sábado, 24 de setembro de 2011

TEORIAS SELVAGENS (Bagé – Parte VI)


(“Teorías Salvajes”, livro do qual foi extraída a epígrafe abaixo. Buenos Aires: Editorial Entropía, 2008.)


Un hombre con una teoría es alguien que tiene algo por gritar.
Pola Oloixarac


Botando os pingos nos iis

Mesmo que o distinto leitor não tenha um interesse especial por questões relacionadas ao movimento estudantil, talvez até por ter vivido em outros tempos, quando estas coisas já eram história, suponho que as informações que se seguem tenham sua utilidade, quanto mais não seja por relembrarem um momento significativo da vida política brasileira.


O CPC da UNE

O começo dos anos 60, do ponto de vista dos movimentos estudantis, foi marcado pela atuação do CPC da UNE – Centro Popular de Cultura. Criado em 1962, de acordo com a descrição de Manoel T. Berlinck “o CPC era o órgão cultural da União Nacional dos Estudantes, regendo-se com autonomia administrativa e financeira. A sua direção era eleita (e poderia ser dissolvida) pela Assembléia Geral de seus membros e a filiação ao CPC era feita em bases individuais. Nesse sentido, pode-se dizer que o ‘CPC da UNE’ nunca pertenceu À União Nacional dos Estudantes: era uma organização administrativa e financeiramente autônoma. Porém, ao mesmo tempo, era o órgão cultural da UNE”.

Integrado por intelectuais de diversas áreas, o CPC desenvolveu atividades de teatro, cinema, música e literatura. A principal orientação do CPC era produzir a chamada “arte popular revolucionária”. Seu documento-base, nunca publicado, é o “Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura”, de março de 1962, que pode ser encontrado no livro “Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/70”, de Heloisa Buarque de Hollanda. Todavia, dois outros trabalhos explicitaram seu referencial teórico:  “A questão da cultura popular”, de Carlos Estevam Martins, e “A cultura popular posta em questão”, de Ferreira Gullar; ambos, mais Carlos (Cacá) Diegues, foram os diretores do CPC em sua curta trajetória.
 
Integrantes do CPC da UNE, encenando uma peça de teatro na sede do sindicato dos metalúrgicos (RJ), onde estava em andamento a Revolta dos Marinheiros. 25/26 de março 1964. (CPDOC/FGV/ R47 Cruzeiro, vol.36, n.28, abr 1964)

Um exemplo de como a atuação do CPC da UNE foi marcante é que o único filme que produziu, Cinco vezes favela, de 1962, considerado um dos marcos do Cinema Novo Brasileiro, teve uma refilmagem recente, sob a coordenação geral de Cacá Diegues, apresentada em agosto de 2011 com o nome de Cinco Vezes Favela, Agora por Nós Mesmos.

Embora uma consulta ao Google apresente muitas referências a respeito, para quem quiser consultar apenas uma fonte, um apanhado geral e sucinto do que foi o CPC encontra-se em “CPC da UNE”: http://forumeja.org.br/book/export/html/1720. No site é possível fazer o download na íntegra do livro de Manoel T. Berlinck, citado acima, bem como dos outros trabalhos mencionados, além do acesso a depoimentos gravados e diversas informações a respeito de obras sobre e do CPC, incluindo-se a publicação Violão de Rua e o disco O Povo Canta. Estas duas últimas referências foram as atividades com as quais o movimento estudantil do interior teve maior aproximação.

Violão de Rua


A pequena série de três volumes do Violão de Rua foi uma derivação da série maior Cadernos do Povo Brasileiro, editada pela Civilização Brasileira, de Enio Silveira. Quem tiver interesse em conhecer melhor esta história, leia a tese de doutorado de Angélica Lovatto: “Os Cadernos do povo brasileiro e o debate nacionalista nos anos 1960: um projeto de revolução brasileira”. Disponível para download no site Domínio Público do MEC:  

A coleção Cadernos do Povo Brasileiro consistiu de 28 volumes, incluídos os três do Violâo de Rua, e foi publicada no período de 1961-64. Sua interrupção, quase que desnecessário dizer, foi por conta do governo militar. Os Cadernos possuíam linguagem simples e destinavam-se à população em geral. Estima-se que a tiragem total de seus exemplares tenha ultrapassado a marca de um milhão de exemplares. Estas publicações destinavam-se a contribuir para o processo de transformação da sociedade brasileira por meio da conscientização da massa popular. A grande propagação da coleção deveu-se ao empenho do CPC da UNE em sua divulgação.

