sábado, 21 de abril de 2012

FITAS CASSETE, DA FASE DE ESPLENDOR E GLÓRIA ATÉ OS DIAS ATUAIS


A fita cassete foi lançada pela Phillips em 1962. Em 2012 completa, portanto, 50 anos. E ainda não morreu. O jornal O Globo, do Rio de Janeiro, publicou, em 27/03/2012, reportagem com o título “Rebobine, por favor – A fita cassete faz 50 anos resistindo à era digital através de pequenos selos, aplicativos e produtos de consumo pop”.  Em resumo, alguns grupos norte-americanos ainda colocam no mercado versões em fita cassete de seus álbuns. O grupo Oil Montreal, por exemplo, lançou recentemente uma caixa contendo dez discos da banda em versão cassete. No Brasil, o lançamento inicial do grupo Los Hermanos foi feito em cassete, em 1999, com fitas produzidas em um tape-deck caseiro, do tipo double-deck (com dois compartimentos: no segundo vai a fita a ser copiada do primeiro). Em Juiz de Fora foi criada uma gravadora, em 2010, a Pug Records, especializada em lançamentos no formato cassete. Reportagem da CNN mostra que no Zimbábue a fita cassete ainda é o formato dominante. E a sobrevida das fitas cassete foi objeto de reportagens recentes dos jornais “Washington Post” e “Guardian”, e das revistas “Spin” e “Rolling Stone”. No campo das novidades, há um aplicativo para computador, o Setereolizer, que simula um rack de gravação em cassete.


Stereolizer, aplicativo para iPads

O Stereolizer permite ao IPad sintonizar rádios e gravar a transmissão usando os controles como se fosse uma fita cassete. Depois é só selecionar o arquivo de preferência e colocá-lo para tocar.

O passado risonho e franco

Para muitas pessoas a fita cassete evoca lembranças agradáveis. Em mais de um blog encontrei depoimentos saudosos dos tempos da fita cassete, enaltecendo sua praticidade, a facilidade com que se fazia uma gravação, muitas das vezes como forma de presentear uma dama com segundas ou terceiras intenções. É ótimo que se tenha guardado deste tempo as boas lembranças. Porque, na verdade, gravar uma fita cassete com um mínimo de qualidade era literalmente uma pedreira.

Quando cheguei ao Piauí, em 1972, as fitas cassetes (ou K-7) estavam no seu auge, o que iria persistir por mais de uma década. Nesta época elas conviviam com os long-plays, um disco era lançado em vinil e simultaneamente em fita cassete e o cidadão escolhia qual o formato que mais lhe convinha. Apesar de que as fitas cassete sempre tivessem uma qualidade fonográfica inferior, o seu tamanho apresentava algumas vantagens, principalmente pela sua portabilidade e pela possibilidade de uso nos aparelhos de reprodução do carro. Aliás, atualmente a audição no carro tem representado uma situação privilegiada, principalmente porque a maioria não tem mais disponibilidade de tempo para ouvir de forma relaxada um disco no aparelho doméstico. Este fenômeno não é somente brasileiro, mesmo expoentes do mundo artístico nos Estados Unidos confessam que só conseguem tempo para ouvir músicas no seu carro.  

 
A cartela de uma fita cassete comercial (pré-gravada)

No começo da década de 70, além das fitas cassete e dos long-plays, ainda era possível encontrar discos no formato compacto, que eram discos de vinil pequenos, normalmente com duas músicas de cada lado (compacto duplo), ou então com apenas uma no lado A e outra no lado B (compacto simples). Este lado B tempos depois passou a ser reverenciado. Servia também para apresentar um artista novo; cabendo o lado A para o artista mais conhecido e que servia de “isca” para a compra do disquinho. Os primeiros compactos possuíam 45 rotações por minuto (rpm), posteriormente passaram a ter a mesma rotação dos LPs: 33 rpm, mais exatamente 33 e 1/3.

