sábado, 30 de julho de 2011

ÀS VEZES NEM MAÇANILHA TIRA ESSE AMARGO DA VIDA

(Nota explicativa: no título desta matéria foram utilizados versos da poesia de Gujo Teixeira “Quando o silêncio dos mates compõe as horas da tarde”.)



“Pido a Dios que me asista
en uma ocasión tan ruda”
Martin Fierro


Certa ocasião um colega de ginásio, em Lavras do Sul, tentou se matar, aparentemente por conta de uma desilusão amorosa. Deu um tiro no coração. Mas errou,  não foi fatal. Em sua fase de recuperação costumava ficar em pé nos jardins da Estação Hidráulica, olhando o infinito enquanto a mente viajava ou simplesmente para ser visto. Passávamos e víamos aquela figura ao longe, objeto de profunda reverência. Adolescente dá muito valor para atitudes extremas. O gesto era visto como uma alta expressão de sentimento. Como os poetas de antigamente, que morriam jovens de mal de amor. Nosso maior sentimento de perda, no entanto, era porque se tratava de um excelente centro-médio, que por conta de seu gesto estava afastado dos gramados. Felizmente recuperou-se plenamente e alguns meses depois já jogava novamente com vigor redobrado.

Um pouco mais adiante no tempo e um dos grandes fazendeiros da cidade se matou. Lavras reproduzia, em sua dimensão de cidade pequena, um fenômeno que no Rio Grande do Sul assume proporções significativas. Como se verá mais para a frente.

Nos anos 60, as viúvas se vestiam de preto por pelo menos um ano, e os homens usavam uma tarja preta na manga da camisa ou do casaco. O pessoal do interior, do interior de Lavras bem entendido, expressava seu sentimento de um modo mais marcante: os homens deixavam crescer cabelo e barba; as roupas de cor preta, senão todas pelo menos a bombacha ou a camisa. O lenço no pescoço era outro departamento, podia ser preto, mas também podia ser indicativo de posição política, branco, no caso dos chimangos (federalistas) e vermelho para os maragatos (revolucionários). Além do visual a postura era muito importante. Um ar de tristeza inabalável. Achava aquilo o máximo. Eram darks, antes que o termo passasse a identificar uma tribo urbana.




Quisiera el alma serena

Ondina Fachel, doutora em Antropologia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e professora da UFRGS, quando realizava seu trabalho de campo para a tese de doutorado, ouvia com freqüência histórias sobre a morte, com referências freqüentes a alguém que havia se suicidado. Interessou-se e tratou do assunto em “Suicidio y honor en la cultura gaucha” (Ediciones de Las Mujeres, Masculinidades Poder y Crises, Santiago, Chile, v. 24, p. 113-124, 1997). Segundo o texto, a vida cotidiana nas estâncias significava conviver com a morte, pelo abate dos animais, etc. e tal: “los gaúchos viven con la muerte, y la piensan”. Quando o gaúcho perde os elementos que o distinguem, quando não tem mais força para sustentar um boi no laço, quando percebe que não tem mais alternativas fora do universo de cavalos e rebanhos, neste momento começa a pensar na morte. O suicídio típico do gaúcho campeiro: vai ficando mais e mais pensativo sobre a vida, quieto, sozinho, então, um dia faz tudo o que sempre fez a vida inteira, monta no cavalo e sai a campear levando junto uma corda, só que desta vez busca uma árvore e se enforca.
 
Pintura de Voldinei Burkert Lucas
 
A literatura gaúcha traz exemplos. No romance “Porteira Fechada”, de Cyro Martins, da chamada “trilogia do gaúcho a pé”, o personagem João Guedes entra em um tal processo de depressão pela deterioração de sua vida que acaba se matando. Outra imagem literária está na poesia “Relato do Enforcado”, de Aureliano de Figueiredo Pinto:

“Com o chapéu bem tapeado,
bem preso no barbicacho,
cerrou nos queixos o crioulo,
e resvalou-se com jeito,
para ser estrangulado”.

Além dos aspectos indicados por Ondina Fachel, da falta de condições favoráveis ao modo de vida tradicional do gaúcho, existem outros condicionantes. Na revista Veja, edição de 02/06/98, uma reportagem, “Em home da honra”, abordava o crescimento do número de suicídios na Campanha, a região dos pampas (no sul do Estado). De longa data a região vem enfrentando problemas de decadência comercial, com empobrecimento progressivo e sem perspectivas de crescimento econômico, o que dificulta aos pequenos agricultores cumprir com os compromissos assumidos junto aos bancos. O sentimento de vergonha por não poder superar os grandes problemas de dívidas e as dificuldades para sobreviver com alguma dignidade seriam os principais fatores para explicar a onda de suicídios.  


