A fita cassete foi lançada pela
Phillips em 1962. Em 2012 completa, portanto, 50 anos. E ainda não morreu. O
jornal O Globo, do Rio de Janeiro, publicou, em 27/03/2012, reportagem com o
título “Rebobine, por favor – A fita cassete faz 50 anos resistindo à era
digital através de pequenos selos, aplicativos e produtos de consumo pop”. Em resumo, alguns grupos norte-americanos
ainda colocam no mercado versões em fita cassete de seus álbuns. O grupo Oil
Montreal, por exemplo, lançou recentemente uma caixa contendo dez discos da
banda em versão cassete. No Brasil, o lançamento inicial do grupo Los Hermanos
foi feito em cassete, em 1999, com fitas produzidas em um tape-deck caseiro, do tipo double-deck
(com dois compartimentos: no segundo vai a fita a ser copiada do primeiro).
Em Juiz de Fora foi criada uma gravadora, em 2010, a Pug Records, especializada
em lançamentos no formato cassete. Reportagem da CNN mostra que no Zimbábue a
fita cassete ainda é o formato dominante. E a sobrevida das fitas cassete foi
objeto de reportagens recentes dos jornais “Washington Post” e “Guardian”, e
das revistas “Spin” e “Rolling Stone”. No campo das novidades, há um aplicativo
para computador, o Setereolizer, que simula um rack de gravação em cassete.
Stereolizer, aplicativo para iPads
O Stereolizer permite ao IPad
sintonizar rádios e gravar a transmissão usando os controles como se fosse uma
fita cassete. Depois é só selecionar o arquivo de preferência e colocá-lo para
tocar.
O passado risonho e
franco
Para muitas pessoas a fita
cassete evoca lembranças agradáveis. Em mais de um blog encontrei depoimentos
saudosos dos tempos da fita cassete, enaltecendo sua praticidade, a facilidade
com que se fazia uma gravação, muitas das vezes como forma de presentear uma
dama com segundas ou terceiras intenções. É ótimo que se tenha guardado deste
tempo as boas lembranças. Porque, na verdade, gravar uma fita cassete com um
mínimo de qualidade era literalmente uma pedreira.
Quando cheguei ao Piauí, em 1972,
as fitas cassetes (ou K-7) estavam no seu auge, o que iria persistir por mais
de uma década. Nesta época elas conviviam com os long-plays, um disco era
lançado em vinil e simultaneamente em fita cassete e o cidadão escolhia qual o
formato que mais lhe convinha. Apesar de que as fitas cassete sempre tivessem
uma qualidade fonográfica inferior, o seu tamanho apresentava algumas
vantagens, principalmente pela sua portabilidade e pela possibilidade de uso
nos aparelhos de reprodução do carro. Aliás, atualmente a audição no carro tem
representado uma situação privilegiada, principalmente porque a maioria não tem
mais disponibilidade de tempo para ouvir de forma relaxada um disco no aparelho
doméstico. Este fenômeno não é somente brasileiro, mesmo expoentes do mundo
artístico nos Estados Unidos confessam que só conseguem tempo para ouvir
músicas no seu carro.
A cartela de uma fita cassete comercial
(pré-gravada)
No começo da década de 70, além
das fitas cassete e dos long-plays, ainda era possível encontrar discos no
formato compacto, que eram discos de vinil pequenos, normalmente com duas
músicas de cada lado (compacto duplo), ou então com apenas uma no lado A e
outra no lado B (compacto simples). Este lado B tempos depois passou a ser
reverenciado. Servia também para apresentar um artista novo; cabendo o lado A
para o artista mais conhecido e que servia de “isca” para a compra do
disquinho. Os primeiros compactos possuíam 45 rotações por minuto (rpm),
posteriormente passaram a ter a mesma rotação dos LPs: 33 rpm, mais exatamente
33 e 1/3.
Os primeiros auto-rádios, os
aparelhos de carro, possuíam apenas a recepção de rádios que transmitiam em
amplitude modulada (AM) e em ondas curtas. A transmissão em FM ainda demoraria
um pouco. Os aparelhos mais caros chegavam a ter 10 faixas, o que, no
dia-a-dia, era rigorosamente inútil. Em ondas médias e curtas recepção boa
mesmo só se encontrava em regiões rurais, afastadas das interferências do
ambiente urbano. À noite recebia-se o sinal de inúmeras rádios que durante o
dia era impossível sintonizar. Aí era uma festa. Os rádios portáteis domésticos
também possuíam utilidade, apesar de que já era possível comprar aparelhagens
domésticas de altíssima qualidade com rádio integrado, aí chamado de
sintonizador. Estes aparelhos costumavam ficar na sala da casa. Em lugar nobre.
