Eva, no Paraíso, queimou o filme de muitas mulheres. Nos primórdios da história da humanidade a mulher era vista com uma certa desconfiança e, pelo menos no caso da lei mosaica, considerada como possessão do homem. A própria Igreja Católica custou a creditar-lhe a existência de alma. Na Idade Média, por precaução, era adotado o cinto de castidade. Afinal, o espírito das mulheres seria, digamos, volúvel. Mas, como o homem poderia proteger-se?
Elino Julião tinha sua idéia a respeito. Elino Julião nasceu no ano de 1936, em Timbaúba dos Batistas, cidadezinha próxima a Caicó, região do Seridó, Rio Grande do Norte. Foi um grande compositor e intérprete de forró, xote, baião. Parceiro, entre outros, de Jackson do Pandeiro, teve músicas gravadas por Luiz Gonzaga e a escritora Rachel de Queiroz como admiradora. Em uma de suas músicas, “Amor Enchucalhado”, ele expõe sua visão particular das relações de gênero:
Quando o gado tá enchucalhado
Tá tranquilo o pastorador
Eu só teria mais sossego neste mundo
Se eu pudesse enchucalhar o meu amor
“Tranquilo” é dito como está escrito, sem trema, que, aliás, vai ser banido da língua portuguesa. Tranquilo sem trema é coisa do falar nordestino. Mas, o coitado se lamentava: “Ah! Se eu pudesse enchucalhar o meu amor / Não seria um sofredor / Procurando nas escuras”. Procurando nas escuras? A moça devia ser bem serelepe...
O chocalho a que se refere Elino Julião no Rio Grande do Sul é conhecido como “cincerro”, termo derivado do espanhol, como tantos outros. É uma espécie de sininho, colocado no pescoço dos animais para facilitar sua localização na mata. Este aparato fazia parte do cotidiano de Sebastião Barbosa, a candura em pessoa. De origem rural, foi estudar em Bagé, onde, nos anos 60, tornou-se um dedicado secretário da União Bageense de Estudantes Secundaristas. Para ele tudo era novidade na cidade grande. Ficou intrigado quando conheceu uma menina vesga: “ela olhava pra ti e, ao mesmo tempo, olhava também pra mim”. Aliás, com exceção da Argentina, onde estão os vesgos, ditos estrábicos? Teria a tecnologia oftalmológica acabado com a raça? Pois surpreendeu-se Sebastião quando ouviu, pela primeira vez, a buzina de uma lambreta, que soava como uma sinetinha: “parece um cincerro”.
Mas, o pobre do Elino Julião morreu em 2006 sem ter conseguido enchucalhar seu amor. Agora isto é possível, e com sofisticada tecnologia. A Lindelucy, empresa de Minas Gerais, lançou na última Fenit – Feira Internacional da Indústria Têxtil, um espartilho com GPS. Confira em: www.lingeriecomgps.com.br. O slogan de lançamento ainda provoca: “ache-me se for capaz”. Estas mulheres...
Antes, o que poderia ser entendido como posse, dominação, exploração de gênero, enfim tudo que constitua alvo da fúria das feministas, tornou-se alta tecnologia hi-tech a serviço da segurança pessoal. Para evitar que as feministas comecem novamente a afiar seus facões de cozinha, convém avisar que o dispositivo pode ser desligado. Portanto, mudam os tempos e os instrumentos com idêntica finalidade recebem significados diferentes.
Bueno, isto pode parecer comentário tosco, elementar. Caso o leitor prefira um sofisticado tratamento intelectual da questão, leia “O Quixote de Pierre Menard”, do escritor argentino Jorge Luis Borges.
sexta-feira, 27 de junho de 2008
segunda-feira, 23 de junho de 2008
ATLÂNTICO
Emanuel Medeiros Vieira
Imperfeitos,
singraram o Atlântico,
mãos ansiosas, mapeando novas terras,
bússolas afetivas,
acalentando sonhos distantes,
peles queimadas,
gosto de sal na boca
(tanto mar, tanto mar),
febre, malária, fibra e pranto.