A publicação do Violão de Rua era um produto da chamada arte engajada. Sua Nota Introdutória, redigida por Moacyr Félix, explicava: “Guiada por um critério acentuadamente político-social, e que não exclue a validade de outros critérios achados nos caminhos da poesia e da arte, a publicação desta série de poemas visa apenas realizar a apresentação de alguns esforços e de algumas tentativas aptas a provocar e estimular um clima propício ao aparecimento ou ao renascimento de uma literatura que responda ao seu tempo, universalizando-se fatalmente, em suas criações maiores, por não se querer mais de costas voltadas para a realidade e para a vida”.

Grandes nomes da poesia brasileira participaram do Violão de Rua: Affonso Romano de Sant’Anna, Ferreira Gullar, Geir Campos, Joaquim Cardozo, Moacir Felix e Reynaldo Jardim, entre outros. Abaixo, dois pequenos fragmentos, ambos do volume II:

COME E DORME
(...)
O rico come e dorme.
O rico dorme e come.
Come a comida do pobre.
O pobre dorme com fome.

A fome come o pobre
porque a fome não dorme.
O rico diz: foi Deus.
Depois, com e dorme

O sono cristão: enorme.

Felix de Atahyde


QUE FAZER?
(...)
A revolução floresce
na minha, na tua mão,
que nada há mais que a detenha
- nem polícia nem bloqueio
nem bomba nem “Lacerdão” –
que ela assobia no vento
e marcha na multidão,
ilumina o firmamento,
gira na constelação

- porque já foi deflagrada
no meu, no teu coração.

Ferreira Gullar


Senzala Branca

No interior do Rio Grande do Sul o movimento estudantil estava distante das iniciativas da Capital, sintonizadas com as da UNE.  Além do mais, a temática nordestina, histórias sobre grileiros, favelados, tudo isto estava um pouco distantes da vida cotidiana e da cultura do sul. Neste período, a poesia gaúcha ficou ao largo da possibilidade de atrelamento ideológico. Pode-se considerar uma exceção o poeta Lauro Rodrigues, que, além de jornalista e radialista, foi vereador em Porto alegre e deputado federal pelo RGS. Em 1958 ele lançou sua obra mais conhecida, Senzala Branca, onde surgiam aqui e ali algumas tintas sociais. A principal destas poesias foi a que deu nome ao livro: Senzala Branca.
   

O tema central de Senzala Branca trata da situação de pobreza galopante (perdão, leitores) tanto do Rio Grande quanto do Brasil:  “A guerra é de doutrinas... Vem! Desperta / que os dias do porvir serão vividos... / Pois, pressinto na fome de meu filho / que um vulcão de revolta aclara o trilho / por onde segue a procissão dos pais... // Mas não tarda que a aurora do futuro / tinja de escarlate o céu escuro / dos párias desta estância abandonada... // E, então, o marco de uma nova era, / surgirá num ermo da tapera / para que o povo todo num só grito, / possa bradar da Terra ao Infinito: ALELUIA!... ALELUIA!... ALELUIA!...” Na época, eu sabia esta poesia inteira de cor, que não é tão pequenininha assim. Até hoje sei vários fragmentos. E isto que não era daquelas que a gente decorava só para impressionar mulher... Mas, Lauro Rodrigues também era muito bom nas poesias nativistas.

O Povo Canta

Meu xodó entre os produtos do CPC era o jogral da Canção do Subdesenvolvido, de Carlos Lyra e Francisco de Assis, faixa principal do disco O Povo Canta, um vinil compacto de 33 rpm. Escute abaixo.