O assunto tem sido objeto de estudos acadêmicos, a exemplo de “Características epidemiológicas do suicídio no Rio Grande do Sul”, de Stela Nazareth Meneguel e outros, publicado na Revista de Saúde Pública, vol. 38, nº 6, São Paulo, dec. 2004. Alguns dos principais dados:  
  • o RGS é o Estado brasileiro que historicamente apresenta os maiores coeficientes de suicídio do País, entre os homens, principalmente;
  • as maiores incidências ocorrem nos extremos: entre os menos favorecidos socialmente e entre os privilegiados. Também entre a população idosa (maior de 70 anos), embora na década de 90 apareça uma tendência de elevação nas faixas mais jovens;
  • por ocupação, os maiores coeficientes estão entre pessoas ligadas à agropecuária e à pesca;
  • a maior proporção ocorre entre pessoas casadas; e
  • o método mais utilizado é o do enforcamento, seguido pelo uso de armas de fogo.
 Um estudo mais recente é a dissertação de mestrado “Promoção da vida e prevenção do suicídio no RS”, do médico psiquiatra Ricardo Nogueira. Seu estudo contemplou os municípios de Santa Cruz do sul, Candelária, Venâncio Aires e São Lourenço do Sul, sendo que Candelária e Venâncio Aires, próximos um do outro, têm índices de suicídios entre os maiores do mundo. Acredita que um dos fatores explicativos, em especial para as cidades fronteiriças, é a vizinhança com o Uruguai, um dos países que tem mais suicídios no mundo. Segundo sua pesquisa, o perfil do suicida gaúcho é de trabalhadores rurais, brancos, católicos, casados e com baixo nível de ensino. E a grande maioria, entre 60 e 70%, se mata por enforcamento e dentro de casa, principalmente.

Quem tiver interesse em mais informações pode ler “Suicídio: uma análise causal das taxas de mortalidade-suicídio no Rio Grande do Sul”, de Rosangela Werlang, dissertação de mestrado na área de sociologia, defendida na UFRGS em 2003. Uma apresentação resumida do trabalho encontra-se em:


O suicídio feminino normalmente é pouco enfocado. Com freqüência aparece associado ao casal que opta por um pacto de morte. No entanto, ele também ocorre de forma isolada e, embora se pudesse imaginar que o envenamento fosse o método mais utilizado por mulheres, as evidências indicam que também entre elas predomina o enforcamento. No próprio ambiente doméstico. Uma curiosidade é que, de acordo com um levantamento do Ministério da Saúde, entre as capitais brasileiras, a que apresenta a maior mortalidade feminina por suicídios é Teresina, no Piauí.

Bueno, apesar disso tudo, como dizia o cronista João Saldanha, vida que segue... Então, para aquecer os corações e levantar o astral, veja aí embaixo um vídeo da Juliana Spanevello cantando "Pela Querência", de Jairo Bauer e Joca Martins..

 
-oO)(Oo-

quarta-feira, 13 de julho de 2011

OS DESAFIOS DO ACESSO À INFORMAÇÃO

Nos dias 7 e 8 de julho, a Corregedoria-Geral da União, em parceria com a UNESCO, realizou em Brasília, no Unique Palace, o Seminário Internacional Acesso a Informação: Desafios de Implementação. 
 
Raimundo Tadeu Corrêa, Ouvidor-Geral do Ministério da Ciência e Tecnologia

O Brasil ainda não dispõe de uma lei que normatize o acesso à informação. Mais de 70 países, segundo a UNESCO, já possuem este tipo de legislação, bem como a maioria dos países sul-americanos. Em 2009, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei para regulamentar o acesso a informações, já previsto na Constituição Federal. O Projeto de Lei de Acesso a Informação (PLC 41/2010) encontra-se atualmente em avaliação no Senado Federal. O assunto tem provocado muitas discussões, pois o Projeto de Lei estabelece que qualquer cidadão poderá solicitar acesso às informações públicas, exceto aquelas classificadas como sigilosas. O Projeto define também novos critérios e prazos para a classificação de informações como sigilosas. Para discutir o assunto e conhecer a experiência internacional foi programado o Seminário Internacional Acesso a Informação: Desafios da Implementação.

Primeira sessão: O Direito à informação em perspectiva comparada

O objetivo da sessão era entender as demandas de um sistema de acesso à informação e as dificuldades daí surgidas, além de discutir sugestões sobre como o Brasil pode construir um sistema de acesso à informação pública.

