quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ESPECIALISTA EM SEGUNDO ESCALÃO

Raimundo Tadeu Corrêa

Como nas fábulas, tudo começou quando presenteei um colega com a fita do Elomar, “Das barrancas do Rio Gavião”. Isto foi lá pelo final dos anos 70. O camarada, que conhecia bem nosso panorama musical, tendo mantido no exterior um programa de rádio a respeito, fez um estardalhaço: “que coisa fantástica, como tinha descoberto aquele disco?” Mais do que lisonjeado, fiquei surpreso. Tinha lido alguma coisa a respeito em algum lugar. A receita era simples: para encontrar boas coisas é preciso consultar boas fontes. Aparentemente muitos não seguem a regrinha. À época existia uma cobertura ampla dos lançamentos de discos, como a da revista Somtrês. Atualmente a melhor aposta tem sido por meio dos jornais. O Estadão, por exemplo, é excelente na cobertura de lançamentos.

Até algum momento da década de 80 era relativamente fácil encontrar discos de jovens artistas. Foi quando comprei discos de Cláudio Popó, “Vendedor de vidas”, e Rogério do Maranhão, “Patíbulo” e “Santo de Casa”. Alguém já ouviu falar? A indústria fonográfica apostava em novos talentos de uma forma inimaginável hoje em dia.

Assim, comprando um aqui outro acolá, desenvolvi o gosto pelas novidades e acalentei um sonho que não se concretizou: ter lançamentos de todos os cantos do país, o que foi realizado de forma admirável pelas coletâneas de Marcus Pereira: Música Popular do Sul, Música Popular do Nordeste e Música Popular do Centro-Oeste/Sudeste. Meu projeto, que incluía discos e livros do mesmo Estado, ficou só na intenção.

Apesar de a Internet ter facilitado muita coisa, existe um mercado que está fora da rede, principalmente as manifestações culturais regionais. No processo de busca pelas novidades tive a sorte de contar com várias colaborações. O que me permitiu conseguir, por exemplo, Grupo Acaba - Os Canta-dores do Pantanal, de Mato Grosso do Sul, João Bá, da Bahia, Socorro Lira, de Campina Grande, Elino Julião, do Rio Grande do Norte, e Giovanna Farias, filha de Vital Farias, atualmente em João Pessoa da Paraíba. Ganha-se, afinal, algum conhecimento no ramo.

Quando Roberto Amaral foi Ministro da Ciência e Tecnologia, tive a oportunidade de conviver com José Belizário Nunes, um dos seus assessores. Belizário era o principal redator dos discursos do ministro. Nesta tarefa era de uma tão grande concentração que ignoraria até alguma hecatombe nuclear porventura ocorrida no prédio vizinho. No entanto, nas horas de distensão, de relaxamento, era um sujeito de uma cordialidade extraordinária. Conhecia quase todo o território brasileiro, além de possuir uma boa discoteca e uma invejável coleção de livros de poesia, cronista e poeta bissexto que era. Graças aos seus hobbies consegui, entre inúmeros outros títulos, um grande disco de Chet Baker, “Let’s Get Lost” . Tive também a oportunidade de ler e até mesmo conhecer vários livros dos nossos poetas, como José Chagas, do Maranhão, e Mauro Mota, de Pernambuco: “Ó prematuras mulheres, / fostes, na velocidade / dos jeeps, às garçonnières / da Praia da Piedade” (“Boletim Sentimental da Guerra no Recife”, in “Elegias”, de 1975). Belizário enriquecia o empréstimo com comentários literários, além de relatos da convivência que teve com um e outro. Costumava dizer que a cultura inútil era muito útil para animar reuniões sociais.

De sua parte, gostava de meus “causos” e da movimentação que fazia para conseguir discos daqueles artistas desconhecidos. Um belo dia resumiu tudo em uma exclamação: “mas você é um especialista em segundo escalão”!
A amizade perdurou, mesmo após sua saída do MCT. Grande contador de histórias, Belizário foi finalmente chamado pelo Altíssimo. Certamente para ajudar a entreter aqueles espíritos pios que, em meio a constantes louvores ao Senhor, ainda têm uma eternidade pela frente.

Por ocasião da missa de 7º dia em sua memória, a família distribuiu um folhetinho que reproduzia , de um dos seus textos, um legado comportamental:

Ao amigo camarada: que tenha muitos natais, viva cinco ou seis mil anos – se puder, um pouco mais; vote em muitas eleições, brinque muitos carnavais, acampe em claras planícies e vales imperiais; tenha roçado e fazenda, muitas frutas tropicais, armada, cavalaria, castelos medievais, dezenas de anéis nos dedos, de variados metais, muito dinheiro no bolso e objetos pessoais, seu retrato nas revistas, entrevistas nos jornais; que tenha uma sogra só, pois uma já é demais; brigue em briga de boteco, porém, na guerra, jamais; que tenha sortes constantes e azares eventuais, pois é próprio deste tempo ter os dias desiguais; que implante mil plataformas em mares fundamentais; curta bem sua poesia, sua paz, sua alegria, seus recursos naturais.

Belizário falou e disse.

2 comentários:

Rosamaria disse...

Não conheço nenhum dos que falaste, Raimundo. Como já te disse, admiro tua cultura, tanto literária, quanto musical.

Belisário falou e disse!

Feliz Aniversário!

Abraços.

Unknown disse...

OI! RAIMUNDO,

Amei demais o folhetinho destribuido por ocasião da missa de sétimo dia