CPC da UNE – “Canção do Subdesenvolvido”

No meio do caminho tinha uma pedra...

Com exceção de algumas expectativas e tentativas, como ir para o seminário ou ingressar no Colégio Militar, não tive qualquer pressão da família sobre a escolha do curso superior. Mas, do meu mato não saia coelho, estava em uma total e absoluta indefinição sobre o futuro profissional. Durante o curso científico realizado em Bagé, a professora de Matemática, Silvinha, me perguntou umas três vezes que carreira eu iria seguir, pois, segundo dizia, eu era o único na turma com este tipo de dúvida. Preocupado, procurei a Profa. Terezinha, de História, em busca de um conselho. Após a consideração de diversas conjecturas e respectivas refutações voltamos à estaca zero. Resultou sendo minha única tentativa formal. A participação no movimento estudantil, e a consideração a sério de suas bandeiras de justiça social, acabaram sendo os fatores determinantes para a minha decisão. Coisa de missionário, certamente com a anuência do Altíssimo.

Acabei escolhendo a carreira por meio de um livro: “As vocações e como descobri-las”, do psicólogo Emilio Mira y López, o qual sugeria que as pessoas interessadas no conhecimento dos processos sociais e que desejassem colaborar para a solução dos grandes problemas do país deviam realizar um curso de Sociologia, o que no catálogo da UFRGS correspondia a Ciências Sociais. Feita a escolha, nem sempre era muito fácil justificá-la. Aliás, no meio em que vivia nunca era fácil. As pessoas normais, com bom senso, estavam acostumadas a considerar somente as carreiras tradicionais, como engenharia, medicina, e manifestavam alguma estranheza com o que achavam um delírio. Em Lavras, um colega me perguntou para o que servia o curso. Já meio cansado com longas explicações, resolvi encurtar o caminho e disse que o curso me habilitaria a ser colunista social. O colega me olhou com um jeito meio apalermado e só conseguiu fazer um curto comentário: “ah...”

Enfim, fui para Porto Alegre realizar o último ano do curso científico com pelo menos a certeza sobre o tipo de vestibular que iria prestar.


-oO)(Oo-

sábado, 17 de setembro de 2011

MOCIDADE SE ESPALHA MUITO (Bagé – Parte V)

(O título é retirado de “O vau da vida”, de Ariosto Augusto de Oliveira. São Paulo: Nankin Editora, 2004.)


Política estudantil
 
Do mesmo modo como praticamente todo mundo de minha geração, também participei do movimento estudantil. Para os eventuais leitores interessados em sangue, prisões, torturas, etc., cabe alertar que estas coisas somente vieram a acontecer alguns anos depois. Além disto, minha participação na época foi muito periférica, sem nenhum detalhe escabroso. Ao contrário, talvez os relatos aqui feitos estejam mais adequados para uma coletânea crítica sobre o Pequeno Príncipe. No entanto, para quem quiser aprofundar-se no assunto sugiro consultar a extensa bibliografia indicada no site Memória do Movimento Estudantil: 

Um relato recente e muito interessante de quem teve participação mais ativa é o texto “Rakudianai”, de Persio Arida, publicado na Revista Piauí nº 55, abril de 2011.

A União Bageense dos Estudantes Secundários – UBES, estava ligada à União Gaúcha dos Estudantes Secundários – UGES, esta, por sua vez, ligada à outra UBES – União Brasileira de Estudantes Secundários. As principais orientações, contudo, vinham da entidade que  congregava os universitários: a União Nacional dos Estudantes – UNE.


O movimento estudantil sempre serviu de trampolim político. Para dar alguns exemplos atuais: José Serra, Aldo Rebelo e Lindberg Farias foram dirigentes da UNE. A carteirinha aí de cima foi assinada por Aluizio Paraguasssu Ferreira, presidente da UGES. Posteriormente, Aluizio Paraguassu foi eleito deputado estadual no RGS, pelo MDB, na legislatura de 1971-1975, e deputado federal (MDB/PDT) nas legislaturas de 1975-1979 e 1979-1983.