Mas, no meu quarto de casal mantinha um rádio portátil à cabeceira. Nas noites
de Teresina procurava, sempre que possível, sintonizar a rádio Globo do Rio de
Janeiro, ou então a rádio Jornal do Brasil, a primeira pelos programas de
variedades e humorísticos, a segunda pela sua programação musical impecável.
Características das
fitas cassete
Além da sua qualidade de
reprodução inferior, principalmente por conta do chamado “ruído de fundo” (um
chiado em baixa frequência – os bons aparelhos domésticos possuíam um sistema
de “noise reduction”, isto é, redução de ruídos), as fitas cassete também
possuíam uma “expectativa de vida” bem menor do que as dos LPs. Nada obstante,
bem conservadas duram muito. Ainda são audíveis minhas fitas da época. A
qualidade das fitas cassete era definida pelo composto da sua fita magnética: dióxido
de ferro (a “normal”), cromo e metal (ferro puro), estas últimas as melhores. Quanto
melhor a fita, mais pura a qualidade da gravação e menor o ruído de fundo. As
fitas comerciais, de música popular, eram de dióxido de ferros. As únicas fitas
comerciais de maior qualidade e, portanto, de maior preço, eram as fitas alemãs
para música clássica, de cromo, da Deutsche Grammophon.
Um modelo de fita cassete
As fitas virgens podiam ser
compradas no seu formato mais comum, de 60 minutos (trinta para cada lado), ou
então, de 45 minutos ou de 90 ou 120 minutos. Como o invólucro das fitas era o
mesmo, quanto maior o seu tempo de gravação, mais fininha era sua camada
magnética. Portanto, fitas de 90 eram potencialmente mais frágeis do que as de
60. As de 120 minutos, de alto risco, eram rarissimamente utilizadas. Além
disto, as fitas com maior capacidade de tempo para gravação eram também mais
pesadas. Afinal, a fita tocava puxada por tração. Quanto mais pesada, mais
força o aparelho tinha que fazer. Se isto não fazia diferença para aparelhos
domésticos, podia ser um problema para os toca-fitas de carro.
Uma das características da fita
cassete que mais dava trabalho era o fato de que, mesmo no caso de uma fita
comercial pré-gravada, o tempo da gravação de um lado dificilmente coincidia
com o tempo da gravação do outro lado, ou seja, o lado A terminava ao final de
uma música, enquanto o lado B frequentemente tinha um tempo de gravação menor.
O que acarretava o fato de que a fita, após o término da última música, ficava
rodando só com o barulho de fundo até o seu final. Esta particularidade era o
grande drama para as gravações domésticas, quando se pretendiam que fossem bem
feitas.
Lembro que em meus primeiros dias
de Piauí, conversando com meninas de nosso relacionamento, o assunto
direcionou-se para as fitas cassete. Uma delas contou que colocava um disco
para gravar e deixava tocando até o lado da fita terminar. Por curiosidade,
perguntei como ela fazia para continuar a gravação. Ela me disse, com a maior
candidez, que suspendia o braço do toca-discos, virava a fita para gravação do
outro lado e simplesmente baixava de novo a pick-up. Era, evidentemente, um
barbarismo. Em uma situação dessas, o correto seria desgravar a música
inconclusa e recomeçar a gravá-la, na íntegra, no outro lado da fita.
Gravando... Ufa!!
Uma boa gravação era algo que
exigia tantos cuidados que chegava a ser até estressante. Para gravar-se um
disco, ou uma coletânea de músicas, a primeira providência era saber qual o
tempo total de execução dessas músicas para ver se era possível acomodá-las na
fita. O que às vezes levava a se fazer alguma “ginástica”, normalmente com a
eliminação de algumas músicas que ultrapassassem o tempo de gravação
disponível. Alguns discos traziam em sua ficha técnica o tempo de duração de
cada música e isto facilitava o trabalho. Mas nem todos. Quando não havia esta
informação era necessário obtê-la de forma empírica, isto é, cronometrando cada
música. Para isto, o melhor era utilizar um cronômetro. Comprava-se um bom
cronômetro, portanto. Era também importante considerar que sempre existem
alguns pouquíssimos segundos a separar uma música de outra. Quando um LP é
convertido em arquivo de áudio por meio de um computador, é preciso ter um
programa próprio que identifique estes momentos sem gravação e que faça a
separação entre as músicas; caso contrário, o computador lê todo o lado de um
disco como sendo uma única faixa.
Toca-discos
Assim, o extenuado cidadão que
queria fazer uma gravação direitinha encarava uma trabalheira dos infernos.
