sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

EM CACHOEIRA DO SUL

Meu pai era funcionário do IBGE e durante muitos anos foi agente de estatística. A atividade obrigava a deslocamentos dento do Rio Grande do Sul. Em 1948 foi designado para trabalhar em Cachoeira do Sul. Seguiram-se novas indicações para outros municípios e em 1951 voltou para a cidade. Esta oportunidade propiciou o começo de meus estudos, no pré-primário, no Colégio Roque Gonzalez, dos padres maristas.


A entrada do Colégio Roque Gonzalez

O uniforme do colégio era, literalmente, uma farda:


Com os pais

Depois disto voltei para Lavras do Sul, passando a morar com os avós maternos. Meu pai continuou seus deslocamentos e, com a colaboração de minha mãe, iniciou um projeto de aumento da densidade demográfica do RGS. Vieram, então, meus irmãos: Ila Maria nasceu em Porto Alegre, Iara Maria em São Jerônimo, e Regina Berenice e Jorge Antônio em General Câmara.

A cigana

Em uma das férias, em General Câmara, uma cigana leu minha mão: “vai ser latifundiário”. Apesar de não saber direito o que seria latifundiário, a perspectiva não me entusiasmou. Imaginei até algo meio vago como fabricante de latas, porque tampouco ninguém me explicou. Queria mesmo era ser chofer de caminhão. Aliás, tenho lido vários depoimentos de quem também tinha esta expectativa. Não é difícil entender o por quê. Minha geração queria sair de casa o mais cedo possível e meter o pé na estrada. A possibilidade de ser chofer de caminhão representava um ideal de liberdade e a chance de conhecer novos lugares.


Quanto à cigana, fez o que dela se esperava, isto é, disse o que todo mundo queria ouvir, principalmente no RGS, onde a perspectiva de ser latifundiário seguramente era algo de desejo geral. Além disto, nenhuma vidente diz coisas terríveis, a sua remuneração depende de que o consulente fique com a esperança de que terá um futuro brilhante.

Por esta circunstância particular do trabalho de meu pai, já pequetitinho eu viajava sozinho de ônibus de um município para outro. Naqueles tempos bastava uma recomendação ao motorista e pronto. E viajava não só por terra. Quando a família estava estabelecida em General Câmara, e ele trabalhava em Triunfo, do outro lado do Rio Jacuí, volta e meia eu ia levar sua marmita, fazendo a travessia em lancha, o que em dia de borrasca não era exatamente uma coisa relaxante.

As corridas de carreteras

Em Cachoeira do Sul assisti a uma corrida de carreteras. As carreteras clássicas eram carros antigos depenados, geralmente Chevrolets, Fords, das décadas de 30 e 40, que tinham os motores originais trocados por outros mais fortes, preparados. Posteriormente, foram também utilizados carros nacionais, como os DKW-Vemags. As carreteras corriam em circuitos mistos de estradas e cidades, nestas últimas enfrentando com freqüência calçamentos de paralelepípedos. A modalidade teve sucesso em vários pontos do Brasil, com corridas em Rio de São Paulo. O Rio Grande do Sul forneceu a maioria dos grandes pilotos de carretera, chamados de volantes, como Breno Fornari, Catharino Andreatta, Orlando Menegaz e Aristitides Bertuol, quase todos de origem italiana. Eram veneradíssimos.

Uma corrida de carreteras

Nas cidades o público ficava à beira da pista. A segurança era nenhuma. Quando muito, uma cordinha para delimitar o espaço do público. Nestas ocasiões seguramente o Altíssimo colocava uma legião enorme de anjos da guarda em estado de alerta e fazendo horas-extras.

A carretera de Catharino Andreatta, restaurada:


Ponte do Fandango

A Barragem Ponte do Fandango, inaugurada em 1961, possui eclusa para elevar e baixar embarcações, permitindo sua passagem pelo Rio Jacuí. Meu pai gostava de contar uma historinha sobre ela. O Governador do Rio Grande do Sul foi a Cachoeira do Sul conhecer a obra, tendo sido recebido pelo Prefeito Municipal. O Prefeito, que não estava muito à vontade com a presença do Governador, ficou num mutismo completo. O Governador, para puxar assunto, resolve indagar sobre as possibilidades de pesca no rio. E pergunta: “Este rio é muito piscoso?” O Prefeito pensou um pouco e então respondeu: “Bem, quando chuvisca, ele pisca”.

Ponte do Fandango

A cidade

Cachoeira do Sul há muitos anos é considerada a Capital Nacional do Arroz. Produzido pelo sistema de irrigação. Meu pai gostava muito da cidade, onde tinha seus velhos amigos e companheiros de pescaria. Foi novamente designado para a agência de estatística de Cachoeira do Sul ao final dos anos 60. Lá permaneceu após sua aposentadoria e até terminar seus dias.

Catedral Nossa Senhora da Conceição

4 comentários:

Andrea Leal disse...

Raimundo, que memória preciosa! Adorei rever o Chateau d'eau e a Ponte do Fandango, que saudades! Tinha uma época que eu ia pra lá frequentemente por ter amigos por lá.
E quanto a Triunfo, bueno, tenho ido todos os fins de semana pra lá, para fugir da free-way. Ih, esta minha última afirmação é um verdadeiro acinte ao grande orgulho da gauchada no verão, que é o nosso litoral reto, sujo e sem graça... hihihihihihihi!!!

Unknown disse...

Oi, Tadeu. Sempre leio seu blog mas nem sempre comento. Todas as histórias são muito interessantes. Tive também a curiosidade de ver livros de médicos que moravam na minha casa e, adolescente, fiquei horrorizada com o monte de fotos de pessoas nuas!!! Mande mais. Abs Diana

Eduardo Dutra Aydos disse...

PARA O AMIGO RAIMUNDO TADEU



Soneto de estilo



Pato Velho faceiro

Das Lavras pelo Brasil

Verte a prosa com esmero

Puxa memória pelo canzil



Não é coisa de agora

Sempre foi epistolar

Detalhista na lembrança

E maneiroso no falar



Mais além do sentimento

Que brota na sua lavra

A história ganha um alento



Nos registros do Carnaval

Nosso Ouvidor se renova

E ainda vira um imortal...



Eduardo Dutra Aydos

Gravataí-RS

Rosamaria disse...

Realmente, Raimundo, fico estarrecida com a tua memória (tenho um filho assim). Lembras até o nome dos volantes.
Estive em Cahoeira duas ou três vezes, mas passo seguido por lá e pela ponte do Fandango.