A participação nos grêmios e associações estudantis foi muito útil, não só para mim como também para vários colegas. Como estávamos longe da família, a experiência representou a complementação de um processo educativo para as coisas da vida. Aprendemos bastante: como administrar os recursos das carteirinhas estudantis, como tratar de questões como aluguel da sede e seu pagamento, etc. e tal. Mais adiante aprendi coisas até inesperadas: como ajeitar-se nas cadeiras para agüentar as intermináveis reuniões e congressos (muito embora a sugestão fosse daquelas de enfartar ortopedista) e como descansar o corpo quando necessário acompanhar em pé cerimônias longas, a exemplo de discursos e do hasteamento da bandeira nacional. Este último macete aprendi com o filho de um ex-prefeito, que o aprendeu com seu pai.

Na calada da noite

Naquele entusiasmo juvenil resolvi participar de uma panfletagem clandestina. Colar alguns cartazes. Sobre o quê, não lembro. Provavelmente alguma campanha para eleição no grêmio estudantil. Eu e outro colega recebemos um curso intensivo de uns 10 minutos. Basicamente duas recomendações: não colar apenas um cartaz no poste, mas vários; no caso de faixa estendida ao ar livre, colocar alguns furos para favorecer a passagem do vento, caso contrário o vento poderia embolsar e rasgar a faixa.

Na noite escolhida lá fomos nós subindo a Av. Sete de Setembro, a principal de Bagé. Eu estava com um terno de risca de giz. Talvez fosse o mais escuro de que dispunha, talvez a noite estivesse meio fria, talvez pelas duas razões. Além do mais, por não ser um figurino típico de panfletário não deveria despertar suspeitas. Meu colega levava os cartazes e eu uma lata tampada cheia de cola. Primeiro tivemos a surpresa de ter termos escolhido a hora errada. Embora de noite, não estávamos na calada da noite, mas à luz da iluminação pública, e o que era para ser um deslocamento subreptício estava sendo feito no meio de muita gente, porque coincidia com a hora de saída dos cursos noturnos. Depois, percebi que muitos dos que passavam olhavam para mim meio espantados. Lá pelas tantas descobri o por quê. A tampa da lata estava meio aberta e a cola escorria pela perna da minha calça, chamando atenção pelo contraste: cola branca em roupa escura. Resumindo: minha primeira e última tentativa de panfletagem clandestina foi um fiasco completo.

A galinha Filomena

Como ninguém é de ferro, estávamos na sede da UBES jogando conversa fora quando passa um caminhão e deixa cair uma galinha. Na mesma hora fomos atrás e conseguimos pegá-la. O senhorio do prédio da entidade concordou em cuidar dela. Por votação, o galináceo recebeu o nome de Filomena. Compramos milho durante duas semanas, para que ganhasse peso. Após o que ela se converteu em uma divertida galinhada para nossa pequena diretoria.

A participação em entidades de representação estudantil



A participação na política estudantil era incentivada pela Igreja Católica, em especial por meio da JEC – Juventude Estudantil Católica e da JUC – Juventude Universitária Católica. Assim, era quase mandatório circularmos com a encíclica Mater et Magister, de João XXIII, debaixo do braço, cujo subtítulo era “A evolução da questão social à luz da doutrina cristã”. A Mater et Magister foi lançada em 1961. O importante não era, obviamente, ter lido a encíclica, mas tê-la como objeto físico. Inclusive por ser o pretexto para as longas conversas intelectualizadas com as colegas mais engajadas. Conversas intelectualizadas e frequentemente cansativas. No começo da década de 60 era comum que o rapaz fosse recebido do lado de fora da casa e que ali ficasse em papos intermináveis. Em pé. Não era, porém, uma regra inflexível. Um dos convites que recebia para entrar e sentar era de uma colega que não queria saber de política, a filha de um grande fazendeiro, que morava em um palacete. Era uma nativista, antes que isto virasse moda, e me tratava por um “tche” tão vigoroso que me deixava até meio assustado.


