedade na época do Carnaval, quando atrai um bom fluxo de visitantes. Sua principal característica é a disputa entre dois blocos carnavalescos: o dos Relaxados e o Vai de Qualquer Jeito, que apresentam quadros satíricos em seus desfiles, normalmente referentes ao comportamento dos próprios moradores, além de versos divulgados em duas “rádios”, a Rádio Galocha e a Rádio Mogango. O Bloco dos Relaxados é considerado o mais antigo do Brasil. Seus versos abre-alas: “Sant’Ana do Faxinal / Madrinha dos Relaxados / Auxiliai-nos a cantar / Esses sucessos rimados”. Na década de 60 os desfiles serviam também como um componente de confraternização entre segmentos sociais. A cidade possuía dois clubes, o Comercial, da elite, e o Clube Operário, com associados que hoje seriam considerados afrodescendentes. Trocavam-se visitas: um cortejo de cada clube visitava o outro, fazendo evoluções no meio do salão, sempre acompanhados das respectivas rainhas. Atualmente não existe mais o Clube Operário e seu prédio virou Salão Paroquial. O ator Paulo José, natural do município, tem sido o principal cartão de visitas do carnaval de Lavras, que costuma prestigiar, quando pode, desde os tempos em que era casado com a atriz Dina Sfat.
Lavras, onde o passado entreabre um olho (I)
De Bagé a Lavras do Sul uma epopéia rodoviária. A estrada é de terra e inacreditavelmente tosca. São apenas 72 quilômetros. Que os nativos cruzam em pouco mais de uma hora. Nossa van, de extração escolar e acostumada a trajetos urbanos, trepidou tanto que se aproximou da escala Richter. Percorreu o trecho em duas horas e meia.
Ao chegar, um problema não previsto: a hospedagem. Uma equipe da Rede Brasil Sul de Televisão – RBS TV estava na cidade colhendo depoimentos para a série “Histórias Extraordinárias”. Na década de 50 apareceu em Lavras um certo Mister Bosch, holandês que se arranchou na cidade. Muito simpático, foi inclusive professor particular de inglês. Do mesmo modo repentino como chegou, algum tempo depois arrumou todos os seus pertences e desapareceu de forma misteriosa, deixando tudo na casa aonde residia. Como nunca mais retornou, em 1990, quando supostamente já teria falecido, seus baús foram abertos. Tinha de um tudo, digamos. No meio do estranho legado diversos aparelhos de geodésia, atualmente expostos na Casa de Cultura do município. O episódio incendiou a imaginação de todos, supondo-se que pudesse ter sido alguma espécie de espião. Lavras recebeu seu nome por conta da atividade de exploração de ouro, que no início do século passado trouxe para a cidade ingleses e belgas.
Com as vagas de hotéis e pousadas ocupadas pela equipe da RBS, tivemos que nos socorrer com alguns arranjos de última hora. Uma tia, dona Geny, e uma antiga professora da época de primário, profa. Irma, deram abrigo aos nossos que não conseguiram acomodação.
Ao chegar, um problema não previsto: a hospedagem. Uma equipe da Rede Brasil Sul de Televisão – RBS TV estava na cidade colhendo depoimentos para a série “Histórias Extraordinárias”. Na década de 50 apareceu em Lavras um certo Mister Bosch, holandês que se arranchou na cidade. Muito simpático, foi inclusive professor particular de inglês. Do mesmo modo repentino como chegou, algum tempo depois arrumou todos os seus pertences e desapareceu de forma misteriosa, deixando tudo na casa aonde residia. Como nunca mais retornou, em 1990, quando supostamente já teria falecido, seus baús foram abertos. Tinha de um tudo, digamos. No meio do estranho legado diversos aparelhos de geodésia, atualmente expostos na Casa de Cultura do município. O episódio incendiou a imaginação de todos, supondo-se que pudesse ter sido alguma espécie de espião. Lavras recebeu seu nome por conta da atividade de exploração de ouro, que no início do século passado trouxe para a cidade ingleses e belgas.
Com as vagas de hotéis e pousadas ocupadas pela equipe da RBS, tivemos que nos socorrer com alguns arranjos de última hora. Uma tia, dona Geny, e uma antiga professora da época de primário, profa. Irma, deram abrigo aos nossos que não conseguiram acomodação.