Guilherme Godoi, Coordenador de Comunicação e Informação da Representação da UNESCO no Brasil foi o moderador da sessão. Três representantes estrangeiros fizeram exposições sobre as experiências de seus países: Miriam Nisbet, Diretora do Departamento dos Serviços de Informações do Governo dos EUA, que funciona como uma ouvidoria da Lei de Liberdade de Informação (FOIA – Freedom of Information Act); Maria Elena Zermeño, Comissária do Instituto Federal de Acesso a Informação e Proteção de Dados – IFAI, México; e Mukelani Dimba, vice-diretor do Centro de Democracia Aberta, África do Sul.

Sessão de abertura do Seminário Internacional Acesso a Informação

Segunda sessão: Desafios para uma efetiva implementação de sistemas de acesso à informação pública

A sessão destinava-se a conhecer os desafios que os diversos países enfrentaram na implementação de um sistema de acesso à informação pública, discutindo como estes desafios podem ser enfrentados.

O moderador da sessão foi Alfredo Garcia França, Ouvidor-Gral da União, Substituto, e os seguintes representantes estrangeiros fizeram suas apresentações: Andrew Puddephatt, consultor da UNESCO e diretor da Global Partners and Associates; Hugh Hagen, auditor sênior do Arquivo Nacional da Escócia; David Banisar, assessor jurídico sênior do Artigo 19, membro do Instituto Sociedade Aberta e pesquisador visitante na Faculdade de direito da Universidade de Leeds; e Felipe Del Solar Aguero, secretário executivo da comissão de Probidade e Transparência do Chile.

O Ouvidor do MCT e Leoclides Arruda, Ouvidor do Ministério do Trabalho

 Terceira sessão: Transparência ativa

O objetivo era explorar a experiências dos diversos países no fomento da transparência ativa, identificando as prioridades na abordagem do assunto.

Vânia Vieira, Diretora de Prevenção da Corrupção da CGU, foi moderadora da sessão. Apresentaram trabalhos: Victoria Anderica, diretora do Projeto Europeu de acesso à informação; Izabela Corrêa, gerente de Promoção da Ética, Transparência e Integridade da CGU; Moisés Sánchez, diretor executivo da Fundación  Pro Acesso, do Chile; e Paula Martins, diretor para a América do Sul da Article 19.

Um aspecto do plenário

Quarta sessão: Governo aberto: sistemas interativos de informação

A sessão destinava-se a aumentar a sensibilização sobre as possibilidades de um sistema de dados abertos, bem como criar novas possibilidades de interação com a sociedade civil, reduzindo a demanda reativa a um sistema de acesso à informação.

A moderação dos trabalhos foi de Andrew Puddephatt e realizaram apresentações: Tom Watson, deputado pelo Partido Trabalhista Britânico; John Wonderlich, diretor de Políticas da Sunligh Foundation, dos Estados Unidos; Miriam Chaves, diretora do Ministério do Planejmaneot, Orçamento e Gestão; e Vagner Diniz, gerente do Escritório Brasil do W3C (World Wide Web Consortium).

 O Ouvidor do MCT e Guilherme Godoi, da UNESCO, moderador da primeira sessão

 Miriam McIntire Nisbet, Diretora do Departamento dos Serviços de Informações do Governo dos Estados Unidos, e o Ouvidor do MCT


 O Ouvidor do MCT; Maria Elena Zermeño, Comissária do Instituto Federal de Acesso a Informação e Proteção de Dados - IFAI, México; e Nancir Sathler, Ouvidora da Faetec-RJ

Resumos das apresentações podem encontrados no site da Controladoria-Geral da União: http://www.cgu.gov.br/. Clique em “Imprensa”, selecione o ano 2011, e consulte as duas notas: 07/07/2011 – “Seminário apresenta implementação do acesso à informação em outros países”; e 08/07/2011 – “Dados abertos facilitam acesso do cidadão às informações públicas”. 

Os documentos que serviram de preparação para o Seminário encontram-se em: http://www.cgu.gov.br/acessoainformacao/index.asp (ver “Material de Interesse), e as apresentações dos palestrantes podem ser acessadas por meio do seguinte link: http://www.cgu.gov.br/acessoainformacao/apresentacoes.asp.


Créditos: as fotografias que ilustram a postagem foram gentilmente cedidas por Nancir Sathler.

-oO)(Oo-

REUNIÃO DE OUVIDORIAS PÚBLICAS

Em julho, dia 6, realizou-se em Brasília, no Unique Palace, a Primeira Reunião Geral de Ouvidorias Públicas, promovida pela Ouvidoria-Geral da União. A cerimônia de abertura do evento foi conduzida por Jorge Hage, Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União, que apresentou o novo Ouvidor-Geral da União, José Eduardo Elias Romão.