Na cadeira de balanço -
depositário da memória da tribo,
contemplo a caravela de madeira, pai, mãe, tio violinista,
um agregado louco,
penso no Atlântico,
velas ao vento,
astrolábios,
à beira do poço do passado,
mais fundo do que o suportável pela memória – não acaba
nunca -, proclamo,
“terra à vista, terra à vista”.
(Alvíssaras)
Imperfeitos,
singraram o Atlântico,
mãos ansiosas, mapeando novas terras,
bússolas afetivas,
acalentando sonhos distantes,
peles queimadas,
gosto de sal na boca
(tanto mar, tanto mar),
febre, malária, fibra e pranto.
Na cadeira de balanço -
depositário da memória da tribo,
contemplo a caravela de madeira, pai, mãe, tio violinista,
um agregado louco,
penso no Atlântico,
velas ao vento,
astrolábios,
à beira do poço do passado,
mais fundo do que o suportável pela memória – não acaba
nunca -, proclamo,
“terra à vista, terra à vista”.
(Alvíssaras)
quarta-feira, 18 de junho de 2008
De padre, bispo, contador de histórias a ouvidor
Um de meus cunhados vendeu o carrinho e pagou um curso sobre motivação, auto-ajuda, liderança. Na cerimônia de encerramento iniciou seu depoimento dizendo que havia se matriculado no curso porque queria ser guru.
Nunca pretendi ser guru no sentido estrito, mas alguma coisa assemelhada. Primeiro foi um efêmero interesse em ser padre. Não parecia ser muito difícil pronunciar uma prédica: “Caríssimos irmãos. Naquele tempo, Jesus desceu a Cafarnaum, cidade da Galiléia, e ali ensinava aos sábados”. A temática era permanente, só mudando a exemplificação de acordo com as circunstâncias de momento. O interesse foi fortemente reforçado quando apareceu em Lavras o Bispo Dom Antonio Zattera. Nos anos 50 Lavras do Sul pertencia à arquidiocese de Pelotas. O bispo chegou à cidade como um potentado. O imenso carro americano de suspensão macia, que balançava suavemente ao frear, antecipava, com os recursos da época, os atuais sensores de estacionamento. Como naqueles tempos de poucos automóveis fazer baliza era um exercício de retórica, mais útil era um dos seus recursos, um pedacinho de arame retorcido que, fixado junto aos paralamas, indicava com um barulhinho quando o carro estivesse próximo a encostar nos meios-fios altos.
A figura do bispo me impressionou, principalmente pelas meias de cor grená. O impacto causado pela cor daquelas meias quase me fez entrar imediatamente no
seminário mais próximo. Depois refleti melhor e vi que chegar a bispo não era tão automático assim quanto escalar degraus em uma carreira hierarquizada com mais oportunidades, como a dos militares. Havia o risco de permanecer eterno cura de aldeia. E com um visual rotundo, conseqüência dos almoços dominicais oferecidos pelas fiéis paroquianas.
Na adolescência quis ser contador de histórias. No Brasil era publicada a versão nacional da Popular Mechanics, revista norte-americana que lá pelas décadas de 50 e 60 tinha uma certa obsessão com a hipótese de uma hecatombe nuclear. Lembro que uma das reportagens tratou de um exercício em que a revista pedia a alguns especialistas em incursões no mato, atividade que nos Estados Unidos sempre foi muito popular, para simular a necessidade de uma evacuação da cidade em pouco tempo, algo como uns 20 minutos. O exercício consistia em ver que itens ele comprariam rapidamente em um supermercado para fugir da cidade e sobreviver nas cercanias por umas duas semanas, tempo em que se estimava que a radiação não oferecesse mais tanto perigo. Não lembro se teriam que passar no caixa e pagar as mercadorias, afinal seria uma situação de pânico e o vendedor não teria onde descontar o cheque, enfim, o pessoal pegava lanternas, pilhas, barbante, facão, estas coisas. Provavelmente também muitos enlatados. O restante do exercício consistia em ver se efetivamente conseguiam sobreviver contando somente com aqueles apetrechos.