Depois de cronometradas as músicas de seu interesse, o que implicava em ouvir
atentamente cada execução para poder marcar o tempo certo, era necessário somar
o tempo de cada música para obter o tempo total. O que é uma barbada, desde que
se tenha a lembrança de que não se somam diretamente os minutos e segundos de
uma música com o tempo de outra: a cada 60 segundos, como é evidente, tem-se um
minuto a ser transportado para os outros minutos remanescentes. Depois de tudo
isto era preciso fazer a programação: que músicas seriam gravadas de um lado da
fita, que músicas seriam gravadas no outro, procurando-se otimizar de alguma
forma os tempos dos dois lados. Gravar um único disco era uma tranquilidade.
Gravar músicas de diferentes discos, além do trabalho físico, tira um disco,
põe o outro, etc. e tal, implicava em mais um cuidado: a equalização das
faixas, pois alguns discos seriam gravados com músicas, digamos, “mais altas”.
Uma equalização “pedestre”, a dos comuns mortais, era monitorada pelos “VUs
meters” do aparelho de gravação; os ponteiros dos VUs indicavam a frequência
das músicas e a faixa em que elas podiam entrar em distorção. Calibravam-se as
diversas faixas na melhor medida do possível. No entanto, podia acontecer de
ser necessário colocar uma última música cujo tempo ultrapasse o disponível
para gravação. Neste caso, diante de tanto trabalho, para o cidadão que não
quisesse mais arrancar seus últimos fios de cabelo havia o recurso de se
“encurtar” a última faixa pelo processo chamado de “fading out”, isto é, na mão
ia se baixando gradativamente o volume da música de forma a antecipar o seu
final.
Modelo de tape-deck
Outro recurso extremo era cortar
a fita, para editá-la. Quando depois de gravada a fita ficava muito espaço
sobrando, utilizava-se uma técnica proveniente das antigas edições de películas
de cinema: cortava-se o pedaço da fita que estava em branco e tornava-se a colar a parte
gravada. Claro que isto podia ser feito de forma rústica, com tesoura e meio na
raça. Para um bom trabalho era necessário, porém, um aparelhinho especial que
possuía uma trilha onde ficava acomodada a fita a ser cortada e que também tinha
um gabarito em diagonal para o corte, com estilete ou gilete. Uma fita adesiva
especial colava a fita pela parte de trás, a que não era gravada. Não podia ser
fita adesiva comum, durex, porque ela com o tempo endurecia e até podia descolar.
Estes aparelhinhos não eram tão triviais. O meu veio era alemão (desaparecido
após uma reforma no apartamento). Este processo também podia ser aplicado
quando uma fita acidentalmente se rompia. Se o corte coincidisse com uma faixa
gravada, dificilmente o remendo ficaria perfeito.
Depois de tudo isto, ainda havia
um cuidado adicional: os aparelhos de reprodução podiam ficar magnetizados
depois de certo tempo de uso. Era preciso, então, usar um desmagnetizador, um
aparelho especial ligado à energia, em que entre suas duas pinças (veja a
figura abaixo) se formava um campo elétrico, que era aproximado lentamente, aos
círculos, das cabeças magnéticas do toca-fitas. Aproximava-se o mais perto
possível, sem encostar, e depois se afastava o magnetizador do mesmo modo. O
procedimento parecia coisa cabalística.
Desmagnetizador Akai
Finalmente o acabamento:
datilografar o rótulo com o nome da fita, o que podia também ser feito com
letra set (colando-se uma por uma), e datilografar o conteúdo de cada lado da
fita, o que necessitava também de alguma dose de imaginação quando as
informações eram em grande número. As máquinas de escrever, como devem estar
lembrados, não possuíam os recursos dos computadores de diminuir o tamanho das
fontes.
Assim, o que na lembrança de
alguns era apenas uma doce troca de mimos entre namorados e simpatizantes, ao
pé da letra significava um trabalho árduo que envolvia muito sangue, suor e
lágrimas.
A luta continua
Com tantos admiradores
ao longo dos tempos, a fita cassete tem recebido algumas adaptações para
renovar o interesse do mercado. Abaixo são mostrados alguns exemplos, cujo
título descreve a finalidade do gadget, isto é, do produto.
Conversor de fita cassete
para MP3
MP3 no formato de fita cassete
Adaptador no formato de fita cassete para ouvir
iPod no carro
Além disso, o formato da fita pode
servir de capa para celular, para abrigar um pen-drive ou até para servir como
modelo de hub, dispositivo que serve para multiplicar as entradas USB.
Enfim, “o mundo gira e a Lusitana
roda”.
-oO)(Oo-