sábado, 7 de julho de 2012

A VIDA NA UNIVERSIDADE – CONTINUAÇÃO (Porto Alegre – ParteXI)


Nossos inesquecíveis professores (2): os de Sociologia

O Curso de Ciências Sociais que fiz possuía três grandes desdobramentos temáticos: Antropologia, Sociologia e Ciência Política.  Minha concentração de créditos foi nas duas últimas. Pela sua importância dentro do curso os seus professores destes núcleos foram os que mais marcaram. Assim penso. 

O primeiro dos nossos professores de Sociologia foi Laudelino T. Medeiros, pioneiro no estudo das malocas (como as favelas são chamadas em Porto Alegre). Em 1951 o Prof. Laudelino Medeiros publicou o ensaio “Vilas de Malocas – Ensaio de Sociologia Urbana”. Este trabalho serviu de inspiração e motivação para Ruth Wigner, minha colega, cuja dissertação de mestrado intitula-se “Nível de satisfação dos moradores da Vila Restinga – uma comunidade planejada”. Curiosidade: o jogador de futebol Tinga, ex-Internacional e atualmente no Cruzeiro, tem este apelido por ter nascido na Restinga. O Prof. Laudelino era um conservador assumido. Gostava de vez por outra cunhar alguma frase de efeito. Sua preferida era: “a pobreza limpa comove”. Poderia até ser a gênese da expressão atual: “sou pobre mas sou limpinho”.

   
A Vila Restinga, na atualidade
  
Outro professor de Sociologia foi Jorge Furtado, simpaticíssimo e constantemente risonho. Foi quem primeiro nos ensinou sobre o funcionalismo, teoria sociológica proposta por Talcott Parsons. Jorge Furtado era dado a digressões, a vôos de imaginação, quando aventava a possibilidade da existência de algumas coisas ou usos não existentes e sua provável repercussão social.

João Guilherme Corrêa de Souza

Mas, quem mais nos marcou, até pelo seu jeito mais extrovertido, foi João Guilherme Corrêa de Souza. Conduzia a disciplina na forma de seminários e foi quem nos iniciou em Max Weber. João Guilherme costumava dizer aquelas obviedades nem sempre aceitas por questão de pudores. Por exemplo, dizia que todo professor tem preferência por certos alunos. Ainda que no caso dele o fosse por certas alunas. Mas tinha o bom senso de não exemplificar. Era visível sua satisfação quando, nos seminários, em que sentávamos em círculo, as mais bonitas ficavam perto dele. Costumava também dizer que não emprestava livro para ninguém, porque tinha horror a que seus livros pudessem ficar marcados por impressões digitais. No que também estava certo. Quem quer tenha livros costuma ser ciumentíssimo e não gosta de emprestá-los. Fazia questão de usar um vocabulário escorreito. E recomendava a leitura de livros de literatura para aprimorar a linguagem. Ele próprio às vezes reconhecia: “preciso reler Machado de Assis. Quando passo muito tempo sem reler Machado, até os adjetivos coloco mal”.

João Guilherme foi o único professor que nos levou a visitar uma maloca. A intenção era, naturalmente, conhecer ao vivo a realidade social da qual só tomávamos conhecimento por meio das leituras. Conseguiu o ônibus da universidade e conduziu a visita com todo o cuidado e competência, inclusive evitando que nos dispersássemos ou entrássemos em qualquer situação de risco. Embora naqueles anos a violência nestes lugares não fosse tão exponencial quanto hoje, mesmo assim era prudente ter  um mínimo de cautela.

Depois que segui a vida por estrada afora, certa ocasião o Prof. João Guilherme apareceu em Brasília e foi me visitar. Se já contei, repito: no âmbito doméstico e durante todo o tempo em que vivi no Sul, sempre fui tratado pelo primeiro nome, Raimundo, herdado do pai José Raimundo. Quando fui para Teresina, onde este nome só não é mais comum do que no Maranhão dos Raimundos Nonatos, o reitor da Universidade Federal do Piauí, o mineiro Hélcio Ulhôa Saraiva, decretou que eu tinha que ser conhecido pelo segundo nome, Tadeu, afinal tinha tanto Raimundo por lá que até o seu motorista se chamava assim. Tadeu, é oportuno esclarecer, deve-se ao meu padrinho São Judas Tadeu. Pois dito e feito. Quando vim para Brasília já estava consagrado o chamamento pelo segundo nome. Mas João Guilherme não sabia disto. Telefona para a Capes, onde eu trabalhava, e pergunta: “cadê o poeta? cadê Raimundo Corrêa?” Ninguém me conhecia assim, mas finalmente alguém conseguiu associar o nome à pessoa. Aí aparece no meu apartamento. Ao me ver, depois de tantos anos, faz um estardalhaço: “mas mudastes muito, mudastes até o nome”.