Na ficção científica o tema foi recorrente. Imaginava-se, então, que tipos de profissionais seriam importantes no caso da devastação nuclear. Um deles, que hoje os avanços tecnológicos modificam sua atuação, era o arquivista, ou o bibliotecário, porque seria da maior importância imediatamente começar a coletar e classificar o conhecimento remanescente. Basicamente livros. Outro, também considerado da maior importância, era o artista, o cantador, o tocador de violão, enfim alguém que pudesse estimular a agregação dos sobreviventes em torno de um fogueira arquetípica. Nesta acepção, um contador de histórias seria bem vindo. A humanidade, i.e o que restou dela, iria presenciar o retorno da transmissão do conhecimento e do entretenimento por via oral.
Achei atraente a possibilidade. Lia muito, achava que teria muita coisa para contar. E era a chance de ter uma ocupação útil e reconhecida, pois a depender de outras qualificações seria um “homem sem qualidades”, como o título do livro do escritor austríaco Robert Musil. Mas, toda esta visão era idílica. Hoje, filmes como Mad Max e O Exterminador do Futuro projetam a imagem de um futuro sombrio.
O período como professor até que permitiu exercitar o ofício da linguagem. Nas ciências sociais, pela necessidade de referência a processos sociais e comportamentos, era mandatório contar histórias. A Universidade de Brasília experimentou o teatro para discussão de temas de Sociologia. Filmes também foram muito utilizados com este propósito. “Bagdá Café”, por exemplo, é um prato cheio.
Para quem tem algum interesse em conhecer um pouco melhor as circunstâncias da arte
da oratória ou mais especificamente da pregação religiosa, vale ler o Padre Antonio Vieira, que dedicou um sermão inteiro, o Sermão da Sexagésima, ao tema da eficácia do pregador: “no pregador podem-se considerar cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo, a voz. A pessoa que é, e ciência que tem, a matéria que trata, o estilo que segue, a voz com que fala”.
Mas, como dizia o saudoso João Saldanha, vida que segue... Não chegando a “cantador de alvoradas, relentos / rimas ricas, sonora canção / trovador de invejável talento / orador que desperta a nação”, como na “Cantoria do Galo”, de Augusto Jatobá, eis que o parafuso deu uma volta e o Altíssimo, cujos desígnios são insondáveis, transformou o antigo candidato a contador de histórias em uma figura da mais absoluta introspecção. Uma legítima coruja, que, aliás, era o símbolo da Faculdade de Filosofia da UFRGS, onde me formei. Foi então que, por meio de um instrumento legal, uma portaria, ou seja, por um imperativo categórico, fui lotado na Ouvidoria do órgão público onde trabalho. Uma verdadeira inflexão da curva. Justa, contudo. Afinal, não havia conseguido prosélitos, nem seguidores de espécie alguma.
Bueno, agora ando olhando os classificados para ver se é possível encontrar um confessionário usado por bom preço.
Nunca pretendi ser guru no sentido estrito, mas alguma coisa assemelhada. Primeiro foi um efêmero interesse em ser padre. Não parecia ser muito difícil pronunciar uma prédica: “Caríssimos irmãos. Naquele tempo, Jesus desceu a Cafarnaum, cidade da Galiléia, e ali ensinava aos sábados”. A temática era permanente, só mudando a exemplificação de acordo com as circunstâncias de momento. O interesse foi fortemente reforçado quando apareceu em Lavras o Bispo Dom Antonio Zattera. Nos anos 50 Lavras do Sul pertencia à arquidiocese de Pelotas. O bispo chegou à cidade como um potentado. O imenso carro americano de suspensão macia, que balançava suavemente ao frear, antecipava, com os recursos da época, os atuais sensores de estacionamento. Como naqueles tempos de poucos automóveis fazer baliza era um exercício de retórica, mais útil era um dos seus recursos, um pedacinho de arame retorcido que, fixado junto aos paralamas, indicava com um barulhinho quando o carro estivesse próximo a encostar nos meios-fios altos.