Os primeiros auto-rádios, os aparelhos de carro, possuíam apenas a recepção de rádios que transmitiam em amplitude modulada (AM) e em ondas curtas. A transmissão em FM ainda demoraria um pouco. Os aparelhos mais caros chegavam a ter 10 faixas, o que, no dia-a-dia, era rigorosamente inútil. Em ondas médias e curtas recepção boa mesmo só se encontrava em regiões rurais, afastadas das interferências do ambiente urbano. À noite recebia-se o sinal de inúmeras rádios que durante o dia era impossível sintonizar. Aí era uma festa. Os rádios portáteis domésticos também possuíam utilidade, apesar de que já era possível comprar aparelhagens domésticas de altíssima qualidade com rádio integrado, aí chamado de sintonizador. Estes aparelhos costumavam ficar na sala da casa. Em lugar nobre. Mas, no meu quarto de casal mantinha um rádio portátil à cabeceira. Nas noites de Teresina procurava, sempre que possível, sintonizar a rádio Globo do Rio de Janeiro, ou então a rádio Jornal do Brasil, a primeira pelos programas de variedades e humorísticos, a segunda pela sua programação musical impecável.

Características das fitas cassete

Além da sua qualidade de reprodução inferior, principalmente por conta do chamado “ruído de fundo” (um chiado em baixa frequência – os bons aparelhos domésticos possuíam um sistema de “noise reduction”, isto é, redução de ruídos), as fitas cassete também possuíam uma “expectativa de vida” bem menor do que as dos LPs. Nada obstante, bem conservadas duram muito. Ainda são audíveis minhas fitas da época. A qualidade das fitas cassete era definida pelo composto da sua fita magnética: dióxido de ferro (a “normal”), cromo e metal (ferro puro), estas últimas as melhores. Quanto melhor a fita, mais pura a qualidade da gravação e menor o ruído de fundo. As fitas comerciais, de música popular, eram de dióxido de ferros. As únicas fitas comerciais de maior qualidade e, portanto, de maior preço, eram as fitas alemãs para música clássica, de cromo, da Deutsche Grammophon.

Um modelo de fita cassete

As fitas virgens podiam ser compradas no seu formato mais comum, de 60 minutos (trinta para cada lado), ou então, de 45 minutos ou de 90 ou 120 minutos. Como o invólucro das fitas era o mesmo, quanto maior o seu tempo de gravação, mais fininha era sua camada magnética. Portanto, fitas de 90 eram potencialmente mais frágeis do que as de 60. As de 120 minutos, de alto risco, eram rarissimamente utilizadas. Além disto, as fitas com maior capacidade de tempo para gravação eram também mais pesadas. Afinal, a fita tocava puxada por tração. Quanto mais pesada, mais força o aparelho tinha que fazer. Se isto não fazia diferença para aparelhos domésticos, podia ser um problema para os toca-fitas de carro.

Uma das características da fita cassete que mais dava trabalho era o fato de que, mesmo no caso de uma fita comercial pré-gravada, o tempo da gravação de um lado dificilmente coincidia com o tempo da gravação do outro lado, ou seja, o lado A terminava ao final de uma música, enquanto o lado B frequentemente tinha um tempo de gravação menor. O que acarretava o fato de que a fita, após o término da última música, ficava rodando só com o barulho de fundo até o seu final. Esta particularidade era o grande drama para as gravações domésticas, quando se pretendiam que fossem bem feitas.

Lembro que em meus primeiros dias de Piauí, conversando com meninas de nosso relacionamento, o assunto direcionou-se para as fitas cassete. Uma delas contou que colocava um disco para gravar e deixava tocando até o lado da fita terminar. Por curiosidade, perguntei como ela fazia para continuar a gravação. Ela me disse, com a maior candidez, que suspendia o braço do toca-discos, virava a fita para gravação do outro lado e simplesmente baixava de novo a pick-up. Era, evidentemente, um barbarismo. Em uma situação dessas, o correto seria desgravar a música inconclusa e recomeçar a gravá-la, na íntegra, no outro lado da fita.

Gravando... Ufa!!

