Nossos inesquecíveis
professores (2): os de Sociologia
O Curso de Ciências Sociais que fiz possuía três grandes
desdobramentos temáticos: Antropologia, Sociologia e Ciência Política. Minha concentração de créditos foi nas duas
últimas. Pela sua importância dentro do curso os seus professores destes
núcleos foram os que mais marcaram. Assim penso.
O primeiro dos nossos professores de Sociologia foi Laudelino T. Medeiros, pioneiro no
estudo das malocas (como as favelas são chamadas em Porto Alegre). Em 1951 o
Prof. Laudelino Medeiros publicou o ensaio “Vilas de Malocas – Ensaio de
Sociologia Urbana”. Este trabalho serviu de inspiração e motivação para Ruth
Wigner, minha colega, cuja dissertação de mestrado intitula-se “Nível de
satisfação dos moradores da Vila Restinga – uma comunidade planejada”.
Curiosidade: o jogador de futebol Tinga, ex-Internacional e atualmente no
Cruzeiro, tem este apelido por ter nascido na Restinga. O Prof. Laudelino era
um conservador assumido. Gostava de vez por outra cunhar alguma frase de
efeito. Sua preferida era: “a pobreza limpa comove”. Poderia até ser a gênese
da expressão atual: “sou pobre mas sou limpinho”.
A Vila Restinga, na atualidade
Outro professor de Sociologia foi Jorge Furtado, simpaticíssimo e constantemente risonho. Foi quem
primeiro nos ensinou sobre o funcionalismo, teoria sociológica proposta por
Talcott Parsons. Jorge Furtado era dado a digressões, a vôos de imaginação,
quando aventava a possibilidade da existência de algumas coisas ou usos não
existentes e sua provável repercussão social.
João Guilherme Corrêa
de Souza
Mas, quem mais nos marcou, até pelo seu jeito mais extrovertido,
foi João Guilherme Corrêa de Souza.
Conduzia a disciplina na forma de seminários e foi quem nos iniciou em Max
Weber. João Guilherme costumava dizer aquelas obviedades nem sempre aceitas por
questão de pudores. Por exemplo, dizia que todo professor tem preferência por
certos alunos. Ainda que no caso dele o fosse por certas alunas. Mas tinha o
bom senso de não exemplificar. Era visível sua satisfação quando, nos
seminários, em que sentávamos em círculo, as mais bonitas ficavam perto dele.
Costumava também dizer que não emprestava livro para ninguém, porque tinha
horror a que seus livros pudessem ficar marcados por impressões digitais. No
que também estava certo. Quem quer tenha livros costuma ser ciumentíssimo e não
gosta de emprestá-los. Fazia questão de usar um vocabulário escorreito. E
recomendava a leitura de livros de literatura para aprimorar a linguagem. Ele
próprio às vezes reconhecia: “preciso
reler Machado de Assis. Quando passo muito tempo sem reler Machado, até os
adjetivos coloco mal”.
João Guilherme foi o único professor que nos levou a
visitar uma maloca. A intenção era, naturalmente, conhecer ao vivo a realidade
social da qual só tomávamos conhecimento por meio das leituras. Conseguiu o
ônibus da universidade e conduziu a visita com todo o cuidado e competência,
inclusive evitando que nos dispersássemos ou entrássemos em qualquer situação
de risco. Embora naqueles anos a violência nestes lugares não fosse tão
exponencial quanto hoje, mesmo assim era prudente ter um mínimo de cautela.
Depois que segui a vida por estrada afora, certa ocasião o
Prof. João Guilherme apareceu em Brasília e foi me visitar. Se já contei,
repito: no âmbito doméstico e durante todo o tempo em que vivi no Sul, sempre
fui tratado pelo primeiro nome, Raimundo, herdado do pai José Raimundo. Quando
fui para Teresina, onde este nome só não é mais comum do que no Maranhão dos
Raimundos Nonatos, o reitor da Universidade Federal do Piauí, o mineiro Hélcio
Ulhôa Saraiva, decretou que eu tinha que ser conhecido pelo segundo nome,
Tadeu, afinal tinha tanto Raimundo por lá que até o seu motorista se chamava
assim. Tadeu, é oportuno esclarecer, deve-se ao meu padrinho São Judas Tadeu.