Após os esclarecimentos sobre os objetivos da reunião, pelo Ouvidor-Geral da União, José Eduardo Romão, foram apresentadas outras duas exposições: a de Vânia Lúcia Vieira, Diretora de Prevenção da Corrupção da CGU, e a de Pedro Pontual, Assessor Especial da Secretaria Nacional de Articulação Social. Os princípios estruturantes da atuação da Ouvidoria-Geral da União foram apresentados por Márcia Bonfim, Érica Ribeiro Queiroz, Alfredo Garcia França e Ivan Tuvoshi.

Raimundo Tadeu Corrêa, Ouvidor-Geral do Ministério da Ciência e Tecnologia

O eixo estratégico do Plano de Trabalho 2011/2012 da Ouvidoria-Geral da União consiste da institucionalização de sistema federal de ouvidorias públicas, visando garantir um atendimento de excelência às manifestações dos cidadãos. O escopo geral consiste de o aprimoramento constante de políticas públicas e de serviços públicos, com a finalidade de legitimar a participação social como método de realização do Estado Democrático de Direito.

 
Ricardo Garcia Franca, Ouvidor-Geral da União Substituto, o Ouvidor-Geral do MCT, Nancir Sathler, Ouvidora da Faetec-RJ, e José Eduardo Romão, Ouvidor-Geral da União

A constituição do sistema federal de ouvidorias atenderá aos seguintes objetivos gerais: integração sistêmica de fluxos de trabalho e de bancos de dados; padronização de informações com o estabelecimento de uma política de gestão da informação e do conhecimento em ouvidoria; instituição de uma “identidade” administrativa para ouvidorias da Administração Direta; e estabelecimento de marco normativo para ouvidorias. A expectativa é de que o sistema federal de ouvidorias públicas seja instituído por Decreto.

Além disto, estão ainda previstos os seguintes projetos: realização de um diagnóstico organizacional das ouvidorias do Poder Executivo Federal, do qual deve resultar um banco de dados sobre ouvidorias públicas; reorganização do processo de análise das manifestações, visando elaborar um manual de rotinas e procedimentos da Ouvidoria-Geral da União; elaboração de uma política de formação e disseminação, que, entre outras atividades, pretende elaborar um curso a distância para sistematização das experiências em ouvidorias; e, por último, mas não em último, inserção das ouvidorias na discussão e implementação da Lei de Acesso a Informação, objeto de Seminário Internacional sobre o assunto.

Preparação para a foto oficial da Reunião Geral de Ouvidorias Públicas

Créditos: as fotografias que ilustram a postagem foram gentilmente cedidas por Nancir Sathler.


-oO)(Oo-

sábado, 9 de julho de 2011

O LADO NEGRO DA FORÇA


O lado negro da Força, como sabe qualquer aficcionado pela série “Star Wars” de George Lucas, é o reino das emoções negativas, alimentado por sentimentos sombrios como raiva, inveja e principalmente ódio. Foi a danação do Lorde Darth Vader. Nascido Anakyn Skywalker, juntou-se ao lado negro da Força para tentar salvar sua esposa Padmé Amidala, que em seus pesadelos morreria durante o parto dos filhos.

No Rio Grande do Sul, um ícone do lado negro da Força foi Artur Arão, tropeiro, contrabandista e que cometeu toda espécie de atrocidade. Além de ter participado da revolução de 1930, combateu em diversas insurreições no Brasil, andou por províncias argentinas e integrou as forças paraguaias na Guerra do Chaco, esteve no Exército brasileiro e depois virou fora da lei. Sua trajetória lendária começou com uma série de mortandades para vingar o assassinato de seu pai. Considerado bandido por uns e herói por outros, viveu de tal modo que é o melhor exemplo do espanto de Martin Fierro, quando descobre que “ser gaucho es un delito”.


A saga de Artur Arão foi preservada por Ludovico Meneghello., que escreveu a respeito quatro títulos: Eu Sou Artur Arão, Artur Arão o Vingador, Artur Arão na Guerra do Chaco e A Volta de Artur Arão. O primeiro da série, Eu Sou Artur Arão, teve uma primeira edição pela Editora Garatuja, em 1976. A segunda edição, junto com os demais títulos, foi pela Editora Sulina. Atualmente são encontrados somente em sebos e, pela sua raridade, a custo bastante alto. O quinto livro da série, Artur Arão no Paraíso dos Bandidos, encontra-se inédito. Ludovico Meneguello faleceu antes de conseguir publicá-lo e seu filho tem encontrado alguma dificuldade para viabilizar  a publicação. Trata da morte de Arão Arão. Por assassinato.