A figura do bispo me impressionou, principalmente pelas meias de cor grená. O impacto causado pela cor daquelas meias quase me fez entrar imediatamente no
seminário mais próximo. Depois refleti melhor e vi que chegar a bispo não era tão automático assim quanto escalar degraus em uma carreira hierarquizada com mais oportunidades, como a dos militares. Havia o risco de permanecer eterno cura de aldeia. E com um visual rotundo, conseqüência dos almoços dominicais oferecidos pelas fiéis paroquianas.
Na adolescência quis ser contador de histórias. No Brasil era publicada a versão nacional da Popular Mechanics, revista norte-americana que lá pelas décadas de 50 e 60 tinha uma certa obsessão com a hipótese de uma hecatombe nuclear. Lembro que uma das reportagens tratou de um exercício em que a revista pedia a alguns especialistas em incursões no mato, atividade que nos Estados Unidos sempre foi muito popular, para simular a necessidade de uma evacuação da cidade em pouco tempo, algo como uns 20 minutos. O exercício consistia em ver que itens ele comprariam rapidamente em um supermercado para fugir da cidade e sobreviver nas cercanias por umas duas semanas, tempo em que se estimava que a radiação não oferecesse mais tanto perigo. Não lembro se teriam que passar no caixa e pagar as mercadorias, afinal seria uma situação de pânico e o vendedor não teria onde descontar o cheque, enfim, o pessoal pegava lanternas, pilhas, barbante, facão, estas coisas. Provavelmente também muitos enlatados. O restante do exercício consistia em ver se efetivamente conseguiam sobreviver contando somente com aqueles apetrechos.
Na ficção científica o tema foi recorrente. Imaginava-se, então, que tipos de profissionais seriam importantes no caso da devastação nuclear. Um deles, que hoje os avanços tecnológicos modificam sua atuação, era o arquivista, ou o bibliotecário, porque seria da maior importância imediatamente começar a coletar e classificar o conhecimento remanescente. Basicamente livros. Outro, também considerado da maior importância, era o artista, o cantador, o tocador de violão, enfim alguém que pudesse estimular a agregação dos sobreviventes em torno de um fogueira arquetípica. Nesta acepção, um contador de histórias seria bem vindo. A humanidade, i.e o que restou dela, iria presenciar o retorno da transmissão do conhecimento e do entretenimento por via oral.
Achei atraente a possibilidade. Lia muito, achava que teria muita coisa para contar. E era a chance de ter uma ocupação útil e reconhecida, pois a depender de outras qualificações seria um “homem sem qualidades”, como o título do livro do escritor austríaco Robert Musil. Mas, toda esta visão era idílica. Hoje, filmes como Mad Max e O Exterminador do Futuro projetam a imagem de um futuro sombrio.
O período como professor até que permitiu exercitar o ofício da linguagem. Nas ciências sociais, pela necessidade de referência a processos sociais e comportamentos, era mandatório contar histórias. A Universidade de Brasília experimentou o teatro para discussão de temas de Sociologia. Filmes também foram muito utilizados com este propósito. “Bagdá Café”, por exemplo, é um prato cheio.
Para quem tem algum interesse em conhecer um pouco melhor as circunstâncias da arte
da oratória ou mais especificamente da pregação religiosa, vale ler o Padre Antonio Vieira, que dedicou um sermão inteiro, o Sermão da Sexagésima, ao tema da eficácia do pregador: “no pregador podem-se considerar cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo, a voz. A pessoa que é, e ciência que tem, a matéria que trata, o estilo que segue, a voz com que fala”.
