Silvério da Costa*
Depois de algum tempo no limbo (mais de um ano), mas sem que por detrás disso haja qualquer má intenção ou o propósito de protelar a leitura, li “Cerrado Desterro” (Thesaurus Editora, Brasília, 2008), o primeiro de uma trilogia de Emanuel Medeiros Vieira catarinense da cepa, mas vivendo em Brasília há muitos anos.
Emanuel, grande amigo, apesar de não nos conhecermos pessoalmente, é, para mim, sem demagogia, um dos maiores escritores deste país, principalmente na área do conto e da poesia. Mas esse livro nada tem a ver com tais gêneros. O que tenho em mãos é um livro de memórias (autobiográfico), um painel dramático de parte de sua atribulada vida. São quase 400 páginas para ler e refletir, até porque na página 215, ele faz um PEDIDO, que me parece desnecessário, mas que é justíssimo: pede àqueles que dispuserem a lê-lo, para que o façam por inteiro.
Eu penso, sinceramente, que seria uma falta de respeito não ler o livro de cabo a rabo. Posso assegurar que só tem a perder quem não ler Emanuel Medeiros Vieira.
“Cerrado Desterro” é um livro visceral, que fala das dores físicas e psicológicas carregadas por Emanuel, ao longo dos seus, hoje, 64 anos. É uma viagem que ele faz no tempo, registrando as passagens mais significativas de sua existência.
No fundo, o livro não deixa de ser uma grande ode à vida, ou, se preferirem, uma grande epopéia, porque canta, epicamente, os bons e os maus bocados que lhe couberam como herança do destino.
Esse advogado de formação, mas escritor por opção, mergulha no seu próprio íntimo, para falar da morte, dos que se foram; da traição e do embuste de certos falsos amigos; do terror da perseguição e da prisão, durante a ditadura militar; e do pavor que a “indesejada das gentes” lhe impôs, no leito de um hospital, mostrando-lhe as garras assassinas, que quase o levaram, em decorrência de uma operação na coluna, seguida de uma infecção (e tudo teria ido por água abaixo, se ele não tivesse sabido responder à morte com a vontade de viver). Enfim são depoimentos e reflexões que mexem com a emoção do leitor.
O seu relato tocou-me profundamente, escrito com o silício da mortificação que dignifica os homens de fibra! Os destemidos!
Emanuel Medeiros Vieira, o emparedado entre a vida e a morte, resolveu passar a sua vida a limpo, fazendo uma espécie de acerto de contas com o seu público leitor, e o fez como poucos , em tais circunstâncias o fariam/farão.
Eu sei que o desalento nunca foi a sua praia. Por isso, segue, altivamente, dando o seu recado. Além do mais, continua sendo o grande humanista que sempre foi, e que a posteridade ainda lhe reserve, ainda, muitos anos de vida, para que ela seja testemunha das muitas e inolvidáveis alegrias e exemplos de sabedoria que, certamente, nos proporcionará!
Embora rodeada de abismos, a alma de Emanuel é imensurável, porque portadora da vida vivificada. Parabéns!
*Silvério da Costa é escritor.
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