Andando de bonde
Durante o curso universitário meu transporte preferencial
era o bonde. Nos anos 60, em Porto Alegre, o predomínio do transporte coletivo
já pertencia aos ônibus, os bondes resistiram até 1970. Uma das primeiras
coisas que se aprendia era como tomar o bonde em movimento e, depois, saber
como saltar também em movimento. Pegar o bonde em movimento era fácil. Descer,
nem tanto, se o camarada não pegasse o jeito corria grande risco de cair
estatelado no chão.
Bondes no centro de
Porto Alegre
Os bondes, da Companhia Carris, eram mais baratos do que os
ônibus. Mas, a principal razão pela minha preferência era de ordem prática. De
onde morava, no bairro Bom Fim, até o ponto em que descia para ir para a
faculdade, era uma distância, digamos, média. Dava perfeitamente para voltar a
pé, devagarito no más. Mas, para ir,
demandava um certo tempo e corria-se o risco de perder o horário das aulas. Os
ônibus, mais rápidos, passavam cheíssimos nos horários de pico, justo quando eu
precisava me deslocar. Então, se resolvesse ir de ônibus podia não conseguir
vencer a massa humana e chegar até a porta da frente para descer no meu ponto.
Os bondes eram mais calmos e não tão lotados. Além do mais eram de um charme
inexcedível. Quando os transportes públicos eram o principal meio de
transporte, os bondes eram frequentados por passageiros de todas as classes
sociais. Quem já andou de bonde em Porto Alegre guarda na memória uma propaganda
antológica fixada no seu interior: “Veja
ilustre passageiro / o belo tipo faceiro / que está sentado ao seu lado / quase
morreu de bronquite / no entanto, acredite / salvou-o o Rum Creosotado”.
Nem todos, no entanto, conhecem esta história: a
participação dos bondes no hino do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, de autoria
do grande compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues. Os versos iniciais do hino são
os seguintes: “Até a pé nos iremos / para
o que der e vier / mas o certo é que nós estaremos / com o Grêmio onde o Grêmio
estiver”. Lupicínio, grande torcedor do Grêmio, estava se preparando para
assistir a mais uma partida do time, em 1953. Justo naquele dia os motorneiros
(condutores dos bondes) da Companhia Carris entraram em greve. Lupicínio foi a
pé para o estádio. Na volta, em uma mesa de bar, usou o episódio como
inspiração para compor o hino. E assim uma circunstância efêmera assume outra
dimensão e acaba se perpetuando.
Uma coisa puxa outra
Como nosso curso universitário já obedecia ao regime de
créditos, com a universidade estruturada
em departamentos, era comum termos colegas de outros cursos em algumas das
disciplinas. Por exemplo, no blog da minha colega Marina, http://marinalimaleal.blogspot.com.br/2012/03/foto-da-formatura-na-ufrgs.html,
na postagem intitulada “Foto da formatura na UFRGS”, de 11/02/2012, aparece Ana
Lúcia Paiva, que veio a ser a primeira esposa de Luiz Coronel, e que na época
estavam namorando. Luiz Coronel, ciumentíssimo, mesmo não estando matriculado na
disciplina acompanhava a moça durante as aulas. Ana Lúcia depois foi para a
área de Direito e se tornou juíza.
Marina Lima (a primeira à esquerda) e Ana Lúcia Paiva (ao seu
lado)
Luiz Coronel é cidadão de múltiplos talentos: publicitário,
compositor e escritor, foi também magistrado e professor. Nasceu em Bagé, mas
fora do Rio Grande do Sul tem muita gente que já ouviu falar dele sem saber
associar o nome à pessoa. É que o compositor Renato Teixeira na sua música
“Amanheceu, peguei a viola” lá pelas tantas tem o seguinte verso: “Em Porto Alegre um tal de Coronel / Pediu
que eu musicasse uns versos que ele fez / Para uma china, que pela poesia / Nem
lá em Pequim se vê tanta altivez”. Certamente a “china” (mulher) da letra
era a Ana Lúcia. Vale dizer que nas interpretações mais recentes Renato
Teixeira modificou o verso para “Em Porto
Alegre o Luiz Coronel...” É uma deferência, embora o andamento da letra
fique um pouco torto. Mas, enfim, entre tantas realizações, músicas premiadas
em festivais nativistas, diversos livros publicados, etc. e tal, Luiz Coronel
tem ultimamente se notabilizado pelo seu projeto chamado “A Comédia Gaúcha”,
onde com muita graça conta causos do anedotário gaúcho.
Luiz Coronel e seu livro mais recente “Filé de Borboleta”
A Comédia Gaúcha começou como trilogia: “O Cavalo Verde”,
“O Cachorro Azul” e “o Gato Escarlate”. Agora virou quinteto. O quarto volume é
“Filé de Borboleta, o Don Juan de Bagé” e o quinto ainda está em processo de
criação. Todos os seus livros são publicados pela Editora Mecenas. "Filé de
borboleta" é expressão para designar um sujeito muito magro. Estes livros de
causos do Luiz Coronel são interessantes não só pelas histórias em si mas
principalmente pela forma com que são narradas, com todo o linguajar e
expressões típicas do Rio Grande do Sul. Transcrevo abaixo um pequeno trecho do livro “Filé de
Borboleta”:
Sentenciava o Capitão
Caraguatá: “Quem não prevê o futuro dá de costados no muro”. A vida dá mais
voltas do que cusco solto da corda e coleira... E nestes volteios alguém “dança
sem querer dançar”. Voltando ao causo e abandonando os volteios, anunciado por
bombos legüeros e bordoneos, com seu poncho noite escura por fora e cor de
braseiro por dentro, se apresentou, com cartas de recomendação e comando das
gravadoras da Capital, um candongueiro de muitas charlas, de nome Esmeraldino
Barreto.
Para auxiliar o vivente que não esteja familiarizado com
termos regionais, ao final do livro existe um Glossário. Afinal, ninguém
precisa saber de antemão o que significam alpedo, haragano, guaiaca, repecho ou
mesmo camoatim.
Quem se aventurar na leitura vai se divertir bastante.
-oO)(Oo-
2 comentários:
É Tadeu...saudades dos bondes, tão velhos, mas tão atuais. A propaganda do Rum Creosotado também estava presente nos bondes cariocas.
Saudades dos bondes e eles nos lembram os tempos de UFRGS.Lembro-me desta e de outras propagandas que eram afixadas nos bondes. Enquanto estávamos dentro deles, íamos lendo.
Não sabia deste episódio que inspirou Lupicínio. Interessante.
Quanto ao Coronel, lembro-me quando ele assistia nossas aulas, especialmente as de Jorge Furtado mas te confesso que não sabia que ele o fazia por ciúmes da Ana Lúcia.
Postar um comentário