Uma foto com valor documental


Na parte de baixo do grupo, o grandalhão que aparece em primeiro lugar à esquerda é Sergius Gonzaga, nosso eficiente goleiro. Quando a agilidade não era suficiente o seu tamanho ajudava a fechar o gol. Sergius Gonzaga, que mais tarde tornou-se professor de literatura da UFRGS, e foi um dos coordenadores das obras “Nós, os Gaúchos” e Nós, os Gaúchos 2”, publicadas pela Editora da Universidade, é atualmente Secretário de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre. Estou na parte superior, primeiro à esquerda.


Voltando ao teclado... da máquina

Como herança da Ala Jovem do MDB sobrou-me o contato com um cidadão de nome chinês, difícil de esquecer porque exótico mas que aqui deixa de ser identificado por razões óbvias, que havia montado um curso de datilografia cujo principal atrativo era ser de graça. De graça exceto a matrícula, que já tinha embutida os custos do aprendizado. Neste curso, atuei como professor no período noturno. Durante um mês e meio aproximadamente. Encerrei minha participação de inopino por conta de duas coisas, uma consequência da outra. A primeira era que o referido cidadão considerava uma ofensa pessoal utilizar o verbo “pagar”. Outra que descobri que as máquinas de datilografar, novas, recém compradas, não tinham nenhuma de suas prestações pagas. Pareceu-me, prudente, portanto, esquecer o assunto e deixar por isto mesmo.

É provável que o referido cidadão tenha reincidido em alguma coisa. Consultando seu nome pelo Google verifiquei que o Diário da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Edição Extra de 08/05/2012, publicou ato do Presidente do Tribunal de Justiça eliminando processos já baixados e arquivados, entre os quais um que ele constava como objeto da ação. Da qual não se tem informação, mas que para quem o conheceu é possível deduzir.

Bateu saudade?

O prezado leitor ao ver a nota acima sentiu saudade das velhas máquinas de datilografar? Mas não quer abdicar das conquistas tecnológicas atuais? Saiba que é possível juntar os dois mundos:


Veja, a respeito, o site http://www.usbtypewriter.com/. Com um kit de adaptação é possível catar milho nos tablets, sem perder a possibilidade de utilizar a velha máquina com papel convencional. 

 E por aqui ficamos. 


-oO)(Oo-




3 comentários:

Marina disse...

Bah, Raimundo, acho que esqueci de mencionar o João Guilherme na lista de professores do meu Blog. Não sei porque cargas d'água. lembrei-me diversas vezes dele nesta semana, e agora ele aparece no teu Blog. Acho que foste aluno do João Guilherme por mais tempo do que eu. Como não fiz bacharelado, creio ter tido apenas um ano com ele.
A foto está ótima. Entre o Sérgius Gonzaga da foto e o de hoje, quanta diferença...A da máquina de escrever eu não sabia.

ruth wigner disse...

Interessan te. Eu faltara a primeira aula de sociologia. Entao, tu me passaste gentilmente a lista dos livros que teriamos de ler. Entao ćomo eu sabia nao ter tempo ,e como a cadeira era nao obrigatoria ,cancelei. Ate hoje eu me ressinto da falta de conhecimento teorico sociologico. Supri em parte quando lecionei Sociologia aplicada a Administracao na Faculdade de Cachoeira do Sul. para onde eu viajava nos finais de semana .principalmente para visitar minha velha mae. Tive entao de estudar en pass ant mas nao nas fontes originais. Alias eu preferia Antropologia e Pesquisa Social apesar da fraqueza ,entre aspas, dos profs Sergio Trindade e Ivan.

ruth wigner disse...

Sobre o joao guilherme:lembro-me dele na colonia de ferias da UFRGS em Tramandai :no momento do almoco enquanto a mulher atendia sozinha os filhos, ele alheio a cena, ficava lendo um livro. E outra :nos meus tempos de boemia ,eu costumava ir a um bar dancante na r. Joao alfredo -Clube da Saudade - com amigas. Numa ocasiao, me entra o joao guilherme , n a boite todo vestido de terno branco, ,Vire i as costas e fingi nao ve-lo. Parecia um peixe fora d'agua, tentando uma conquista na noite do Portinho, !!!