Bagé, a terra do Analista (II)
No início dos anos 60 o Colégio Estadual, onde fiz o curso científico, era o centro do meu mundo. Alguns dos nossos extraordinários professores: o solene prof. Petrucci, a simpática profa. Silvinha, a figuraça do prof. Contreiras, o afável prof. Avancini. Nosso professor de educação física, Vaguinho, sempre com um cronômetro na mão costumava usar um bordão para movimentar nosso bando de indolentes: “correndo curtinho, para sair mais cedo”. Chegou a técnico do Guarani de Bagé, motivo para nós de imenso orgulho. Acompanhávamos atentamente suas explicações sobre estratégia e os critérios para escalar a equipe. Na época, o principal jogador do Guarani era Max, o centro-avante. Mas foi no estádio do Grêmio Bagé, de camisa jalde-negra, que disputei um torneio início estudantil. Os colegas de colégio: Carlito, nosso decano, dono de um coração imenso, ajudava todo mundo; Déa, extravagante, exagerada, regredia nervosamente quando seus fantasmas apareciam; Jesus, que pretendia ser médico; Terciopelo, goleiro do nosso time, apelidado assim por alusão a Veludo, da Seleção Brasileira, queria ser militar, como o pai. Cadê Sebastião Barbosa, vindo diretamente do interior e de singeleza e bondade incomparáveis? As meninas: Tânia Karam, exuberante; Francisquinha, criada por família rica e de cabelos cor de ouro; e as duas Veras, uma era nossa inteligente líder estudantil (tempos da Juventude Estudantil Católica), a outra vivia permanentemente atormentada. Aonde estarão, seus sonhos foram alcançados, constituíram família, têm filhos?
Mas a van já estava pronta para uma nova partida.
Mas a van já estava pronta para uma nova partida.
Bagé, a terra do Analista (I)
Bagé era conhecida como “A Rainha da Fronteira”. A agropecuária é o forte da sua economia, destacando-se a existência de haras de altíssimo nível para a criação de cavalos puro-sangue. Atualmente sofre uma violenta degradação ambiental, com fortíssimo processo de desertificação e racionamento de água durante boa parte do ano. O aparato urbano sofre as conseqüências. Cachorros soltos nas ruas, aliás uma constante daí em diante. O visual gaudério, das botas e bombachas, ainda é natural. O coldre das guaiacas porém vazio. Ainda bem. O pessoal é meio suscetível. Como na música do Teixeirinha: “trato todo mundo com muito respeito/ mas se alguém me pisar no pala / meu revólver fala e o bochincho está feito”.
A Avenida 7 de Setembro, em Bagé
Nossa passagem pela cidade foi rápida. As recordações do tempo de colégio ficaram prejudicadas por esta circunstância. Para reminiscências o ideal é poder andar pelas ruas despreocupadamente, visitar os locais, identificar casas e prédios, reativar a memória. Com o nosso pouco tempo o filme que passou pela cabeça resultou projetado mais rápido do que trem-bala. Depois dos problemas decorrentes do curto tempo, os problemas do evoluir do tempo: o antigo colégio virou prédio em restauração, não existe mais a vila ferroviária, onde morava Wendy, a companheirinha do Peter Pan...
A Avenida 7 de Setembro, em Bagé
Nossa passagem pela cidade foi rápida. As recordações do tempo de colégio ficaram prejudicadas por esta circunstância. Para reminiscências o ideal é poder andar pelas ruas despreocupadamente, visitar os locais, identificar casas e prédios, reativar a memória. Com o nosso pouco tempo o filme que passou pela cabeça resultou projetado mais rápido do que trem-bala. Depois dos problemas decorrentes do curto tempo, os problemas do evoluir do tempo: o antigo colégio virou prédio em restauração, não existe mais a vila ferroviária, onde morava Wendy, a companheirinha do Peter Pan...
Pelotas: doces, formigas e a praia logo ali (III)
A pesca amadora é atividade muito praticada tanto nos molhes como de resto em toda a praia. Pesca-se à beira-mar com imensa facilidade. Ao contrário das praias baianas e das nordestinas, a infra-estrutura de serviços e a amolação dos vendedores aqui é praticamente inexistente. Em compensação, torna-se necessário levar todo o equipamento que propicie algum conforto: cadeiras, barracas, água (não existe venda de cocos) e o que de comer. É comum grupos de amigos e famílias carregarem suas churrasqueiras portáteis.
No Rio Grande do Sul churrasco é a refeição mandatória de sempre. No almoço, na janta, dia sim outro também. Com o obrigatório acompanhamento da salada de maionese. Graças à abundância de rebanho, além da carne de rês a de ovelha é apreciadíssima. Todavia, almoçamos filé de linguado e anchova espalmada, que ninguém é de ferro e tratava-se de comida mais adequada para o ambiente do Cassino.
No retorno à Pelotas, o ritual único do pedágio. De Porto Alegre a Pelotas são quatro. O país paga IPVA e a CIDE, esta instituída também para o financiamento de programas de infra-estrutura de transporte, mas privatiza suas rodovias em ritmo cada vez mais acelerado. Em recente teste, de São Paulo a Foz do Iguaçu os repórteres da revista Quatro Rodas gastaram mais com pedágio do que com combustível.
