quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

SOBRE LIVROS: TRÊS AUTORES, TRÊS CULTURAS (Parte I)

Sem que tivesse sido planejado, calhou que li na sequência três livros de autores alienígenas. O que não quer dizer, se isto fosse possível, que tenha lido autores marcianos, venusianos, etc., apenas autores de fora de nosso país, pois o significado original da palavra alienígena é simplesmente estrangeiro. Li, pela ordem, “A elegância do ouriço”, de Muriel Barbery, francês, “A sombra do vento”, de Carlos Ruiz Zafón, espanhol, e “Las teorías salvajes”, de Pola Oloixarac, argentina.

Sobre cada um deles farei pequenos comentários, minhas impressões pessoais. Nada, porém, que se aproxime de uma crítica literária. Para isto, quem tiver maior interesse seguramente estará melhor servido por uma consulta via Google.

A elegância do ouriço

Dos três títulos mencionados, este é o único que pode ser lido sem ressalvas por religiosas de convento. O que, espero, não lhe desmereça. Até chegar à sua leitura tem uma historinha no meio. Por um certo período tive como colega de trabalho um jovem de grande inteligência, formado em psicologia, com ênfase em relações humanas no trabalho. Em função de nosso ofício, uma ouvidoria pública, conversávamos bastante sobre assuntos relacionados à atividade, com digressões sobre temas como, por exemplo, a teoria de Carlos Lombroso. Isto, naturalmente, dentro de uma perspectiva lúdica. Suponho que ninguém acredite que levássemos a sério considerações de vertente lombrosiana. Curiosidades a respeito desta interpretação também podem ser sanadas por meio do Google.
Emprestei ao colega “Quando Nietzsche chorou”, de Irvin D. Yalom, que, aliás, é um livro excelente. Pois bem, vida que segue e o colega foi transferido para Curitiba. Para lá ia eu participar de um simpósio. Pareceu-me apropriado levar-lhe outro livro como lembrança. Pelo meu pouco conhecimento da área, pedi a uma colega que solicitasse à sua analista uma indicação na mesma linha do livro sobre Nietzsche.  A sugestão foi “A elegância do ouriço”, publicado pela Companhia das Letras. Mesmo me sentindo desconfortável por ter de recorrer a terceiros, ainda mais terceiros desconhecidos, comprei o livro, afinal o tempo era curto, e o levei como presente.
O desconforto agora era por ter presenteado com algo que eu desconhecia por completo. Ficou por isto mesmo até que descobri que minha filha tinha recebido o referido título, por conta de uma corrente de troca de livros usados via internet. Finalmente, portanto, surgiu a oportunidade para matar minha curiosidade.
A elegância do ouriço
Para começar, não se tratava, como eu imaginava, de um “romance psicológico”. O material de divulgação dizia claramente tratar-se de um “romance filosófico”. Enfim, como não se ganha sempre, fui em frente.
Diz-se que em literatura se alcança o universal pela excelência no tratamento local. É o caso. O livro fez muito sucesso na França, certamente porque descreve situações essencialmente francesas. Tal como num reality show, o cenário é um prédio de apartamentos de luxo. Onde se desenvolvem duas histórias paralelas: a de uma adolescente, que logo no início de seu diário estabelece a data em que pretende se suicidar, sem que isto altere um milímetro do seu comportamento nem do seu humor; e a de uma improvável concierge, a zeladora do prédio, instituição tipicamente francesa. Há décadas que os moradores do prédio são os mesmos; quando morre alguém o apartamento passa para o herdeiro e tudo segue como dantes. Isto muda quando, após a morte de um morador sem herdeiros diretos, o apartamento é colocado à venda. O comprador, um japonês, desperta evidente curiosidade, principalmente por vir de uma cultura exótica. A maior expectativa, no entanto, é se ele teria algum gato. O que, para alívio geral, se confirmou. Estes gatos franceses, presentes em todos os apartamentos, não eram triviais. Não tinham nomes comuns de gatos. Os nomes eram escolhidos entre personagens da literatura, especialmente a dos grandes escritores russos, e da filosofia. O que demonstrava as afinidades eletivas de seus donos. Para não estragar a surpresa, só lendo o livro para saber porque a figura da concierge era improvável. E para conhecer também o nome que ela deu a seus gatos.
O japonês promoveu uma reforma geral no seu apartamento, a primeira em toda a história do prédio, que foi acompanhada com vívido interesse. A admiração pela cultura japonesa está presente em todo o livro. É interessante verificar como ela é admirada no mundo ocidental, principalmente nos inúmeros filmes americanos que apresentam referências nipônicas explícitas.
Enfim, o tema central é o grande drama humano de quem vive muito abaixo de suas possibilidades. Quando finalmente vislumbra uma tentativa de redenção, é soterrado por uma tragédia ainda maior. Mas, se cai uma árvore aqui, logo ali uma nova muda começa a florescer. E a vida segue seu curso.

-oO)(Oo-

Um comentário:

Marina disse...

Não conheço o livro, mas pelo que dizes, parece bem interessante. Ainda bem que o presente a teu ex-colega deve ter lhe agradado. Difícil se dar de presente um livro, que não se conhece mas, às vezes, as circunstâncias nos levam a fazê-lo.