    
Ludovico Meneguello
Ludovico Meneguello nasceu em Lavras do Sul. Morava na rua Antonio Dias da Costa, perto da Igreja de Santo Antonio, mas longe de Deus. Era de pouquíssimo convívio social. Meu pai foi um dos seus raros amigos na cidade. Funcionário da Estação Hidráulica, tinha dificuldades para manter sua família. Na busca de um ganho extra, fabricava uns brinquedinhos de madeira que seu filho vendia. Era um sujeito visivelmente amargurado. Depois que deixou Lavras, foi para Nova Prata, onde veio a falecer, já na condição de gerente da Companhia Riograndense de Saneamento.

Em 1936, com 19 anos de idade, cabo no 4º Regimento de Cavalaria Independente, em Santo Ângelo, Ludovico Meneghello foi preso por insubordinação. Teve Artur Arão como companheiro de cela. Ao saber que o recém chegado produzia umas poesias, Artur Arão dispôs-se a contar sua vida, “para então saberes, tu e os que te lerem, que foi revoltando-me contra o banditismo que me tornei um fora-da-lei”.

Ludovico pegou a oportunidade na hora, mandou um soldado comprar duzentas folhas de papel e no mesmo dia começou a anotar os depoimentos. Conta: “Ouvi acusações terríveis e a confissão de crimes tenebrosos. Não raro íamos até altas horas da noite, ele falando, eu escutando e escrevendo. Por vezes tornava-se violento: esbravejava, erguia-se de um salto e dava um pontapé na cadeira, esmurrava as paredes, sacudia as grades, espezinhava o chão e blasfemava, dizendo coisas horríveis. Eu, papel à frente e lápis em punho, aguardava serenamente que passasse a crise”. Graças à dedicação e ao empenho de Ludovico salvou-se o registro precioso de uma personalidade singular.


Meneghello tornou-se um profundo admirador de Artur Arão: “contestador da ordem social de seu tempo, foi um relâmpago na história, guiado pela vindita. Intrépido, em defesa da família e dos direitos humanos, foi um fanal numa época de terror”. Fanal, aí no depoimento, significa farol, um guia, portanto, em sentido figurado. Em carta ao meu pai, escrita de Nova Prata em julho de 1978, Meneghello fala de sua obra: “O 3º livro – Artur Arão na Guerra do Chaco – eu o reputo como o mais fascinante de toda a série. É, sem nenhum favor, uma Obra grandiosa; para confirmação das narrativas, custou-me pesquisas profundas, com viagens à Argentina e Paraguai”.

A infância

Artur Arão nasceu no povoado de Giruá, município de Santo Ângelo, em 1904, e chamava-se Artur Alberto de Mello. Seu pai era Pedro Alberto de Mello, conhecido como Pedro Arão. Sua mãe, Francelina Dornelles, foi a segunda esposa de seu pai, mas união consensual não registrada em cartório. Pedro Arão nunca tomou providências legais para encerrar seu primeiro casamento após separação por desentendimentos.

Dos oito aos onze anos de idade, Pedro Arão morou com a avó paterna em uma chácara do seu avô e perto da fazenda de seu pai. Quando voltou para a casa do pai foi para a escola: “Eu gostava de estudar, principalmente ler e escrever. Foi um tempo bom, em que uma grande serenidade de apoderou de mim”. Um dia trocaram sua velha professora por uma jovem de dezoito anos. Artur Arão já estava com quatorze e começava a sentir coisas estranhas, uns calorões pelas pernas, principalmente quando via as formas arredondadas de uma guria. Com a professorinha o calorão aumentou, passava do umbigo, tomava conta dos peitos e subia pra cabeça. Um dia, durante a aula, ela parou perto de sua carteira para sabatinar uma aluna quando seu lápis caiu no chão. Ao se curvar para apanhá-lo o vestido subiu. “Um chuveiro desceu-me pelo céu da boca, vi tudo vermelho... e avancei”. Pegou a professorinha à unha. No mesmo dia seu pai recebeu um ofício do colégio, comunicando a expulsão de Pedro Arão “por princípios indecorosos”. Foi consultar o dicionário de sua casa para saber que se tratava de “falta de decoro, de compostura”. O episódio mostra que sua família não era composta apenas por brutos em estado puro. Dispunham de dicionário, o que não era comum, e Artur Arão sabia que o livro era capaz de resolver suas dúvidas de entendimento.