Pois dito e feito. Quando vim para Brasília já estava consagrado o chamamento
pelo segundo nome. Mas João Guilherme não sabia disto. Telefona para a Capes,
onde eu trabalhava, e pergunta: “cadê o poeta? cadê Raimundo Corrêa?” Ninguém
me conhecia assim, mas finalmente alguém conseguiu associar o nome à pessoa. Aí
aparece no meu apartamento. Ao me ver, depois de tantos anos, faz um estardalhaço:
“mas mudastes muito, mudastes até o nome”.
Uma foto com valor
documental
Na parte de baixo do grupo, o grandalhão que aparece em
primeiro lugar à esquerda é Sergius
Gonzaga, nosso eficiente goleiro. Quando a agilidade não era suficiente o
seu tamanho ajudava a fechar o gol. Sergius Gonzaga, que mais tarde tornou-se
professor de literatura da UFRGS, e foi um dos coordenadores das obras “Nós, os
Gaúchos” e Nós, os Gaúchos 2”, publicadas pela Editora da Universidade, é
atualmente Secretário de Cultura da Prefeitura de Porto Alegre. Estou na parte
superior, primeiro à esquerda.
Voltando
ao teclado... da máquina
Como herança da Ala Jovem do MDB sobrou-me o contato com
um cidadão de nome chinês, difícil de esquecer porque exótico mas que aqui
deixa de ser identificado por razões óbvias, que havia montado um curso de
datilografia cujo principal atrativo era ser de graça. De graça exceto a
matrícula, que já tinha embutida os custos do aprendizado. Neste curso, atuei
como professor no período noturno. Durante um mês e meio aproximadamente.
Encerrei minha participação de inopino por conta de duas coisas, uma
consequência da outra. A primeira era que o referido cidadão considerava uma
ofensa pessoal utilizar o verbo “pagar”. Outra que descobri que as máquinas de
datilografar, novas, recém compradas, não tinham nenhuma de suas prestações
pagas. Pareceu-me, prudente, portanto, esquecer o assunto e deixar por isto
mesmo.
É provável que o referido cidadão tenha reincidido em
alguma coisa. Consultando seu nome pelo Google verifiquei que o Diário da
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Edição Extra de 08/05/2012, publicou
ato do Presidente do Tribunal de Justiça eliminando processos já baixados e
arquivados, entre os quais um que ele constava como objeto da ação. Da qual não
se tem informação, mas que para quem o conheceu é possível deduzir.
Bateu
saudade?
O prezado leitor ao ver a nota acima sentiu saudade
das velhas máquinas de datilografar? Mas não quer abdicar das conquistas
tecnológicas atuais? Saiba que é possível juntar os dois mundos:
Veja, a respeito, o site http://www.usbtypewriter.com/. Com um kit de adaptação é possível catar milho nos tablets, sem perder a possibilidade de utilizar a velha máquina com papel convencional.
E por aqui ficamos.
-oO)(Oo-
3 comentários:
Bah, Raimundo, acho que esqueci de mencionar o João Guilherme na lista de professores do meu Blog. Não sei porque cargas d'água. lembrei-me diversas vezes dele nesta semana, e agora ele aparece no teu Blog. Acho que foste aluno do João Guilherme por mais tempo do que eu. Como não fiz bacharelado, creio ter tido apenas um ano com ele.
A foto está ótima. Entre o Sérgius Gonzaga da foto e o de hoje, quanta diferença...A da máquina de escrever eu não sabia.
Interessan te. Eu faltara a primeira aula de sociologia. Entao, tu me passaste gentilmente a lista dos livros que teriamos de ler. Entao ćomo eu sabia nao ter tempo ,e como a cadeira era nao obrigatoria ,cancelei. Ate hoje eu me ressinto da falta de conhecimento teorico sociologico. Supri em parte quando lecionei Sociologia aplicada a Administracao na Faculdade de Cachoeira do Sul. para onde eu viajava nos finais de semana .principalmente para visitar minha velha mae. Tive entao de estudar en pass ant mas nao nas fontes originais. Alias eu preferia Antropologia e Pesquisa Social apesar da fraqueza ,entre aspas, dos profs Sergio Trindade e Ivan.
Sobre o joao guilherme:lembro-me dele na colonia de ferias da UFRGS em Tramandai :no momento do almoco enquanto a mulher atendia sozinha os filhos, ele alheio a cena, ficava lendo um livro. E outra :nos meus tempos de boemia ,eu costumava ir a um bar dancante na r. Joao alfredo -Clube da Saudade - com amigas. Numa ocasiao, me entra o joao guilherme , n a boite todo vestido de terno branco, ,Vire i as costas e fingi nao ve-lo. Parecia um peixe fora d'agua, tentando uma conquista na noite do Portinho, !!!
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