Nossos inesquecíveis
professores (3): os professores de Ciência Política – Leônidas Xausa
Nosso
primeiro grande mestre de Ciência Política foi Leônidas Xausa, quem nos iniciou nos paralelos entre os
ensinamentos dos filósofos gregos e os conceitos da Ciência Política
contemporânea. Intelectual brilhante, fundador da disciplina de Ciência
Política na UFRGS, em 1969 foi aposentado compulsoriamente por decreto do
Presidente Costa e Silva. Faleceu em Porto Alegre no ano de 1998.
Melhor do
que o aqui se possa relatar, é a leitura do livro “Leônidas Xausa”, organizado
por Helgio Trindade e Luiz Oswaldo Leite, publicado pela Editora da UFRGS em
2004 (624 págs.) O livro está estruturado em três partes. A primeira apresenta
seus escritos e pronunciamentos, com destaque para o artigo seminal “O
Surgimento do Bipartidarismo no Rio Grande do Sul”, escrito em parceria com
Francisco Ferraz. A segunda parte
transcreve seus artigos de análise da conjuntura nacional e internacional,
escritos no período de 1985 a 1989. Finalmente a terceira parte é composta por
depoimentos, testemunhos e homenagens.
O
voluntariado da datilografia
Por ter habilidades nas artes da datilografia – já
contei da época em que ganhei a vida trabalhando como datilógrafo em um
cartório – , auxiliei alguns professores
na produção de textos didáticos. Leônidas Xausa foi um deles.
Xausa
me chamou para ir em sua casa auxiliá-lo a datilografar sua tradução de um
livro. Ele ficava caminhando pela sala com o original em inglês nas mãos, traduzindo no ato, e eu
datilografando o resultado. O livro era “Uma Introdução à Teoria Política”, de
Carl J. Friedrich, da Universidade de Harvard. Publicado em 1970 pela Zahar
Editores, do Rio de janeiro. A primeira edição norte-americana era de 1967.
Tenho a vaga impressão de que o próprio Xausa havia sugerido a publicação do
livro no Brasil. O fato
é que a nossa publicação foi bastante próxima em relação à norte-americana.
Mas, a tarefa de tradução não envolvia nenhum desafio intelectual, era
cansativa e o pagamento, como normal para este tipo de atividade, pelo menos na
época, muito
baixo. Enfim, Xausa
traduziu alguns capítulos, cansou, desistiu de prosseguir e mandou o trabalho
para a editora, apresentando um pretexto qualquer para não seguir com a
tradução. A Zahar foi atrás de outro tradutor que completasse a tarefa. Na edição do livro os créditos foram
atribuídos aos dois: Leonidas Xausa e Luiz Corção.
Uma
das passagens do livro passou a ter, anos depois, um significado especial para
minha vida profissional. Ao finalizar
uma discussão sobre questões de liberdade acadêmica, Carl Friedrich fez o
seguinte comentário: “Quando sou chamado
de professor sou visto como um homem que ‘professa’, a palavra latina que
significa confessar. Há no termo professor, derivado das universidades
medievais, o reconhecimento inerente de que os homens que estão na plataforma
acadêmica são pessoas que devem ser fiéis a convicções, a primeira das quais,
por certo, é a dedicação à verdade”.
Ajudando
os colegas
Durante o curso utilizamos muitos textos didáticos, que eram chamados de polígrafos, normalmente
traduções de originais estrangeiros, dos quais eram impressas cópias para os
colegas. Vários destes textos contaram
com minha contribuição e a de Tanya Barcellos.
Tanya, uma colega especial, era a tradutora de inglês preferida do
Xausa; cabia a mim datilografar os textos, aqui e ali dando algum palpite sobre uma melhor
adaptação da tradução à língua portuguesa. Com os recursos então disponíveis,
stencil e mimeógrafo a álcool, consegui produzir alguns trabalhos feitos com mais de uma cor e alguns até
com ilustrações (reproduções de charges, desenhos próprios, etc.).
Tanya Barcellos, à direita, com uma colega (Caxambu,
1996)
Como qualquer tarefa, havia também um lado lúdico, ainda que às vezes involuntário.
Certa ocasião,
Tanya estava traduzindo um texto no qual, segundo minha interpretação, o autor colocava um destaque no
último parágrafo, para deixar claro ao leitor que a argumentação estava sendo
encerrada. O texto era datilografado às cegas, porque em papel stêncil,
portanto sem fita. Como
eu estava convicto do tal destaque e achei que este pormenor pudesse ter
passado despercebido por ela, datilografei do meu jeito. Após o texto ter sido
impresso é que verificamos que o último parágrafo iniciava assim: “finalmente,
ao fim...” Rimos bastante. Mas ninguém
reclamou. Caso reclamassem, já tinha pronto o argumento de que se tratava de um pleonasmo de
reforço.
Galinha
“de colo”
Tanya Barcellos ia para as aulas dirigindo o Aero
Willys preto de seu pai, que havia sido Diretor da Faculdade de Administração
da UFRGS. Contava que quando criança havia tido uma “galinha de colo”, creio
que no sítio da avó. Seu bichinho de estimação tinha sido uma galinha. Isto não
tinha precedentes.
Pois a revista Serafina, suplemento do jornal Folha de
São Paulo, em sua edição de junho de 2011, publicou reportagem informando que a
criação de galinhas como hobby está em alta entre os descolados de Los Angeles,
Estados Unidos. São os criadores urbanos de galinha. O site My Pet Chicken, que
vende os pintinhos, vende também diversos produtos inclusive fraldas, para os
donos que gostam de manter os móveis limpos. Uma das criadoras diz que as
galinhas gostam de carinho: “a Beatrix
(da raça orpington buff) é muito fofa, doce e muito macia. As pessoas nãos abem
como uma galinha pode ser macia. E quando faço carinho, ela senta e começa a
dormir”.
Fotos que ilustram a reportagem
Pelas informações da matéria o hábito está sendo
adotado por uma elite. Ora, Tanya também era elite. Como toda elite, com uma
visão antenada dos modismos.
-oO)(Oo-
2 comentários:
Participei de duas ou tres aulas de politica e logo cancelei na impossibilidade de continuar devido minha funcao no Grupo Escolar. Mas lembro do prof. Xauza como se estivesse em transe :ele parecia flutuar, quando falava e parecia nao estar ali e eu nao entendia praticamente nada do que dizia. Mais tarde consegui fazer a disciplina com Helgio e posteriormente com Ferraz, jovens profs , de quem consegui captar melhor a linguagem.Talvez o Xausa fosse inteligente e culto demais para mim naquela epoca.
Saudoso professor Xausa, que a ditadura impediu que continuasse a ensinar a tantos como nós, seus privilegiados alunos.
Lembro-me perfeitamente de teus polígrafos e das homenagens que costumavas a fazer, a aniversariantes, por exemplo. Caprichados, com cores...
Quanto à galinha de estimação da Tanya, eu não sabia, também, não convivia muito com ela. Sabes que lá no sítio tínhamos um galo de estimação. Toda a família, especialmente as filhas que eram pequenas, amavam esta ave, que foi apelidada de pinto. Alimentava-se no colo e depois, dormia satisfeito.
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