O episódio fez o pai perceber que havia chegado a hora de uma conversa de homem para homem e lhe aconselhou: “Mas não é como fizeste que se consegue mulher. Existem três maneiras de consegui-las: conquistando-as, alugando-as ou obrigando-as. A última não é aconselhável, constitui crime previsto em lei e a própria consciência humana não aprova”. Depois de ter levado o garoto para sua iniciação em um bordel, enfatizou: “Esta é a maneira mais rápida e prática de se conseguir uma mulher, mas a que nos proporciona maior prazer é aquela em que a conquistamos com palavras ou com atos”. Disse tudo.

Como era comum na época, Artur Arão estudou apenas o suficiente para se virar na vida: ler, escrever e fazer contas. Manteve o gosto pela leitura. Preferia os “Almanaques”, pela riqueza de informações. E chegou a decorar várias poesias de Lobo da Costa, poeta muito popular na época.

 Artur Arão é o da esquerda 
 
Homem feito

Apreciava cachaça com açúcar. Misturava com o que estivesse à mão: uma colherzinha, o lápis do bolicheiro ou então o cano do revólver, quando queria deixar bem explícitas as suas intenções. Caso alguém se interesse em experimentar esta fórmula do aperitivo é recomendável não fazê-lo ao ar livre. Deixado no chão, em menos de um minuto o copinho fica coalhado de formiguinhas, atraídas pela conjunção de dois produtos derivados da cana-de-açúcar.


 
 Artur Arão em seu cavalo

Quando não estava na propriedade da família, dedicado aos afazeres agrícolas e pecuários, sobrevivia com os trabalhos típicos de qualquer gaúcho: conduzia tropas, trabalhava na marcação de gado, etc. Se a situação estivesse muito difícil, atuava como contrabandista. Nestas ocasiões, “para comer não tinha cerimônia: quando via um animal no campo, cortava o arame, abatia-o a tiros, assava um churrasco ali mesmo, colocava outro debaixo dos pelegos e a marcha continuava”. Praticamente morava em cima do cavalo e dentro do seu poncho. Dispondo de dinheiro, ao invés de café da manhã nos bolichos pedia bifes acebolados.

Na batalha

Na sua primeira experiência militar, em 1926 apresentou-se como revolucionário civil, junto com seus companheiros, ao 5º Regimento de Artilharia do Exército, em Santa Maria. Artur Arão foi logo incorporado como 1º Tenente. Ele descreve seu uniforme: “ficamos com uma indumentária bizarra: chapéu de abas largas, lenço vermelho no pescoço, túnica de oficial e de sargento do Exército, bombachas e botas. Afinal, esse era o traje típico dos revolucionários do sul”.

Como o Exército não fornecesse praticamente nada, os recursos para a guerra tinham que ser angariados aonde fosse possível encontrá-los, requisitando-se da população civil o necessário: cavalos, arreamento, gado para abastecimento da tropa, armas, enfim tudo. Deu estas instruções para seu peão, transformado em ordenança. Este cumpriu a missão com muito zêlo e entusiasmo. Voltou com um sorriso maroto. - “Eu não imaginava, antes, como é bom uma revolução!” Artur Arão pediu esclarecimentos.  - “Uma vez roubei um cavalo lá em Santiago do Boqueirão e a polícia inteira me caiu no lombo. Agora roubei muitos e fui tratado com respeito pelos roubados. Roubei cinqüenta arreios e tirei pra meu uso um bordado a ouro e prata, e os soldados ainda me fazem continência e dizem: ‘Às ordens, cabo Benedito!’ Chulépe minha madrinha, a revolução liberta mesmo um homem!”

Este depoimento tem semelhança com trecho já citado aqui no blog: a postagem “Obras da Literatura Gauchesca”, de 15/04/2008. Don Menchaca, comissário de polícia em Puntas del Arrayán Chico, no Uruguai, considerava que não havia nada mais lindo do que “ir a disfrutar de la guerra, que es la mallor de las fiestas tradisionales para los bástagos de nuestro suelo natibo, ya que en ella se pueden carnear bacas gordas y montar cualisquier caballo ajeno sin que le bengan a uno com reclamasiones los dãnificados, como acontece por desgrasia en épocas de paz”. A citação é retirada de “Los partes de Don Menchaca”, de Simplicio Bobadilla, Libreria Blundi, Montevidéu, 1965, 3ª ed. Ou seja, gaúcho, no Rio Grande do Sul, no Uruguai, na Argentina ou no Paraguai, é tudo igual.


