domingo, 4 de março de 2012

VENTO NORDESTE


Vento Nordeste, o disco

“Vento Nordeste” é o título do LP de estréia da cantora Terezinha de Jesus, do Rio Grande do Norte, lançado em 1979 pela CBS. Fagner patrocinou a estreante, Capinam e Abel Silva assinaram a apresentação de capa e o excelente repertório reuniu grandes nomes da nossa música. Depois deste disco Terezinha de Jesus gravou quatro outros títulos. Além de “Vento Nordeste”, tenho também o LP “Pra incendiar seu coração”, de 1981.


Meu interesse pelo disco teve duplo motivo: primeiro, porque veio a reboque do sucesso alcançado pela turma do Ceará, e isto era uma credencial; segundo, e muito importante, porque fez parte de um projeto pessoal que não chegou a se concretizar. Motivado pelas coletâneas organizadas por Marcus Pereira – que no início dos anos 70 lançou as coletâneas Música Popular do Nordeste, Música Popular do Centro-Oeste e Sudeste, Música Popular do Sul e Música Popular do Norte -, pretendi ter pelo menos uma manifestação artística e outra literária de cada estado brasileiro. Embora tenha feito um discreto progresso, o projeto acabou arquivado.

Mas, Vento Nordeste é também o título do livro de um autor piauiense.

Vento Nordeste, o livro
 
“Vento Nordeste” é da autoria de Permínio Ásfora (1913-2001), filho de um imigrante árabe natural da Palestina, sendo sua mãe de família piauiense com raízes no Ceará. Nasceu no que hoje é o município de Pimenteiras, na época região de Valença. Dos oito títulos que publicou, três receberam prêmios nacionais. No próprio Piauí Permínio Ásfora ficou pouco conhecido, pois desde criança sua família deslocou-se para outras paragens. Sua vida profissional de jornalista teve lugar no Rio de Janeiro, onde faleceu.


“Sapé”, seu primeiro livro, publicado em 1941, é ambientado na cidade de mesmo nome, na Paraíba, onde sua família morou, e foi interditado pelo DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão de censura do Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas. A Voz do Brasil classificou o livro como “subversivo e imoral”. Anos mais tarde, na década de 60, Sapé foi o maior reduto das Ligas Camponesas, criadas por Francisco Julião e que foram brutalmente reprimidas após a tomada do governo pelos militares em 1964. Permínio Ásfora foi um escritor admirado pelos grandes nomes da nossa literatura, a exemplo de Guimarães Rosa, Afonso Arinos de Mello Franco, Gilberto Freyre, Jorge Amado e Érico Verissimo.

Meu exemplar de Vento Nordeste é da 2ª edição, de 1982, publicada pela Editora Civilização Brasileira em convênio com o Instituto Nacional do Livro, órgão da Fundação Pró-Memória (MEC). A primeira edição do livro foi em 1952. Na “orelha” de apresentação, diz Ênio Silveira, da Civilização Brasileira”: “Merece relevo, ainda, o fato de que juntos tenhamos contribuído para retirar de injusto olvido muitos livros e autores de cujo convívio a Nação, ao cada vez mais descobrir-se a si própria, num continuado processo de amadurecimento e de conscientização, não pode nem deve prescindir. É o que sucede com este marcante e vigoroso romance de Perminio Asfora, VENTO NORDESTE, que em boa hora recolocamos diante dos leitores de hoje, quando já dispõem de adequada base teórica, bem como de poderosa rede de comunicação social, para se integrarem no processo de repensar nossa complexa e problemática realidade nacional”. Na contra-capa são apresentados depoimentos sobre a obra de Permínio Ásfora assinados por Jorge Amado, Álvaro Lins, Adonias Filho e Eduardo Portella.

“A ventania inesperada e fresca varreu sabugos e palhas de milho do terreiro batido e plano, agitando na ponta do mastro a bandeira desbotada de São João. Sob a jaqueira carregada, mulheres pitavam cachimbos e prendiam nos joelhos as saias largas de chita. Duas moças segurando as flores do cabelo olharam o pequeno balão que ganhava altura. Também os homens levantaram a cabeça, mas para ver as nuvens que se aglomeravam na cordilheira.” Este é o parágrafo de abertura de Vento Nordeste. A partir daí seguem-se histórias de miséria aguda, que, segundo o autor, “reduzia homens a trapos”. A trama é construída a partir da linha de trens da Great Western, companhia inglesa, dos cassacos – uma categoria de trabalhadores das vias férreas -, e dos plantadores de algodão dos confins do Rio Grande do Norte. Neste ambiente pesado e carregado de constantes conflitos sociais, rasgadas desilusões amorosas complicavam ainda mais o vagaroso desenrolar da vida cotidiana.

Vento Nordeste é uma obra de literatura regional que reproduz a linguagem popular e seus ditados, aspectos que mereceram análise em estudo do professor Walter Medeiros, do Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro. Herculano Moraes, em sua “Visão histórica da literatura piauiense”, classifica a produção de Permínio Ásfora como “romance ideológico”, e transcreve a análise de Oliveiros Litrento (revista Leitura, nº 14, agosto de 1958): “Humanissimamente nordestino, Perminio Ásfora consegue transmitir o apelo da obscura gente de uma região marcada pela adversidade, pelo desespero. De criaturas onde se nota a mais autêntica brasilidade, a representar, paradoxalmente, uma pobreza quase indigente e a dignidade do nosso povo”.

Uma coincidência de linguagem

Em Vento Nordeste encontra-se a seguinte passagem: “Ergueu-se sem tocar as costas no chão. Os meninos correram para ver a briga, menos Alonso, o mais velho, que tinha ido ao Gurinhém.”

É a mesma construção do recente “meme” (uma unidade de informação) que, a partir de um comercial imobiliário protagonizado pelo colunista social Gerardo Rabello, ganhou destaque nas redes sociais: “fiz questão de reunir toda a minha família, menos  Luíza, que está no Canadá, para apresentar este empreendimento”.


-oO)(Oo-

5 comentários:

Rosamaria disse...

Raimundo, embora não conheça os autores de quem tens falado nos últimos posts, reconheço o valor deles, e o teu, por nos mostra-los.
Cada post é uma aula.
Um abraço

Marina disse...

Não conhecia Permínio Ásfora e, pelo que escreves, é um escritor importante. São tantos no Brasil, que a gente acaba não conhecendo todos.
Quanto ao Vento Nordeste, os moradores de Tramandaí,onde me encontro, o conhecem muito bem, porque sopra quase permanentemente por aqui. Aliás, é das poucas coisas que me incomodam por aqui. Chega a assoviar e o chamamos de Nordestão.

Fátima Yasbeck Asfora disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fátima Yasbeck Asfora disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fátima Yasbeck Asfora disse...

Caríssimo Raimundo Tadeu,

Encontrei esse endereço de e-mail no seu blog e enviarei uma mensagem na tentativa
de fazer contato com você.
O motivo é o seu texto sobre Vento Nordeste,escrito em 2012 no seu Blog e que ontem
foi visto por Lúcio Asfora, filho do autor.

Ele ficou sensibilizado com a homenagem, divulgou no Facebook
porque naquela página poderia ter algum leitor que transmitisse que ele
gostaria muito de falar com você.

Peço-lhe que envie e-mail ou telefone para ele:

asfora@uninet.com.br

res. 21 - 22 59 97 81

Escrevo-lhe de Recife, onde todos os primos e admiradores de Permínio também ficaram
felizes com o seu texto.
Um abraço e tudo de bom p/ vc e todos os seus,
Fátima

tel. 81- 32 21 39 60