Mas, como dizia o saudoso João Saldanha, vida que segue... Não chegando a “cantador de alvoradas, relentos / rimas ricas, sonora canção / trovador de invejável talento / orador que desperta a nação”, como na “Cantoria do Galo”, de Augusto Jatobá, eis que o parafuso deu uma volta e o Altíssimo, cujos desígnios são insondáveis, transformou o antigo candidato a contador de histórias em uma figura da mais absoluta introspecção. Uma legítima coruja, que, aliás, era o símbolo da Faculdade de Filosofia da UFRGS, onde me formei. Foi então que, por meio de um instrumento legal, uma portaria, ou seja, por um imperativo categórico, fui lotado na Ouvidoria do órgão público onde trabalho. Uma verdadeira inflexão da curva. Justa, contudo. Afinal, não havia conseguido prosélitos, nem seguidores de espécie alguma.
Bueno, agora ando olhando os classificados para ver se é possível encontrar um confessionário usado por bom preço.
sexta-feira, 13 de junho de 2008
Aquiles
Emanuel Medeiros Vieira
À vida calma, optou pela guerra: Aquiles.
Tétis, tua mãe, matava seus filhos querendo imortalizá-los,
mas quando nasceu o sétimo, resolve banhá-lo no Rio Stix,
segurando-o pelos calcanhares:
seu corpo não é mais vulnerável
(fica apenas com um único ponto fraco).
Esta mesma mãe te adverte, antes que partas para Tróia:
“Morrerás em breve, mas tua fama será eterna.”
(Escolhes a fama e a morte rápida.)
E o guerreiro comandará frota de 50 navios.
Não indo para a luta, teu destino será a morte por velhice.
Aquiles: o oráculo avisou teu pai, Peleu, que morrerias
junto aos muros de Tróia.
O pai tenta ludibriar a profecia: disfarça-te como mulher e te esconde.
(Outro oráculo disse a Ulisses que Tróia não seria conquistada, se Aquiles não fosse junto.)
Voluntarioso, não escutaste a ordem de Apolo para não
seguires adiante.
Segues: então, o deus guia uma flecha para o teu calcanhar,
guerreiro Aquiles.
É a mão de Páris que a envia, e a flecha revela teu
ponto fraco e tua finitude, que não te permitiu a
velhice.
Te apaixonas pela filha de Príamo, Polixena,
mas o amor não é mais possível:
o tempo é de guerra.
Tróia está perdida,
como o destino de todas as gerações que
“caem como as folhas das árvores”.
(Homero na “Ilíada”.)
Então, Ulisses desce ao Hades e encontra os mortos da guerra de Tróia.
À vida calma, optou pela guerra: Aquiles.
Tétis, tua mãe, matava seus filhos querendo imortalizá-los,
mas quando nasceu o sétimo, resolve banhá-lo no Rio Stix,
segurando-o pelos calcanhares:
seu corpo não é mais vulnerável
(fica apenas com um único ponto fraco).
Esta mesma mãe te adverte, antes que partas para Tróia:
“Morrerás em breve, mas tua fama será eterna.”
(Escolhes a fama e a morte rápida.)
E o guerreiro comandará frota de 50 navios.
Não indo para a luta, teu destino será a morte por velhice.
Aquiles: o oráculo avisou teu pai, Peleu, que morrerias
junto aos muros de Tróia.
O pai tenta ludibriar a profecia: disfarça-te como mulher e te esconde.
(Outro oráculo disse a Ulisses que Tróia não seria conquistada, se Aquiles não fosse junto.)
Voluntarioso, não escutaste a ordem de Apolo para não
seguires adiante.
Segues: então, o deus guia uma flecha para o teu calcanhar,
guerreiro Aquiles.
É a mão de Páris que a envia, e a flecha revela teu
ponto fraco e tua finitude, que não te permitiu a
velhice.