 Artur Arão e a Moeda de Prata: 
http://dudakeiber.blogspot.com/2010/03/arao-e-moeda-de-prata.html

Voltando à saga de Artur Arão: nos combates, a degola fazia parte da ordem do dia.  Tornou-se praxe, de ambos os lados em contenda, exigir que o prisioneiro, antes de ser degolado, se despisse. Para que não sujasse de sangue a roupa. A roupa era sempre espólio do degolador. Havia uma certa racionalidade no procedimento. Com a necessidade de carregar armamentos, o cavalo não podia ser sobrecarregado com pesos extras. Obviamente, a roupa de reserva para trocar era a mínima possível, quando existia.

Quem tiver curiosidade sobre as modalidades de degola que consulte o livro “O Fascínio”, de Tabajara Ruas, Editora Record, 1997. Nele encontra-se uma descrição do que ocorre com o corpo em função da elevada perda sanguínea. Artur Arão, no entanto, preferia o enforcamento em suas vinganças.

Artur Arão enveredou definitivamente pelo lado negro da Força para vingar a morte de seu pai, que, escondido na Argentina para fugir de perseguições, foi denunciado, morto e esquartejado. Cego de ódio, partiu para executar sua vingança: “o cinturão amarelava com duas fileiras de balas, um revólver calibre 38 e um 44, ambos caídos um tanto baixos. Atravessada na frente a longa adaga com cabo de prata e, pendurada do lado esquerdo, uma faca curta de caçador. O cavalo aparelhado de tudo, da guampa à cambona e do laço às boleadeiras. Pendurados, um em cada lado da cabeça do serigote, dois rolos de corda. Ao lado do cavalo, no lado direito, num suporte de couro sob os pelegos, com a coronha para trás, um fuzil”. Os rolos de corda destinavam-se aos enforcamentos. Resumindo: não sobrou ninguém dos assassinos de seu pai.

O dia em que Artur Arão não morreu

O episódio mais conhecido da saga de Artur Arão foi quando sobreviveu a um fuzilamento e uma execução. Perseguido, foi preso quando atingido por um tiro que lhe quebrou o braço. Foi levado para execução, quando ao enforcamento preferiu o fuzilamento. O pelotão, com os soldados já meio bêbados, acertou-lhe seis tiros no corpo. Que não foram suficientes para matá-lo. Ia receber o tiro de misericórdia, no ouvido. Com a pouca luz da lua e com o executante também já meio bêbado, Artur Arão teve o tino de mover discretamente a cabeça e tirar o cano do fuzil de seu ouvido, fazendo com que ficasse na altura do lobo da orelha, para desviar a trajetória da bala de seu cérebro. A estratégia deu certo, o tiro não acertou nem o cérebro nem seus tímpanos, pegou no “carrilho”, isto é, na queixada, na mandíbula. Foi dado como morto. Sobreviveu, baleado, com um braço inerte e todo empapado de sangue. Em condições precaríssimas começou a se arrastar, o que não lhe levaria a parte alguma. Levantou-se com muito esforço, dava uns passos, caí, levantava, caía outra vez. Calcula que levou umas quatro horas para percorrer aproximadamente um quilômetro. Encontrou uma casa onde realizavam um baile. Conseguiu chegar lá e seu aspecto terrível fez todo mundo debandar. Conseguiu entrar em um quarto e ali desabou. Quando acordou, estava em um hospital, onde tinha permanecido em coma por 18 dias. Passou três meses em tratamento e mais um de recuperação.

 Durante sua recuperação

Depois de ter recuperado a condição física, aparentemente sem pesadas seqüelas, foi atrás de seus algozes e exterminou todos. Daí em diante participou de muitas peripécias, uma das principais sendo o seu envolvimento na Guerra do Chaco, no Paraguai, quando recebeu o apelido de “Comandante de Hierro”.

O episódio do seu fuzilamento está representado abaixo, em quadrinhos produzidos pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre:






O episódio foi também musicado. A música “O dia em que Artur Arão não morreu”, de Gujo Teixeira e Sabani Felipe De Souza, ganhou o 6º Festival Cante Uma Canção em Vacaria, realizado em 2008, na interpretação de Cristiano Quevedo. Taí:


GujoTeixeira compôs também “A Vingança de Artur Arão”, junto com Marcelo Paz Carvalho e Antonio Carlos Soares, apresentada em 2010 no 25º Carijó da Canção Gaúcha, realizado em Palmeira das Missões. A interpretação é de Antonio Carlos Soares e Clênio Bibiano da Rosa.



