sábado, 12 de maio de 2012

BONDES ELÉTRICOS E BORBOLETAS (Porto Alegre – Parte VIII)


Andando de bonde


Durante o curso universitário meu transporte preferencial era o bonde. Nos anos 60, em Porto Alegre, o predomínio do transporte coletivo já pertencia aos ônibus, os bondes resistiram até 1970. Uma das primeiras coisas que se aprendia era como tomar o bonde em movimento e, depois, saber como saltar também em movimento. Pegar o bonde em movimento era fácil. Descer, nem tanto, se o camarada não pegasse o jeito corria grande risco de cair estatelado no chão.

Bondes no centro de Porto Alegre

Os bondes, da Companhia Carris, eram mais baratos do que os ônibus. Mas, a principal razão pela minha preferência era de ordem prática. De onde morava, no bairro Bom Fim, até o ponto em que descia para ir para a faculdade, era uma distância, digamos, média. Dava perfeitamente para voltar a pé, devagarito no más.  Mas, para ir, demandava um certo tempo e corria-se o risco de perder o horário das aulas. Os ônibus, mais rápidos, passavam cheíssimos nos horários de pico, justo quando eu precisava me deslocar. Então, se resolvesse ir de ônibus podia não conseguir vencer a massa humana e chegar até a porta da frente para descer no meu ponto. Os bondes eram mais calmos e não tão lotados. Além do mais eram de um charme inexcedível. Quando os transportes públicos eram o principal meio de transporte, os bondes eram frequentados por passageiros de todas as classes sociais. Quem já andou de bonde em Porto Alegre guarda na memória uma propaganda antológica fixada no seu interior: “Veja ilustre passageiro / o belo tipo faceiro / que está sentado ao seu lado / quase morreu de bronquite / no entanto, acredite / salvou-o o Rum Creosotado”.

Nem todos, no entanto, conhecem esta história: a participação dos bondes no hino do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, de autoria do grande compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues. Os versos iniciais do hino são os seguintes: “Até a pé nos iremos / para o que der e vier / mas o certo é que nós estaremos / com o Grêmio onde o Grêmio estiver”. Lupicínio, grande torcedor do Grêmio, estava se preparando para assistir a mais uma partida do time, em 1953. Justo naquele dia os motorneiros (condutores dos bondes) da Companhia Carris entraram em greve. Lupicínio foi a pé para o estádio. Na volta, em uma mesa de bar, usou o episódio como inspiração para compor o hino. E assim uma circunstância efêmera assume outra dimensão e acaba se perpetuando.

Uma coisa puxa outra

Como nosso curso universitário já obedecia ao regime de créditos, com a universidade  estruturada em departamentos, era comum termos colegas de outros cursos em algumas das disciplinas. Por exemplo, no blog da minha colega Marina, http://marinalimaleal.blogspot.com.br/2012/03/foto-da-formatura-na-ufrgs.html, na postagem intitulada “Foto da formatura na UFRGS”, de 11/02/2012, aparece Ana Lúcia Paiva, que veio a ser a primeira esposa de Luiz Coronel, e que na época estavam namorando. Luiz Coronel, ciumentíssimo, mesmo não estando matriculado na disciplina acompanhava a moça durante as aulas. Ana Lúcia depois foi para a área de Direito e se tornou juíza. 

 Marina Lima (a primeira à esquerda) e Ana Lúcia Paiva (ao seu lado)

Luiz Coronel é cidadão de múltiplos talentos: publicitário, compositor e escritor, foi também magistrado e professor. Nasceu em Bagé, mas fora do Rio Grande do Sul tem muita gente que já ouviu falar dele sem saber associar o nome à pessoa. É que o compositor Renato Teixeira na sua música “Amanheceu, peguei a viola” lá pelas tantas tem o seguinte verso: “Em Porto Alegre um tal de Coronel / Pediu que eu musicasse uns versos que ele fez / Para uma china, que pela poesia / Nem lá em Pequim se vê tanta altivez”. Certamente a “china” (mulher) da letra era a Ana Lúcia. Vale dizer que nas interpretações mais recentes Renato Teixeira modificou o verso para “Em Porto Alegre o Luiz Coronel...” É uma deferência, embora o andamento da letra fique um pouco torto. Mas, enfim, entre tantas realizações, músicas premiadas em festivais nativistas, diversos livros publicados, etc. e tal, Luiz Coronel tem ultimamente se notabilizado pelo seu projeto chamado “A Comédia Gaúcha”, onde com muita graça conta causos do anedotário gaúcho.

 Luiz Coronel e seu livro mais recente “Filé de Borboleta”

A Comédia Gaúcha começou como trilogia: “O Cavalo Verde”, “O Cachorro Azul” e “o Gato Escarlate”. Agora virou quinteto. O quarto volume é “Filé de Borboleta, o Don Juan de Bagé” e o quinto ainda está em processo de criação. Todos os seus livros são publicados pela Editora Mecenas. "Filé de borboleta" é expressão para designar um sujeito muito magro. Estes livros de causos do Luiz Coronel são interessantes não só pelas histórias em si mas principalmente pela forma com que são narradas, com todo o linguajar e expressões típicas do Rio Grande do Sul. Transcrevo abaixo um pequeno trecho do livro “Filé de Borboleta”:

Sentenciava o Capitão Caraguatá: “Quem não prevê o futuro dá de costados no muro”. A vida dá mais voltas do que cusco solto da corda e coleira... E nestes volteios alguém “dança sem querer dançar”. Voltando ao causo e abandonando os volteios, anunciado por bombos legüeros e bordoneos, com seu poncho noite escura por fora e cor de braseiro por dentro, se apresentou, com cartas de recomendação e comando das gravadoras da Capital, um candongueiro de muitas charlas, de nome Esmeraldino Barreto.

Para auxiliar o vivente que não esteja familiarizado com termos regionais, ao final do livro existe um Glossário. Afinal, ninguém precisa saber de antemão o que significam alpedo, haragano, guaiaca, repecho ou mesmo camoatim.

Quem se aventurar na leitura vai se divertir bastante.


-oO)(Oo-

2 comentários:

Eduardo Ramos disse...

É Tadeu...saudades dos bondes, tão velhos, mas tão atuais. A propaganda do Rum Creosotado também estava presente nos bondes cariocas.

Marina disse...

Saudades dos bondes e eles nos lembram os tempos de UFRGS.Lembro-me desta e de outras propagandas que eram afixadas nos bondes. Enquanto estávamos dentro deles, íamos lendo.
Não sabia deste episódio que inspirou Lupicínio. Interessante.
Quanto ao Coronel, lembro-me quando ele assistia nossas aulas, especialmente as de Jorge Furtado mas te confesso que não sabia que ele o fazia por ciúmes da Ana Lúcia.