sábado, 21 de julho de 2012

UM APOLOGISTA DOS FILÓSOFOS GREGOS E UMA CURIOSA PREFERÊNCIA (Porto Alegre – Parte XII)


Nossos inesquecíveis professores (3): os professores de Ciência Política – Leônidas Xausa

Nosso primeiro grande mestre de Ciência Política foi Leônidas Xausa, quem nos iniciou nos paralelos entre os ensinamentos dos filósofos gregos e os conceitos da Ciência Política contemporânea. Intelectual brilhante, fundador da disciplina de Ciência Política na UFRGS, em 1969 foi aposentado compulsoriamente por decreto do Presidente Costa e Silva. Faleceu em Porto Alegre no ano de 1998.



Melhor do que o aqui se possa relatar, é a leitura do livro “Leônidas Xausa”, organizado por Helgio Trindade e Luiz Oswaldo Leite, publicado pela Editora da UFRGS em 2004 (624 págs.) O livro está estruturado em três partes. A primeira apresenta seus escritos e pronunciamentos, com destaque para o artigo seminal “O Surgimento do Bipartidarismo no Rio Grande do Sul”, escrito em parceria com Francisco Ferraz.  A segunda parte transcreve seus artigos de análise da conjuntura nacional e internacional, escritos no período de 1985 a 1989. Finalmente a terceira parte é composta por depoimentos, testemunhos e homenagens. 



O voluntariado da datilografia

Por ter habilidades nas artes da datilografia – já contei da época em que ganhei a vida trabalhando como datilógrafo em um cartório  – , auxiliei alguns professores na produção de textos didáticos. Leônidas Xausa foi um deles.

Xausa me chamou para ir em sua casa auxiliá-lo a datilografar sua tradução de um livro. Ele ficava caminhando pela sala com o original em inglês nas mãos, traduzindo no ato, e eu datilografando o resultado. O livro era “Uma Introdução à Teoria Política”, de Carl J. Friedrich, da Universidade de Harvard. Publicado em 1970 pela Zahar Editores, do Rio de janeiro. A primeira edição norte-americana era de 1967. Tenho a vaga impressão de que o próprio Xausa havia sugerido a publicação do livro no Brasil. O fato é que a nossa publicação foi bastante próxima em relação à norte-americana. Mas, a tarefa de tradução não envolvia nenhum desafio intelectual, era cansativa e o pagamento, como normal para este tipo de atividade, pelo menos na época, muito baixo. Enfim, Xausa traduziu alguns capítulos, cansou, desistiu de prosseguir e mandou o trabalho para a editora, apresentando um pretexto qualquer para não seguir com a tradução. A Zahar foi atrás de outro tradutor que completasse a tarefa. Na edição do livro os créditos foram atribuídos aos dois: Leonidas Xausa e Luiz Corção.

Uma das passagens do livro passou a ter, anos depois, um significado especial para minha vida  profissional. Ao finalizar uma discussão sobre questões de liberdade acadêmica, Carl Friedrich fez o seguinte comentário: “Quando sou chamado de professor sou visto como um homem que ‘professa’, a palavra latina que significa confessar. Há no termo professor, derivado das universidades medievais, o reconhecimento inerente de que os homens que estão na plataforma acadêmica são pessoas que devem ser fiéis a convicções, a primeira das quais, por certo, é a dedicação à verdade”.

Ajudando os colegas

Durante o curso utilizamos muitos textos didáticos, que eram chamados de polígrafos, normalmente traduções de originais estrangeiros, dos quais eram impressas cópias para os colegas. Vários destes textos contaram com minha contribuição e a de Tanya Barcellos. Tanya, uma colega especial, era a tradutora de inglês preferida do Xausa; cabia a mim datilografar os textos, aqui e ali dando algum palpite sobre uma melhor adaptação da tradução à língua portuguesa. Com os recursos então disponíveis, stencil e mimeógrafo a álcool, consegui produzir alguns trabalhos feitos com mais de uma cor e alguns até com ilustrações (reproduções de charges, desenhos próprios, etc.).
 Tanya Barcellos, à direita, com uma colega (Caxambu, 1996)
Como qualquer tarefa, havia também um lado lúdico, ainda que às vezes involuntário. Certa ocasião, Tanya estava traduzindo um texto no qual, segundo minha interpretação, o autor colocava um destaque no último parágrafo, para deixar claro ao leitor que a argumentação estava sendo encerrada. O texto era datilografado às cegas, porque em papel stêncil, portanto sem fita. Como eu estava convicto do tal destaque e achei que este pormenor pudesse ter passado despercebido por ela, datilografei do meu jeito. Após o texto ter sido impresso é que verificamos que o último parágrafo iniciava assim: “finalmente, ao fim...”  Rimos bastante. Mas ninguém reclamou. Caso reclamassem, já tinha pronto o argumento de que se tratava de um pleonasmo de reforço.

Galinha “de colo”

Tanya Barcellos ia para as aulas dirigindo o Aero Willys preto de seu pai, que havia sido Diretor da Faculdade de Administração da UFRGS. Contava que quando criança havia tido uma “galinha de colo”, creio que no sítio da avó. Seu bichinho de estimação tinha sido uma galinha. Isto não tinha precedentes.

Pois a revista Serafina, suplemento do jornal Folha de São Paulo, em sua edição de junho de 2011, publicou reportagem informando que a criação de galinhas como hobby está em alta entre os descolados de Los Angeles, Estados Unidos. São os criadores urbanos de galinha. O site My Pet Chicken, que vende os pintinhos, vende também diversos produtos inclusive fraldas, para os donos que gostam de manter os móveis limpos. Uma das criadoras diz que as galinhas gostam de carinho: “a Beatrix (da raça orpington buff) é muito fofa, doce e muito macia. As pessoas nãos abem como uma galinha pode ser macia. E quando faço carinho, ela senta e começa a dormir”. 


Fotos que ilustram a reportagem

Pelas informações da matéria o hábito está sendo adotado por uma elite. Ora, Tanya também era elite. Como toda elite, com uma visão antenada dos modismos.


-oO)(Oo-

2 comentários:

ruth wigner disse...

Participei de duas ou tres aulas de politica e logo cancelei na impossibilidade de continuar devido minha funcao no Grupo Escolar. Mas lembro do prof. Xauza como se estivesse em transe :ele parecia flutuar, quando falava e parecia nao estar ali e eu nao entendia praticamente nada do que dizia. Mais tarde consegui fazer a disciplina com Helgio e posteriormente com Ferraz, jovens profs , de quem consegui captar melhor a linguagem.Talvez o Xausa fosse inteligente e culto demais para mim naquela epoca.

Marina disse...

Saudoso professor Xausa, que a ditadura impediu que continuasse a ensinar a tantos como nós, seus privilegiados alunos.
Lembro-me perfeitamente de teus polígrafos e das homenagens que costumavas a fazer, a aniversariantes, por exemplo. Caprichados, com cores...
Quanto à galinha de estimação da Tanya, eu não sabia, também, não convivia muito com ela. Sabes que lá no sítio tínhamos um galo de estimação. Toda a família, especialmente as filhas que eram pequenas, amavam esta ave, que foi apelidada de pinto. Alimentava-se no colo e depois, dormia satisfeito.