Os encontros das associações

Como era próprio do relacionamento entre as entidades estudantis, participávamos de alguns encontros fora da cidade sede, regionais e estaduais. Nos encontros regionais tive uma boa experiência e outra nem tanto assim. A boa foi um encontro realizado na cidade do Rio Grande, onde a associação local recebeu os participantes com pompa e circunstância. O ponto mais alto da visita, considerado pelo lado das satisfações vitais de qualquer indivíduo, foi um excepcional almoço oferecido pela Pescal, uma empresa pioneira no congelamento de pescados. O cardápio era uma demonstração das imensas possibilidades culinárias dos frutos do mar e fazia parte das atividades de marketing da empresa. Curiosidade: na época já conhecia o termo marketing, que, segundo o Houaiss, foi justamente no início dos anos 60 que tornou-se de uso corrente no Brasil; vem do latim "mercatus", que significado negócio, mercado.  

O encontro menos glorioso foi em Santana do Livramento. Como as entidades estudantis locais não dispunham de telefone, a comunicação entre elas era feita por telegrama. De modo que na véspera da data aprazada nossa delegação partiu de trem para Livramento. Esta variante da linha férrea foi posteriormente desativada no trecho entre Livramento e Dom Pedrito.  Porém, ao chegarmos em Livramento fomos informados de que o encontro tinha sido cancelado. O telegrama comunicando a suspensão do encontro, como não era de se estranhar muito naqueles tempos, chegou depois de nossa partida. O jeito foi voltarmos no trem seguinte. Apesar do transtorno, entendemos a situação. Não era fácil promover um encontro que congregasse muita gente. Além da questão das refeições, era necessário prover dormitórios e colchões, estes últimos quase sempre solicitados junto a quartéis. 

  

As canções revolucionárias e a inocência

Mesmo sem estarmos vivenciando os anos de chumbo, algumas nuvens negras já começavam a surgir nos céus. Naquele entusiasmo juvenil, nem tudo era considerado na devida proporção. Assim, por exemplo, jovens risonhas e simpáticas cantavam com o maior entusiasmo um versinho revolucionário: “sabãozinho, sabãozinho / de burguês gordinho / toda vil reação / vai virar sabão”. Seguramente a melodia fácil e o apoio do grupo mascaravam o sentido real dos versos, que ao pé da letra não tinham nenhuma inocência.

Outra comprovação da singeleza cordial desta época está estampada na foto abaixo, que reproduz frente e verso da pasta do XVI Congresso Estadual dos Estudantes de Grau Médio do Rio Grande do Sul, realizado no Alegrete, em julho de 1962.



Tal qual álbum das meninas, era costume deixar-se uma mensagem para o colega. Minha pasta, como pode ser visto, ficou repleta de dedicatórias, manifestações típicas de corações juvenis para os quais o mundo inteiro ainda estava por ser conquistado. Algumas das frases e dedicatórias legíveis, conservadas graças ao fato de terem sido redigidas com caneta tinteiro:

  • “Quando estiveres longe lembra-te que tens uma amiga em Alegrete” (Vivalda Ferreira)
  • “Deixo uma recordação da amiga e congressista” (Leila Maria Teixeira – Lavras do Sul)
  • “Ao Raimundo deixo minha amizade e recordação do XVI Congresso” (Daguimar Monteiro – Lavras do Sul)
  • “Aqui fica uma recordação de um velho amigo e companheiro de bancada e diretoria, que esta ficará gravada para sempre” (Gilberto Lima)
  • “Ao colega e amigo Raimundo uma recordação do Congresso de Alegrete” (José Artur Vivian)
  • “Raimundo, os piores momentos são aqueles que nós duvidamos de nós mesmos” (Madalena Moreira)
  • “És o que és” (Vera Maria Ramires- Bagé)
  • “Raimundo, luta pela tua autenticidade, és um tijolo insubstituível das paredes da nossa sociedade” (Girley)
  • “Uma recordação para que o amigo sempre recorde-se da turma mais unida do Congresso – Jaguarão, Bagé, Arroio Grande” (Verdi)