Uma boa gravação era algo que exigia tantos cuidados que chegava a ser até estressante. Para gravar-se um disco, ou uma coletânea de músicas, a primeira providência era saber qual o tempo total de execução dessas músicas para ver se era possível acomodá-las na fita. O que às vezes levava a se fazer alguma “ginástica”, normalmente com a eliminação de algumas músicas que ultrapassassem o tempo de gravação disponível. Alguns discos traziam em sua ficha técnica o tempo de duração de cada música e isto facilitava o trabalho. Mas nem todos. Quando não havia esta informação era necessário obtê-la de forma empírica, isto é, cronometrando cada música. Para isto, o melhor era utilizar um cronômetro. Comprava-se um bom cronômetro, portanto. Era também importante considerar que sempre existem alguns pouquíssimos segundos a separar uma música de outra. Quando um LP é convertido em arquivo de áudio por meio de um computador, é preciso ter um programa próprio que identifique estes momentos sem gravação e que faça a separação entre as músicas; caso contrário, o computador lê todo o lado de um disco como sendo uma única faixa. 

 
Toca-discos

Assim, o extenuado cidadão que queria fazer uma gravação direitinha encarava uma trabalheira dos infernos. Depois de cronometradas as músicas de seu interesse, o que implicava em ouvir atentamente cada execução para poder marcar o tempo certo, era necessário somar o tempo de cada música para obter o tempo total. O que é uma barbada, desde que se tenha a lembrança de que não se somam diretamente os minutos e segundos de uma música com o tempo de outra: a cada 60 segundos, como é evidente, tem-se um minuto a ser transportado para os outros minutos remanescentes. Depois de tudo isto era preciso fazer a programação: que músicas seriam gravadas de um lado da fita, que músicas seriam gravadas no outro, procurando-se otimizar de alguma forma os tempos dos dois lados. Gravar um único disco era uma tranquilidade. Gravar músicas de diferentes discos, além do trabalho físico, tira um disco, põe o outro, etc. e tal, implicava em mais um cuidado: a equalização das faixas, pois alguns discos seriam gravados com músicas, digamos, “mais altas”. Uma equalização “pedestre”, a dos comuns mortais, era monitorada pelos “VUs meters” do aparelho de gravação; os ponteiros dos VUs indicavam a frequência das músicas e a faixa em que elas podiam entrar em distorção. Calibravam-se as diversas faixas na melhor medida do possível. No entanto, podia acontecer de ser necessário colocar uma última música cujo tempo ultrapasse o disponível para gravação. Neste caso, diante de tanto trabalho, para o cidadão que não quisesse mais arrancar seus últimos fios de cabelo havia o recurso de se “encurtar” a última faixa pelo processo chamado de “fading out”, isto é, na mão ia se baixando gradativamente o volume da música de forma a antecipar o seu final.

Modelo de tape-deck

Outro recurso extremo era cortar a fita, para editá-la. Quando depois de gravada a fita ficava muito espaço sobrando, utilizava-se uma técnica proveniente das antigas edições de películas de cinema: cortava-se o pedaço da fita que estava  em branco e tornava-se a colar a parte gravada. Claro que isto podia ser feito de forma rústica, com tesoura e meio na raça. Para um bom trabalho era necessário, porém, um aparelhinho especial que possuía uma trilha onde ficava acomodada a fita a ser cortada e que também tinha um gabarito em diagonal para o corte, com estilete ou gilete. Uma fita adesiva especial colava a fita pela parte de trás, a que não era gravada. Não podia ser fita adesiva comum, durex, porque ela com o tempo endurecia e até podia descolar. Estes aparelhinhos não eram tão triviais. O meu veio era alemão (desaparecido após uma reforma no apartamento). Este processo também podia ser aplicado quando uma fita acidentalmente se rompia. Se o corte coincidisse com uma faixa gravada, dificilmente o remendo ficaria perfeito.

Depois de tudo isto, ainda havia um cuidado adicional: os aparelhos de reprodução podiam ficar magnetizados depois de certo tempo de uso. Era preciso, então, usar um desmagnetizador, um aparelho especial ligado à energia, em que entre suas duas pinças (veja a figura abaixo) se formava um campo elétrico, que era aproximado lentamente, aos círculos, das cabeças magnéticas do toca-fitas. Aproximava-se o mais perto possível, sem encostar, e depois se afastava o magnetizador do mesmo modo. O procedimento parecia coisa cabalística.