Isto posto, leiam os livros e não “os livro”, concordância, ou falta de, aceita em “Por uma vida melhor”, obra aprovada pelo MEC dentro do Programa Nacional do Livro Didático e distribuída para diversas escolas. E vejam o filme. Ainda não filmaram, mas com certeza algum dia vão filmar.



x0x0x0x0x0x0x0x0x0x0x0x0x0x0x0x


Post Scriptum Confessional

Uma ocasião fiz um desses cursos que pretendem auxiliar a planejar, a organizar, administrar etc. e tal. Um dos professores contou que quando esteve na Alemanha, realizando treinamento, a primeira pergunta que lhe fizeram foi sobre seu percentual de acerto. Isto é, em que proporção ele tomava decisões certas. Embora a pergunta pareça ter sua importância, é coisa de difícil dimensionamento empírico: acerto só em decisões, digamos, comerciais ou empresariais? Todas as decisões da vida? Além disto, quem faz este tipo de contabilidade: acertei duas vezes, errei três? E o próprio cidadão sabe bem avaliar quando acertou e quando errou? Enfim, isto remete ao fato de que existem eventos singulares na vida de uma pessoa que de certa forma passam a ser o grande referencial de sua vida. Assim é, por exemplo, com relação à escolha da profissão ou com relação ao cientista que descobre um tema importante que vai investigar pelo resto de sua carreira.

O encontro com Artur Arão foi o grande evento significativo da vida de Ludovico Meneghello. Ele soube perceber na hora que aquilo era uma coisa importante quando Artur Arão se dispôs a lhe contar sua vida. A partir daí é bastante provável que a existência cotidiana de Meneghello nunca mais tenha sido a mesma. Constituiu família e coisa e lousa, mas narrar a vida de Artur Arão passou a ser o seu grande projeto visionário.

Da mesma forma, acredito que o meu grande evento significativo foi o casamento. O acerto foi tão grande que consegue superar todos os erros sistemáticos que venho cometendo ao longo da vida, com muita tenacidade, diga-se. Pelo menos são os mesmos erros. Suponho que isto seja uma atenuante, pior seria, creio, cometer erros novos. Como diz a música de Chavela Vargas, “En el ultimo trago”: “Nada me han enseñado los años /  siempre caigo en los mismos errores / otra vez a brindar con extraños / y a llorar por los mismos dolores”. Canções de Chavela Vargas aparecem em filmes de Almodóvar. Quem preferir uma versão mais recente da mesma música escute a interpretação de Concha Buika, de 2008, cujo disco “En el ultimo trago”, com a participação de Chucho Valdés, é uma homenagem explícita a Chavela Vargas. Para finalizar, cumpre registrar que fui muito beneficiado pela inexistência de Procon quando casei. Isto inviabilizou a possibilidade de minha esposa alegar “propaganda enganosa”.



-oO)(Oo-

sábado, 2 de julho de 2011

ÁLBUM DE FAMÍLIA: COMEMORAÇÃO DOS 5 ANOS DE BÁRBARA CHRISTINA

Sim, tenho a certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. (...) Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. (...) E quando você vai embalar o neto e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz “Vó”, seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.
Raquel de Queiróz, “A arte de ser avó”, in “O brasileiro perplexo”, 1964.

Dizem que as declarações de avô são como as cartas de amor segundo Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa: são todas ridículas. Por isso, jurei que jamais pagaria mico. (...) Sou um avô tão modesto que, mesmo agora, quando as pessoas garantem que Alice se parece comigo, é linda (...) mesmo assim não saio por aí exaltando essas proezas e nem venho a público alardeá-las. (...) Como detesto excesso de efusões e arroubos de vaidade, prefiro disfarçar essa satisfação. Que ela saiba de suas extraordinárias virtudes pelos outros, não por mim. Sou assim, um recatado pai com açúcar, o que posso fazer? Ah, sim, esqueci de dizer que Alice tem mãe, Ana, e pai, Mauro. Mas isso é apenas um detalhe.
Zuenir Ventura, “Ser avô”, em “O Globo” de 24/10/2009.

Desnecessário dizer mais do que já foi dito por dois luminares da nossa literatura. Seguem-se fotos da comemoração dos 5 aninhos de Bárbara Christina, minha netinha. O evento foi realizado em junho, na Happy Birthday Festas, localizada no setor Park Way, de Brasília, casa especialmente voltada para o público infantil.


























 
A princesa:



Os familiares:

Fátima Cartucho, Ivete, Leonel, Maria de Fátima e Márcia


 Em pé: os avós maternos, Antonio e Raimunda, ladeando os pais, Lauro e Márcia.
Sentados: Fátima, tia-avó, Bárbara Christina e os avós paternos, Márcia e Raimundo.

Parabéns pra você!




A lembrancinha da festa:

 
-oO)(Oo-