Outras assinaturas na pasta, que foi possível identificar: Aluizio Paraguassú Ferreira (Presidente da UGES), Carlitos Oliveira (Presidente da UBES), Marilia Loguércio (Bagé), José Cláudio da Silva (Arroio Grande), Ciro Loureiro Rocha (Alegrete), Astolfa Conceição Lages (Arroio Grande), Gilberto Nunes (Jaguarão), Léa Silva (Bagé), Rosa Maria Carraro (Garibaldi), Luiz Moreira Gonçalves (Jaguarão), Jaime Primo Dias (Jaguarão), Lelande (Alegrete), Mário Teixeira (Lavras do Sul), Madalena Niederauer Dias (Alegrete), João Pedro Vidal (Herval do Sul), Dilza Terezinha Goulart Lopes (Alegrete) e Estivalet Brandolf (Alegrete).

Por onde andará este povo?  Um ou outro já terá ido ao encontro do Criador? Será que, por estes milagres que a Internet propicia, alguém terá a oportunidade de ler estas notas e de se reconhecer nestas lembranças?

Pois isto!

-oO)(Oo-

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

NO MEIO DOS JUNCAIS SURGIAM PATOS BAGUAIS (Bagé - Parte IV)



EPISÓDIOS DO COTIDIANO


A trilha sonora da vida em Bagé vinha das rádios. A cidade tinha duas emissoras, a Rádio Difusora e a Rádio Cultura. Dos municípios próximos recebíamos o sinal da rádio de Aceguá e da Rádio Upacaraí, de Dom Pedrito. Mas as novidades musicais vinham mesmo das emissoras porteñas: além da rádio de Melo, no Uruguai, as emissoras argentinas principalmente, como a Rádio Belgrano, de Buenos Aires. Até a propaganda das rádios se incorporava ao nosso cotidiano: como o célebre bordão “chiquititas, pero cumplidoras”, das Pílulas de Vida do Dr. Ross, um laxante. Por conta desta proximidade, o bolero “Alma, Corazón y Vida”, de grande sucesso no Brasil, foi primeiro sucesso em Bagé, tocado por todos os conjuntos musicais, só depois chegando a Porto Alegre e, finalmente, a Rio e São Paulo, quando então alcançou os primeiros lugares das paradas musicais.

Quase 50 anos depois não houve muita mudança nesta situação, típica de regiões fronteiriças. Ao falar sobre o lançamento do disco “Hermanos irmãos” (O Globo, 16/08/2011), que traz canções da região Centro-Oeste, com influências da música paraguaia junto com a tradição dos violeiros de Mato Grosso do Sul, diz Rodrigo Teixeira, um dos responsáveis pelo disco: “Sei que nas grandes cidades litorâneas a música em espanhol não chega muito, mas para nós é normal, convivemos com os paraguaios e pessoas de outros países sul-americanos diariamente”.


Igreja Nossa Senhora da Conceição: a imagem veio de Concepción, em 1870,
presa da Guerra do Paraguai


A experiência na Rádio Difusora de Bagé

Por conta de uma crônica que foi premiada no Colégio Estadual, fui convidado a apresentá-la na Rádio Difusora. Logo em seguida o convite se estendeu para ocupar um espaço dedicado aos estudantes. Devo ter produzido mais umas duas ou no máximo três crônicas. Todas com o senso de justiça sobre os problemas do mundo que qualquer adolescente tem, com absoluta convicção de que se tratava da última verdade sobre o assunto. Felizmente percebi que aquilo não tinha futuro, meu conhecimento dos mistérios da vida ainda era muito incipiente. Optei por ocupar o espaço com a apresentação de notícias sobre o movimento estudantil. Encerrada esta etapa, fui convidado a fazer um estágio informal na rádio (isto é, sem remuneração), monitorado por um dos seus locutores. Resultou sendo uma experiência interessantíssima: trabalhei em dois setores, a organização do horóscopo diário e a preparação de notícias.