Te apaixonas pela filha de Príamo, Polixena,
mas o amor não é mais possível:
o tempo é de guerra.
Tróia está perdida,
como o destino de todas as gerações que
“caem como as folhas das árvores”.
(Homero na “Ilíada”.)
Então, Ulisses desce ao Hades e encontra os mortos da guerra de Tróia.
O Pavão e Dorothy Lamour
O Brasil inteiro tomou conhecimento de “O Romance do Pavão Mysterioso”, música de Ednardo, quando ela foi incluída na trilha sonora da novela Saramandaia, em 1976. O LP original, porém, havia sido lançado em 1974. Pouco antes, em 1973, Fagner lançara seu primeiro disco: “O Último Pau-de-Arara” ou “Manera Fru Fru Manera”. Seu sucesso, coincidentemente, foi acontecer no mesmo ano da novela, 1976, impulsionado pela repercussão da música “Canteiros”, executada pelas rádios de todo o País.
A trilha sonora da novela
Antes destes fatores de marketing impulsionarem as vendas, tentativas maternas procuravam auxiliar na divulgação paroquial dos referidos discos. Fagner e Ednardo moravam na mesma rua, a Artur Timóteo, no bairro de Fátima em Fortaleza. As respectivas genitoras, para ajudá-los, colocam seus discos na vitrola em alto som para que quem passasse pudesse ouvir. A, digamos, testemunha auricular desta história nasceu em Oeiras, Piauí, e passou a adolescência na capital do Ceará. Em sua festa de 15 anos , Maria Edirlene também teve sua epifania sonora: “na minha casa havia uma radiola (toca discos) e rádio em um móvel enorme. Era um "buffet" grande, com portinhas, quase uma arca, que tinha uma caixa de som na parte de baixo (metade inferior do móvel e em toda a largura do mesmo) que me parecia bastante potente na época. Há uma foto na qual eu estou colocando um LP nesse 'móvel'. Mas era só uma pose para foto! Para animar a festa, um amigo trouxe um daqueles aparelhos de som "modernos" dos anos 70, com caixas de som possantes e muitos fios. Mas sinto saudades daquele móvel”.
Além da música-título, o disco “O Romance do Pavão Mysterioso” tem outras faixas notáveis, realçadas pela voz melodiosa de Ednardo: Carneiro, Mais um frevinho danado, Ausência, Varal (“no umbral da porta já torta / à sombra, o sombrio olhar / e no olhar coisas mortas /que ninguém irá velar”), Alazão e A Palo Seco. Além da belíssima “Dorothy Lamour”.
O Pavão original
Dorothy Lamour era estrela do cinema norte-americano: Mary Leta Dorothy Slaton, que nos anos 40 esteve no auge (lá). Viveu até os 81 e faleceu em 1996. A composição Dorothy Lamour é de Petrucio Maia e Fausto Nilo. É de ouvir com o lenço na mão.
O Pavão Mysterioso ainda teve gravações de Elba Ramalho, Ney Matogrosso e até de Fernanda Takai. Ednardo voltou a gravá-lo em outro disco excepcional: “O Pessoal do Ceará”, de 2002, com a participação de Belchior e Amelinha.
O reencontro do Pessoal do Ceará
Entonces, escute o disco, qualquer um dos três que todos já foram editados em CD, e leia o livro. Que livro? Machado, de preferência. Ou então: “Música perdida”, de Luiz Antonio de Assis Brasil, da L&PM.
