Eva, no Paraíso, queimou o filme de muitas mulheres. Nos primórdios da história da humanidade a mulher era vista com uma certa desconfiança e, pelo menos no caso da lei mosaica, considerada como possessão do homem. A própria Igreja Católica custou a creditar-lhe a existência de alma. Na Idade Média, por precaução, era adotado o cinto de castidade. Afinal, o espírito das mulheres seria, digamos, volúvel. Mas, como o homem poderia proteger-se?
Elino Julião tinha sua idéia a respeito. Elino Julião nasceu no ano de 1936, em Timbaúba dos Batistas, cidadezinha próxima a Caicó, região do Seridó, Rio Grande do Norte. Foi um grande compositor e intérprete de forró, xote, baião. Parceiro, entre outros, de Jackson do Pandeiro, teve músicas gravadas por Luiz Gonzaga e a escritora Rachel de Queiroz como admiradora. Em uma de suas músicas, “Amor Enchucalhado”, ele expõe sua visão particular das relações de gênero:
Quando o gado tá enchucalhado
Tá tranquilo o pastorador
Eu só teria mais sossego neste mundo
Se eu pudesse enchucalhar o meu amor
“Tranquilo” é dito como está escrito, sem trema, que, aliás, vai ser banido da língua portuguesa. Tranquilo sem trema é coisa do falar nordestino. Mas, o coitado se lamentava: “Ah! Se eu pudesse enchucalhar o meu amor / Não seria um sofredor / Procurando nas escuras”. Procurando nas escuras? A moça devia ser bem serelepe...
O chocalho a que se refere Elino Julião no Rio Grande do Sul é conhecido como “cincerro”, termo derivado do espanhol, como tantos outros. É uma espécie de sininho, colocado no pescoço dos animais para facilitar sua localização na mata. Este aparato fazia parte do cotidiano de Sebastião Barbosa, a candura em pessoa. De origem rural, foi estudar em Bagé, onde, nos anos 60, tornou-se um dedicado secretário da União Bageense de Estudantes Secundaristas. Para ele tudo era novidade na cidade grande. Ficou intrigado quando conheceu uma menina vesga: “ela olhava pra ti e, ao mesmo tempo, olhava também pra mim”. Aliás, com exceção da Argentina, onde estão os vesgos, ditos estrábicos? Teria a tecnologia oftalmológica acabado com a raça? Pois surpreendeu-se Sebastião quando ouviu, pela primeira vez, a buzina de uma lambreta, que soava como uma sinetinha: “parece um cincerro”.
Mas, o pobre do Elino Julião morreu em 2006 sem ter conseguido enchucalhar seu amor. Agora isto é possível, e com sofisticada tecnologia. A Lindelucy, empresa de Minas Gerais, lançou na última Fenit – Feira Internacional da Indústria Têxtil, um espartilho com GPS. Confira em: www.lingeriecomgps.com.br. O slogan de lançamento ainda provoca: “ache-me se for capaz”. Estas mulheres...
Antes, o que poderia ser entendido como posse, dominação, exploração de gênero, enfim tudo que constitua alvo da fúria das feministas, tornou-se alta tecnologia hi-tech a serviço da segurança pessoal. Para evitar que as feministas comecem novamente a afiar seus facões de cozinha, convém avisar que o dispositivo pode ser desligado. Portanto, mudam os tempos e os instrumentos com idêntica finalidade recebem significados diferentes.
Bueno, isto pode parecer comentário tosco, elementar. Caso o leitor prefira um sofisticado tratamento intelectual da questão, leia “O Quixote de Pierre Menard”, do escritor argentino Jorge Luis Borges.
2 comentários:
EU PENSO QUE...
Em primeiro lugar, Eva foi uma invenção dos homens para atribuir às mulheres a perdição da humanidade e o Pecado Original ( e tem um monte de gente que acredita nesta bobagem até hoje)
E em segundo, esta paranóia de segurança é para poder controlar a manada mesmo "êh, oh, vida de gado... Povo marcado, eh, povo feliz..." Então o termo enchucalhado é perfeito.
Oi, Raimundo!
Depois de mais de semana sem conexão estou voltando a visitar os amigos.
Falei em ti lá no blog: http://rosacc60.blogspot.com/2008/06/amigos-para-que.html#links
Gostei da idéia do GPS, mas os modelitos são muito incrementados.
Vai servir pra segurança pessoal e também para os maridos descobrirem onde andam suas esposas, hehehe.
Um abraço.
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