A primeira tarefa era simplíssima. A rádio dispunha de um fichário com vários prognósticos. Minha tarefa era semelhante a de embaralhar cartas de baralho: simplesmente passava uma fichinha de um signo para outro. Sugeri dar uma atualizada nas previsões mas não concordaram. Acho que o pessoal da rádio achou que eu pudesse ter uma imaginação delirante, assim melhor não. O padrão das previsões é basicamente sempre o mesmo. De outra parte, ninguém reclamava do “truque”, provavelmente não se davam conta, pois todo mundo só presta atenção no seu próprio signo.

A segunda tarefa era mais trabalhosa. Tratava-se de preparar as notícias que a rádio divulgaria. Naqueles tempos a coisa era bem pedestre:  as informações meteorológicas eram buscadas na  Rádio Nacional de Montevidéu, e as notícias nas rádios do Rio e da Argentina. Depois de copiadas à mão (e tinha que ser rápido porque não havia possibilidade de replay), eu datilografava fichas com as notícias, sempre começando do mesmo modo que as agências noticiosas: “Londres”, “Paris”. A dificuldade da tarefa era maior por conta das condições de recepção do sinal. A escuta frequentemente era precária e exigia atenção. Foi aí que aprendi a não subir o volume. Ao contrário, com o som baixo era possível ouvir melhor. Incorporei esta lição para o resto da vida. Que acabou reforçada no Piauí, quando o meu orientador para assuntos musicais, o maestro Emílio Terraza (argentino professor da UnB e que esteve em Teresina por um bom tempo), recomendava a mesma coisa. O Prof. Terraza tinha uma aparelhagem de som fantástica, mas quando precisava resolver uma dúvida sobre uma determinada passagem sonora, passava o som para uma caixinha bem pequena, diminuía o volume e aproximava o ouvido para perceber melhor.

Enfim, a experiência na Rádio Difusora acabou me valendo muito.


Jogando um bolão

Aproveitando as quadras públicas iluminadas, o que nos permitia jogar à noite, montamos um efêmero time de futebol de salão, “Os Diplomatas”. Ao invés de camiseta, usávamos camisa social e gravata. Uma bobagem, felizmente sepultada pelo bom senso, que às vezes tarda, mas que neste caso manifestou-se cedo.


Monumento em homenagem aos Estados brasileiros
 Praça Silveira Martins


O dia em que quase fui envenenado

Certa noite, andando pela Avenida Sete de Setembro, vi uma cena inesperada: como se duas noivas estivessem andando pela calçada. Eram duas irmãs, minhas conhecidas, que iam a pé para um baile de gala, com vestidos brancos. Paramos um instantinho para conversar. Foi quando notei que uma delas calçava sapatos de pés diferentes. Isto gerou um transtorno de proporções. Como a casa não era perto tiveram que voltar de táxi para, digamos, acertar o passo. Pois, voluntaria ou involuntariamente, a moça do sapato trocado acabou me dando o troco.

Alguns poetas, quanto mais distantes ficam no tempo mais são lembrados por apenas uma ou duas poesias. Foi assim com Alceu Wamosy, poeta gaúcho que morreu cedo, aos 28 anos,  conhecido basicamente pela sua poesia “Duas almas”: “Ó tu que vens de longe, ó tu, que vens cansada, / Entra, e sob este teto encontrarás carinho”. Fazíamos a seguinte paródia: “Ó tu que vens que vens de longe, ó tu, que vens cansada, / Entra, senta e toma limonada”. Tal como se fosse sua versão masculina, vinha eu de longe, cansado, e resolvi fazer um pit-stop na casa de minha colega do sapato trocado para pedir um copo d’água. Prontamente atendido, no primeiro gole tive que cuspir o conteúdo: era querosene. Encabulamento geral, grandes desculpas, até que uma explicação foi encontrada: o pai da jovem guardara a garrafa de querosene junto com a de água. Ninguém percebeu o cheiro diferente e não me dei mal por pouco.

