sábado, 5 de maio de 2012

A DIVERSIDADE DE ORIGEM NA SALA DE AULA E NOS PAMPAS (Porto Alegre – Parte VII)


Uma das grandes impressões de que até hoje lembro, após entrar para a faculdade, foi a da percepção da diversidade. Diversidade de origem. Cidades que são foco de migrações costumam ter a maior parte de sua população vinda de outras áreas. Isto foi muito claro no caso de Brasília, que só agora, com a divulgação dos dados do último censo, é que passou a ter uma predominância de população nativa. Porto Alegre dos anos 60 era a grande meca cultural do estado. A maioria de sua população provinha do interior, era até relativamente raro ter-se algum colega nascido na capital. Pelo menos na UFRGS era assim. Hoje, evidentemente, o fenômeno não existe mais. A cidade desenvolveu-se muito e, no caso do ensino superior, o interior do estado dispõe de outras universidades e instituições de ensino, não sendo mais necessário deslocar-se para a capital para dar prosseguimento aos estudos. Mas, enfim, minha turma reproduzia a própria diversidade do Rio Grande do Sul, cuja formação contou com a contribuição principal de alemães e italianos, como também a de diversos outros povos.
Na minha matéria sobre a recepção aos calouros, “Uma recepção de gala”, coloquei duas fotos coletivas com a assinatura das pessoas retratadas. Por ali já se pode ter uma idéia de como eram variadas as ascendências dos colegas. Na foto da fila de entrada já existem alguns exemplos: Vera Walker (desconheço a origem), Geraldo Müller (alemão), Vera Lucia Berndt (também alemã), e Aymara Stefani (creio que italiana, embora o primeiro nome remeta aos índios aymarás, da Bolívia, país com o qual seu pai tinha algum relacionamento comercial). Exemplos da última foto com assinaturas: Anita Brumer e Sara Brumer (irmãs, de ascendência judaica), Carmen Pritsch (desconheço), Valmiria Piccinini (italiana), Eliana Brenner e Susana Hanssen (desconheço a origem de ambas). Na fotografia do ônibus, da qual não tenho as assinaturas, há pelo menos uma colega com sobrenome que sugere dupla origem: Marilia Francisca Friederichs de Marsilac, que é a última que está em pé à direita, com um jeito meio de Audrey Hepburn; o seu sobrenome Marsilac sugere origem francesa, já o Friederichs não sei, embora pareça ser um caso de mescla européia. Lembro ainda de outros sobrenomes: Ani Schiphorst (não sei bem a origem), Berlindes Astrid Küchemann (alemã, este sobrenome aí é de casada, se estou bem lembrado seu sobrenome de solteira era Ricker) e Olga Derenji, de origem búlgara (acho que seu pai era nascido na Bulgária), o que sugere que a presidente Dilma Rousseff não é caso isolado.
Certamente tivemos ainda outros exemplos desta diversidade de origem. Infelizmente, os meus neurônios que cuidam dos registros de memória estão em pior situação do que o cenário descrito na poesia “The Waste Land”, de Thomas S. Eliot , isto é, a terra devastada.
Um recuerdo de Chile

Susana Gonçalves, que na foto do ônibus aparece como a primeira em pé, de óculos escuros e segurando uma bolsa enorme, era de excepcional sensibilidade. Ótima e gentil colega, adorava longos papos. No meio de algumas turbulências domésticas, participou de atividades de teatro, depois esteve um tempo no Chile, voltou, casou e parece que separou em seguida. Pelo menos assim me informaram. Um perfil, aliás, muito comum entre certa parcela da juventude, especialmente aquela ligada à vida cultural do bairro Bom Fim. Desde essa época não tive mais informações a seu respeito.
Pessoa de fino humor, dela guardo duas lembranças materiais. Uma foto 3x4, onde escreveu: “Pueril mandar uma foto, não? É simplesmente para me veres. Eu”.  A outra lembrança é o cartão reproduzido aí embaixo, que enviou do Chile:

A questão dos longos papos é interessante. Marina, minha colega, já havia feito esta observação no seu blog. Ainda que, no caso específico de nosso relacionamento, a situação tenha sido favorecida pelo fato de que fazíamos refeições no restaurante universitário e depois era preciso gastar um bom tempo até o início das aulas. Porém, mesmo em Bagé já era costume estas conversas intermináveis entre colegas. Onde o elemento potencializador era nossa participação nas atividades de política estudantil. Seguramente pela perspectiva utilitária dos tempos atuais este ideal de vida de filósofo grego peripatético parece uma imensa perda de tempo. Mas, eram, creio, características de uma geração. Minha geração, a de 1945, foi muito forte culturalmente. O ambiente universitário acabou favorecendo a cristalização de certas características: alta politização, uma bagagem de leitura imensa e participação em atividades culturais, basicamente cinema e teatro. Isto nos moldou e foi assim que seguimos vida afora.
A biblioteca

Foi um achado descobrir o acervo da Biblioteca Central da UFRGS. Meu interesse não era nem tanto pela parte dos livros, o que era óbvio, mas pela seção de revistas estrangeiras. Pelo menos na época a Biblioteca recebia muitas revistas estrangeiras, de todo gênero: arte, notícias, arquitetura e cultura. Minha paixão eram as revistas que traziam cartoons de artistas estrangeiros. Sempre gostei disto, provavelmente como parte da herança genética paterna. Meu pai desenhava muito bem e produzia quadros humorísticos para apresentação durante o carnaval de Lavras do Sul. Herdei apenas o interesse, não a habilidade no desenho. 
 
Destas consultas na biblioteca, duas charges me ficaram na mente. Na primeira, em dois quadros, freirinhas, que usavam hábito comprido, olhavam com admiração para as mocinhas na rua, com saias curtas; passa o tempo e o Vaticano libera o uso de roupas civis para as freirinhas, contentes elas colocam saias curtas e vão para a rua, quando então descobrem que a moda agora era as maxi-saias, tão longas quanto as que usavam na época dos hábitos. A segunda charge retratava uma biblioteca imensa e chiquérrima, onde o dono, de robe de chambre, subia nas costas do seu mordomo, que de quatro no chão fazia uma escadinha que permitia ao patrão pegar no alto da estante um exemplar de Das Capital, de Karl Marx. Aliás, ironia nem tão absurda assim. Era comum em diversas cidades brasileiras, e até mesmo em capitais como depois vim a ter conhecimento em Teresina, que alguns dos cidadãos mais ricos do lugar fossem comunistas.  Do mesmo jeito como eram anticlericais, maçons, etc. 
...

Nos próximos capítulos novas historinhas.
-oO)(Oo-

Um comentário:

Marina disse...

Adorei tuas observações e lembranças.
Interessante tu chamares atenção para as origens dos colegas. Realmente éramos uma turma muito eclética em relação a este quesito.
A Suzana, grande amiga. Nunca mais soube dela. A gente também conversava muito.
Ainda vou tentar encontrar nosso convite de formatura para colaborar contigo, em relação aos sobrenomes.