Findos os passeios preliminares, o início da excursão propriamente dita. Bagé, Lavras e Caçapava do Sul seriam percorridas em uma van alugada, o que permitiria, além da comodidade óbvia, a convivência de todos em um mesmo veículo.
No Rio Grande do Sul churrasco é a refeição mandatória de sempre. No almoço, na janta, dia sim outro também. Com o obrigatório acompanhamento da salada de maionese. Graças à abundância de rebanho, além da carne de rês a de ovelha é apreciadíssima. Todavia, almoçamos filé de linguado e anchova espalmada, que ninguém é de ferro e tratava-se de comida mais adequada para o ambiente do Cassino.
No retorno à Pelotas, o ritual único do pedágio. De Porto Alegre a Pelotas são quatro. O país paga IPVA e a CIDE, esta instituída também para o financiamento de programas de infra-estrutura de transporte, mas privatiza suas rodovias em ritmo cada vez mais acelerado. Em recente teste, de São Paulo a Foz do Iguaçu os repórteres da revista Quatro Rodas gastaram mais com pedágio do que com combustível.
Findos os passeios preliminares, o início da excursão propriamente dita. Bagé, Lavras e Caçapava do Sul seriam percorridas em uma van alugada, o que permitiria, além da comodidade óbvia, a convivência de todos em um mesmo veículo.
Pelotas: doces, formigas e a praia logo ali (II)
O centro da cidade ainda ostenta vários prédios representativos de sua fase de opulência, entre os quais dois pequenos palácios. A sua restauração, no entanto, enfrenta as mesmas dificuldades dos demais prédios históricos do país. Embora as quatro cidades que visitamos tenham seu traçado urbano com características de reticulado, Pelotas é a que apresenta a topografia mais plana. Outra de suas atrações é a Praia do Laranjal, praia de rio no perímetro urbano.
Lugar marcado por notório cosmopolitismo, Pelotas é a Satolep de Vitor Ramil, autor do extraordinário "Ramilonga", disco que revela de forma esplêndida algumas características da alma gaúcha. Das suas onze faixas, três fazem referência à morte. Uma delas escancara o inconsciente coletivo: “não quero morrer de doença... / eu quero guasquear no chão / com um balaço bem na testa / e que seja em dia de festa / de carreira ou marcação”. Nada mais revelador do fatalismo orgulhoso da cultura gaúcha, seguramente herança da primeva ocupação espanhola do território.
Depois de Pelotas, a próxima etapa: a cidade de Rio Grande. A seguir, a Praia do Cassino. Rio Grande é a cidade mais antiga do Rio Grande do Sul e a única a dispor de um porto marítimo, com movimentação anual da ordem de 23 milhões de toneladas. Foi criada em 1737 com a finalidade de assegurar aos portugueses a posse de terras em disputa com a Espanha. A Praia do Cassino é considerada a maior praia do mundo, "a praia do Guinness", com 220 quilômetros de extensão. Estende-se da barra do Rio Grande à barra do Chuí. Sua principal atração são os dois molhes artificais, construídos com pedras enormes para facilitar a navegação dos navios de maior calado. Vagonetas impulsionadas à vela e tração humana levam os turistas até o final dos três quilômetros de molhe.
Os molhes e as vagonetas
Lugar marcado por notório cosmopolitismo, Pelotas é a Satolep de Vitor Ramil, autor do extraordinário "Ramilonga", disco que revela de forma esplêndida algumas características da alma gaúcha. Das suas onze faixas, três fazem referência à morte. Uma delas escancara o inconsciente coletivo: “não quero morrer de doença... / eu quero guasquear no chão / com um balaço bem na testa / e que seja em dia de festa / de carreira ou marcação”. Nada mais revelador do fatalismo orgulhoso da cultura gaúcha, seguramente herança da primeva ocupação espanhola do território.
Depois de Pelotas, a próxima etapa: a cidade de Rio Grande. A seguir, a Praia do Cassino. Rio Grande é a cidade mais antiga do Rio Grande do Sul e a única a dispor de um porto marítimo, com movimentação anual da ordem de 23 milhões de toneladas. Foi criada em 1737 com a finalidade de assegurar aos portugueses a posse de terras em disputa com a Espanha. A Praia do Cassino é considerada a maior praia do mundo, "a praia do Guinness", com 220 quilômetros de extensão. Estende-se da barra do Rio Grande à barra do Chuí. Sua principal atração são os dois molhes artificais, construídos com pedras enormes para facilitar a navegação dos navios de maior calado. Vagonetas impulsionadas à vela e tração humana levam os turistas até o final dos três quilômetros de molhe.