Desmagnetizador Akai

Finalmente o acabamento: datilografar o rótulo com o nome da fita, o que podia também ser feito com letra set (colando-se uma por uma), e datilografar o conteúdo de cada lado da fita, o que necessitava também de alguma dose de imaginação quando as informações eram em grande número. As máquinas de escrever, como devem estar lembrados, não possuíam os recursos dos computadores de diminuir o tamanho das fontes. 

Assim, o que na lembrança de alguns era apenas uma doce troca de mimos entre namorados e simpatizantes, ao pé da letra significava um trabalho árduo que envolvia muito sangue, suor e lágrimas.

A luta continua

Com tantos admiradores ao longo dos tempos, a fita cassete tem recebido algumas adaptações para renovar o interesse do mercado. Abaixo são mostrados alguns exemplos, cujo título descreve a finalidade do gadget, isto é, do produto.

Conversor de fita cassete para MP3

 
 MP3 no formato de fita cassete

 
Adaptador no formato de fita cassete para ouvir iPod no carro

Além disso, o formato da fita pode servir de capa para celular, para abrigar um pen-drive ou até para servir como modelo de hub, dispositivo que serve para multiplicar as entradas USB.

Enfim, “o mundo gira e a Lusitana roda”.

-oO)(Oo-


5 comentários:

Rosamaria disse...

Bah, Raimundo, tu és um perfeccionista! Minhas gravações eram que nem tiro fotos, tudo no automático, hehehe
Eu tenho um gavetão de fitas K7. Além das minhas, meu filho me deu todas as dele, que eu guardo com muito carinho e escuto de vez em quando, pois tenho gravações que gosto muito e não encontrei em CD.
Minhas primeiras gravações foram feitas em gravador de fita de rolo, além de músicas, muitas feitas quando os filhos eram pequenos e que depois consegui que alguém transformasse em cd. É uma festa quando ouvimos com eles e com as netas.
Nós temos um Ford modelo A, onde tem um toca-fitas. Meu marido costuma levar noivas na igreja ouvindo o Roberto Carlos, mas também gosta de sair a passear escutando músicas gaúchas em volume alto. É quando os K7 são mais usados.
Gostei do teu post! Valeu!
Um abraço

Marina disse...

Que saudades! Ainda tenho diversas fitas cassetes em casa e um aparelho de som, onde é possível ouví-las. Usei-as muito quando minhas filhas eram pequenas, gravando músicas infantis ou estorinhas que eu mesma contava. São relíquias que ainda guardo. Só que eu nao tinha toda esta especialização, que demonstraste. Gravava sem nenhuma preocupação.
Quanto aos discos de vinil, tenho diversos e estão na casa da praia. A Patrícia tem um aparelho onde é possível ouvi-los.

Maria Edirlene disse...

Bons tempos! Tenho saudades dos tempos em que eu ficava horas gravando músicas em fitas cassetes. Hoje, com os avanços tecnológicos e as facilidades, eu já não tenho mais paciência para essas coisas. O mesmo aconteceu com as máquinas fotográficas digitais, elas me fizeram perder o grande entusiasmo que eu tinha por fotografias. Não sei o quê me acontece. As minhas fitas se estragaram aqui no Rio. Deve ser a maresia.

wcvassoura disse...

minha familia tem fita cassete cheio.
foi procurar fita cassete conversor para mp3 que transferir fita para mp3.
era verdadeiro na história.

Fábio disse...

Tenho 36 anos e uso as fitas cassette desde que eu tinha 9 anos ... realmente , com aqueles aparelhos dos anos 70 era difícil obter uma qualidade de áudio decente , comecei a usar fitas num aparelho 3 em 1 fabricado em 1978 que meu pai comprou usado , a parte mecânica dele era extremamente robusta , mas a qualidade da gravação era bem ruim ... hoje uso um microsystem da Philips ano 2004 , com ele a gravação é de alta qualidade mesmo com fitas padrão standard ... vale lembrar que até o final dos anos 90 os estúdios de gravação usavam fitas de rolo para gravar as músicas que iam posteriormente ser gravadas em CDs , LPs e k7 ...