A trilha sonora da novela
Antes destes fatores de marketing impulsionarem as vendas, tentativas maternas procuravam auxiliar na divulgação paroquial dos referidos discos. Fagner e Ednardo moravam na mesma rua, a Artur Timóteo, no bairro de Fátima em Fortaleza. As respectivas genitoras, para ajudá-los, colocam seus discos na vitrola em alto som para que quem passasse pudesse ouvir. A, digamos, testemunha auricular desta história nasceu em Oeiras, Piauí, e passou a adolescência na capital do Ceará. Em sua festa de 15 anos , Maria Edirlene também teve sua epifania sonora: “na minha casa havia uma radiola (toca discos) e rádio em um móvel enorme. Era um "buffet" grande, com portinhas, quase uma arca, que tinha uma caixa de som na parte de baixo (metade inferior do móvel e em toda a largura do mesmo) que me parecia bastante potente na época. Há uma foto na qual eu estou colocando um LP nesse 'móvel'. Mas era só uma pose para foto! Para animar a festa, um amigo trouxe um daqueles aparelhos de som "modernos" dos anos 70, com caixas de som possantes e muitos fios. Mas sinto saudades daquele móvel”.
Além da música-título, o disco “O Romance do Pavão Mysterioso” tem outras faixas notáveis, realçadas pela voz melodiosa de Ednardo: Carneiro, Mais um frevinho danado, Ausência, Varal (“no umbral da porta já torta / à sombra, o sombrio olhar / e no olhar coisas mortas /que ninguém irá velar”), Alazão e A Palo Seco. Além da belíssima “Dorothy Lamour”.
O Pavão original
Dorothy Lamour era estrela do cinema norte-americano: Mary Leta Dorothy Slaton, que nos anos 40 esteve no auge (lá). Viveu até os 81 e faleceu em 1996. A composição Dorothy Lamour é de Petrucio Maia e Fausto Nilo. É de ouvir com o lenço na mão.
O Pavão Mysterioso ainda teve gravações de Elba Ramalho, Ney Matogrosso e até de Fernanda Takai. Ednardo voltou a gravá-lo em outro disco excepcional: “O Pessoal do Ceará”, de 2002, com a participação de Belchior e Amelinha.
O reencontro do Pessoal do Ceará
Entonces, escute o disco, qualquer um dos três que todos já foram editados em CD, e leia o livro. Que livro? Machado, de preferência. Ou então: “Música perdida”, de Luiz Antonio de Assis Brasil, da L&PM.
terça-feira, 3 de junho de 2008
PLANALTO
Emanuel Medeiros Vieira
O Planalto é sempre:
antes e depois,
pedras, rios, sol, entardecer, pessoas
(céu sem mediação, espaços abertos,
seca, chuva, manga madura no chão.)
O Planalto não passa:
nós é que passamos.
O pó volta a terra,
mas queremos permanecer: algo de papel,
algo de carne, um jeito de menino que foi
nosso, riso, boininha, gaita-de-boca
ah, um desajeitamento,
estranho no mundo, um lenço,
cheiro de naftalina no guarda-roupa,
macaco em loja de louça.
Já faz tempo que o homem existe,
mas o Planalto é mais antigo.
E uma ilha,
que fica ao Sul do efêmero,
pandorga, vento, tainha
inundado de água: aqui,
no Planalto,
que não passa,
nós é que passamos.
(Brasília, 30 anos depois de chegar
ao Planalto Central – maio de 2008)
O Planalto é sempre:
antes e depois,
pedras, rios, sol, entardecer, pessoas
(céu sem mediação, espaços abertos,
seca, chuva, manga madura no chão.)
O Planalto não passa:
nós é que passamos.
O pó volta a terra,
mas queremos permanecer: algo de papel,
algo de carne, um jeito de menino que foi
nosso, riso, boininha, gaita-de-boca
ah, um desajeitamento,
estranho no mundo, um lenço,
cheiro de naftalina no guarda-roupa,
macaco em loja de louça.
Já faz tempo que o homem existe,
mas o Planalto é mais antigo.
E uma ilha,
que fica ao Sul do efêmero,
pandorga, vento, tainha
inundado de água: aqui,
no Planalto,
que não passa,
nós é que passamos.
(Brasília, 30 anos depois de chegar
ao Planalto Central – maio de 2008)
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