Os molhes e as vagonetas
Pelotas: doces, formigas e a praia logo ali (I)
Pelotas, a Princesa do Sul, nosso ponto de encontro, alcançou no passado um grande progresso graças ao comércio de charque. A riqueza acumulada permitiu a construção de sobrados e palacetes, muitos edificados por engenheiros europeus, ainda existentes como testemunhas do período de fausto. Atualmente a cidade é grande produtora de doces e o município o maior produtor nacional de pêssegos. O ponto alto do seu calendário é a Fenadoce, Feira Nacional do Doce, que ocorre anualmente no mês de junho. Para dar maior visibilidade a esta especialização comercial, em suas praças principais, a exemplo das vaquinhas da "cow parade", estão espalhadas simpáticas e coloridas formiguinhas.
Paula e uma formiguinha
Nosso primeiro passeio foi à Charqueada São João, que ganhou projeção recente por ter sido o local cenográfico da série de televisão "A Casa das Sete Mulheres". A Rede Globo revitalizou a sede do estabelecimento, hoje local de visitação e de realização de eventos. A Charqueada São João, cuja construção foi concluída em 1810, além de ser um legado de época que foi preservado, o que é louvável, principalmente porque a atividade de produção de charque encerrou-se em 1837, conserva ainda rico mobiliário e um acervo de apetrechos utilizados na submissão dos escravos. Possui detalhes quase folhetinescos, como saídas falsas construídas para que os senhores pudessem manter-se a salvo de eventuais inimigos ou de sedições dos escravos. A casa e o jardim preservam vários elementos de inspiração maçônica. São João é a mais célebre das charqueadas remanescentes. Um passeio de barco facilita a visita a outras duas na vizinhança, todas à margem do Rio Pelotas.
A Charqueada São João
Paula e uma formiguinha
Nosso primeiro passeio foi à Charqueada São João, que ganhou projeção recente por ter sido o local cenográfico da série de televisão "A Casa das Sete Mulheres". A Rede Globo revitalizou a sede do estabelecimento, hoje local de visitação e de realização de eventos. A Charqueada São João, cuja construção foi concluída em 1810, além de ser um legado de época que foi preservado, o que é louvável, principalmente porque a atividade de produção de charque encerrou-se em 1837, conserva ainda rico mobiliário e um acervo de apetrechos utilizados na submissão dos escravos. Possui detalhes quase folhetinescos, como saídas falsas construídas para que os senhores pudessem manter-se a salvo de eventuais inimigos ou de sedições dos escravos. A casa e o jardim preservam vários elementos de inspiração maçônica. São João é a mais célebre das charqueadas remanescentes. Um passeio de barco facilita a visita a outras duas na vizinhança, todas à margem do Rio Pelotas.
A Charqueada São João
Quando brigam, se matam! A história de um roteiro turístico
No início de ano realizamos um passeio com a principal finalidade de visitar a terra natal. Os participantes: este que digita o relato, mais três irmãs, um cunhado e uma sobrinha. Voltaríamos aos lugares da infância, cerca de quarenta anos depois. Vindos cada um de um ponto diferente, fomos ao sul do Sul: Pelotas, depois Bagé, Lavras do Sul e Caçapava do Sul. A maior parte destes municípios são pobres, dentro da região mais pobre do Rio Grande. Os seus indicadores socioeconômicos estão distantes dos encontrados nas cidades de colonização alemã e italiana. O Rio Grande do Sul, que sempre esteve cindido politicamente, agora está cindido no seu grau de desenvolvimento. A divisão entre as chamadas metade sul e metade norte do estado tem sido tratada em diversos estudos e análises.
A volta à terra natal é sempre uma aventura interessante. Pode ser fácil, prazerosa, pode ser perturbada por fantasmas. Em casos extremos, é uma tragédia. Como a vivida por José Maria, funcionário público aposentado. No conto "Viagem aos seios de Duília", de Aníbal Machado, ele empreende uma viagem complicadíssima de retorno para buscar no passado, também quase quarenta anos depois, alguma coisa que pudesse lhe dar um sentido para a vida. Que estava tão vazia quanto a cidadezinha que encontrou, marcada pelo marasmo e pelo envelhecimento das coisas, onde "o vazio do mundo pesava sobre o sossego do povoado". Mas não foi isso que encontramos, felizmente.
A volta à terra natal é sempre uma aventura interessante. Pode ser fácil, prazerosa, pode ser perturbada por fantasmas. Em casos extremos, é uma tragédia. Como a vivida por José Maria, funcionário público aposentado. No conto "Viagem aos seios de Duília", de Aníbal Machado, ele empreende uma viagem complicadíssima de retorno para buscar no passado, também quase quarenta anos depois, alguma coisa que pudesse lhe dar um sentido para a vida. Que estava tão vazia quanto a cidadezinha que encontrou, marcada pelo marasmo e pelo envelhecimento das coisas, onde "o vazio do mundo pesava sobre o sossego do povoado". Mas não foi isso que encontramos, felizmente.
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