-x-x-x-x-x-x-x-
 

Pois são estas pequenas experiências as que ficam. Um conhecido, de forte participação em movimentos estudantis e em crítica literária, ao ler um depoimento a seu respeito, onde era lembrado por atirar pipocas nas mocinhas durante as sessões de cinema, ficou indignado: “o sujeito tem uma trajetória de luta, de participação, e acaba marcado por um episódio menor”. Mas é assim mesmo. Os pequenos episódios formam a base de um relacionamento. Muito tempo depois, quando encontramos um conhecido estes assuntos é que são comentados: “te lembras daquela vez?”


-oO)(Oo-


O Analista de Bagé

O Analista de Bagé, de Luis Fernando Verissimo, é conhecido. O que pouca gente sabe, no entanto, é sua gênese, como o personagem foi concebido. 

Em entrevista, Verissimo explica o processo: a sugestão partiu de um personagem que ele havia criado para o Jô Soares apresentar na televisão. Verissimo fazia parte da equipe de redatores do programa. Conta: “Inventei um gaúcho que era garçom num restaurante francês, fino. Era um contraste entre o tipo do gauchão grosso e o restaurante fino. Foi engraçado, a idéia partiu da semelhança da palavra francesa chez e a expressão gaúcha tche. Comecei a imaginar a partir dessa semelhança; idealizei um restaurante com o nome de Tchez, tendo como dono um gaúcho e uma dona francesa. Imaginei que eles teriam se encontrado quando ele estava exilado em Paris. Ao voltarem para o Brasil eles montaram o restaurante. Só que enquanto a francesa oferecia pratos finos, o gaúcho, de tipo grosso, tentava empurrar a comida gaúcha: arroz carreteiro, carne de panela e, como não podia deixar de oferecer, churrasco. Como o quadro foi pouco aproveitado, passei a publicá-lo na minha coluna com algumas modificações: o garçom virou psicanalista e o restaurante um consultório. Seria uma caricatura típica do gaúcho interiorano, grosso, numa profissão que requer muita sensibilidade”

E diz por que escolheu Bagé como naturalidade do analista: “Escolhi Bagé porque é uma cidade que fica na fronteira do Brasil com o Uruguai. Também tem a fama de ser a mais gaúcha das cidades gaúchas. Capital do machismo”.

O Analista recebe os pacientes de bombacha e pé no chão. O divã é forrado com um pelego. Formado na Alemanha e freudiano de carteirinha, para dinamizar as sessões inventou a análise em grupo com gaiteiro, "pra indiada se soltá”. E nos casos mais recalcitrantes aplicava o método do joelhaço, nos países baixos, que fazia o sujeito esquecer de todos os complexos. 

Para relembrar, um pouco do Analista, nos traços de Edgar Vasques:



-oO)(Oo-

 
LAGO VERDE AZUL



Algumas músicas gauchescas são verdadeiros “hinos”, quer porque abordam de forma brilhante a alma do povo e aspectos do seu comportamento, quer porque retratam características geográficas que simbolizam regiões marcantes. A exemplo de “Guri”, já apresentada aqui, “Querência Amada”, de Teixeirinha, e o “Canto Alegretense”, de Antonio Fagundes e Bagre Fagundes. Assim também “Lago Verde Azul”, de Elmo de Freitas, referente à Lagoa dos Patos, a maior lagoa do mundo. A gravação abaixo foi feita em sua terra natal, Camaquã, durante o programa “Galpão Crioulo”. Camaquã fica na margem direita da Lagoa dos Patos e na margem esquerda do rio Camaquã. Chama a atenção no vídeo a emoção com que Elmo de Freitas canta e a participação integral da platéia. De um modo geral se diz que santo de casa não faz milagre. Mas Elmo fez. Cantar consagrado em sua própria terra deve fazer o coração disparar. O sentimento deve ser indescritível.


Elmo de Freitas – “Lago Verde  Azul”


-oO)(Oo-