domingo, 22 de janeiro de 2012

SOBRE LIVROS: TRÊS AUTORES, TRÊS CULTURAS (Parte II)

A sombra do vento

Presente recebido de quem sempre se caracteriza pela alta qualidade na escolha de seus mimos, “A Sombra do Vento” é um livro para quem gosta de livros. A história de Carlos Ruiz Zafón, publicada pela Suma de Letras, se desenvolve em torno de livros, tendo como pano de fundo um Cemitério dos Livros Esquecidos. Este provavelmente está ancorado na idéia de Biblioteca Universal, de Jorge Luis Borges, que também serviu de inspiração para “O nome da rosa”, de Umberto Eco, onde o bibliotecário cego é uma referência explícita a Borges.
A Sombra do Vento
“A sombra do vento” é um excelente livro! Como narrativa, o melhor dos aqui apresentados. Daqueles de começar a ler e não se querer mais largar. Mas, como todo mundo tem suas necessidades básicas, em algum momento tem que largar, afinal são quase 400 páginas de suspense e ação que se renovam constantemente. Praticamente uma surpresa a cada instante. Um livro de ação, portanto. É uma grande dica para presente, desde que não seja para alguma freira da ordem das Carmelitas, ou de qualquer outra ordem.
Suas histórias passam-se na Espanha autoritária da primeira parte do século XX. Quando as restrições das famílias à liberdade das mulheres eram imensas. Em contrapartida, as transgressões também. As consequências destes atos duravam uma vida inteira. Ao final o amor sempre vence. Ou melhor, ao final às vezes o amor consegue vencer.
Las teorías salvajes

O livro de Pola Oloixarac é de 2008, o mais recente dos três, publicado pela Editorial Entropía. Primeiro livro da autora, que “estudou Filosofia na Universidade de Buenos Aires”. Certamente por isto também é apresentado como um “romance filosófico”. Desconfio que esta classificação seja um modismo, aplicável a qualquer obra que não seja do tipo maria-ama-joão. 
 
Las teorias salvajes
Para melhor leitura do livro utilizei um artifício. A gente costuma achar que ler em espanhol é barbada. Aí começa a tropeçar aqui, logo em seguida ali, e assim por diante. Consultar dicionário com muita frequência corta o ritmo da leitura. Assim, como o livro foi presente de minha filha, após uma viagem à Argentina, sem custo, portanto, optei por comprar a versão em português, “As teorias selvagens”, publicada pela Benvirá. Deste modo era mais fácil resolver dúvidas, porque o termo a pesquisar estaria traduzido de acordo com o contexto da frase. Infelizmente a tradução é muito singela, muito ao pé da letra, sem interpretação, o que acaba “matando” algumas passagens. Em casos de grande dúvida o tradutor optou por manter os termos no original, chegando a cometer barbarismos, como traduzir “lenguas romances” por “línguas romances”, quando o certo seria “línguas romanas” ou, melhor ainda, “línguas românicas”, as derivadas do latim, a língua romana propriamente dita. A editora deve ter economizado no serviço de tradução, e isto certamente contribuiu para que a versão portuguesa da obra não tenha emplacado, apesar de o livro já ter sido traduzido para o francês, holandês, finlandês e italiano.

Pola Oloixarac esteve no Brasil em 2010, na FLIP – Festa Literária Internacional de Parati. Veio meio adoentada e, apesar de ser um tipão, teve participação discreta. Em uma entrevista queixou-se do tratamento recebido pela imprensa do seu país. Logo após o lançamento de seu livro surgiram conjecturas de que seu nome fosse um pseudônimo, sendo o autor alguém do sexo masculino. Sinal de que os hermanos também têm lá os seus preconceitos. Afastada a suposição, a imprensa passou a centrar a abordagem em cima de o fato dela ser bonita. Ela novamente se injuriou. Tal como aqui, os hermanos devem acreditar que mulher bonita não pode ser inteligente. Pola Oloixarac possui dois blogs, um deles dedicado a orquídeas. Mas o seu perfil apresenta informações pouco esclarecedoras.



Pola Oloixarac
Dos três títulos aqui mencionados, este é o de leitura mais difícil, comentário que, espero, não desanime ninguém. O livro é uma sátira à academia, um sistema falido com professores desinteressados em um ambiente de decadência institucional, o que não parece ser exclusividade argentina. Tudo isto vivido por uma juventude com os hormônios em altíssima ebulição. Ela ironiza de forma mais contundente os trabalhos de antropologia e suas típicas e curiosas tribos indígenas.  Além disto, os livros sobre guerra – Sun Tzu, Carl von Clausewitz – são algumas de suas predileções, ao lado de uma imensa galeria de clássicos da filosofia. Afinal, com ela diz, “la filosofia es el playground de Satán”. E mais: “es sabido que la experiência del terror em plena noche es essencial para uma comprensión cabal de la filosofia política”. O ponto alto do livro está justamente nestas reflexões, uma espécie de “viagem” da narradora.

Quem já passou pelo efervescente ambiente universitário provavelmente vai sentir, ao longo da leitura, alguma nostalgia por aqueles anos loucos.

Para encerrar, um registro banal: a gatinha da narradora se chama Montaigne Michelle. Este costume de batizar os felinos com nomes de referência literária ainda não chegou a nossas plagas.  Acho que não perdemos por esperar.

-oO)(Oo-

Um comentário:

Marina disse...

Infelizmente não tive a oportunidade de ler nenhum destes livros mas, pelo que dizes, devem ser boas leituras.
Se continuas assim,te tornarás um excelente crítico literário.