sábado, 20 de agosto de 2011

CAMPEREANDO PELA “RAINHA DA FRONTEIRA” (Parte II)



Meu segundo paradeiro em Bagé, também em casa de outros parentes distantes, ficava mais para dentro da cidade, digamos assim, mas igualmente distante do Colégio. Infelizmente não durou tempo suficiente para que conseguisse absorver toda a sabedoria existencial de meus primos pândegos. Eram dois e um pouco mais velhos do que eu. Também pensavam em mulher 90% do tempo. Acho que eu tinha uma certa propensão a me relacionar com tipos obcecados. Eles possuíam uma alta sagacidade inata. Sem cabedal pecuniário, utilizavam os mais variados expedientes para conviver em meio social um patamar acima. Seus conselhos, para que me iniciasse naquela vida onde só importava o relacionamento com as garotas, eram ora da maior praticidade ora próximos do cômico. Assim, um deles me dizia: “procura namorar com fulana, não é muito bonita mas no cinema deixa beijar na boca”. Este tipo de informação privilegiada sempre foi muito utilizado no mundo masculino; ademais, não é necessário enfatizar que naqueles tempos de imensas dificuldades o referido predicado era altamente valorizado. Depois vinha um conselho que querendo ser malandragem tinha muito de inocência: “tens que ter um chaveiro vistoso, pois as meninas vão pensar que tens automóvel”

 
Acessório obrigatório era o pente, marca Flamengo, colocado no bolso de trás da calça. Havia também um eventual canivete, mas este é um capítulo meio complicado. Embora nesta época não fumasse, aprendi a importância de sempre andar um isqueiro. Vez por outra haveria uma garota querendo fumar seu cigarrinho, ocasião em que o jovem tinha que se antecipar e prontamente oferecer “fogo”. Este recurso sempre foi um velho expediente masculino. Nem sempre funcionando conforme o esperado. Uma ocasião, voltando de Ouro Preto, em Minas Gerais, para Belo Horizonte, à noite, de ônibus, na fileira ao lado da minha, junto à janela, estava uma jovem com muitos predicados. Ao seu lado, um rapaz na maior expectativa, pronto para o bote na primeira oportunidade. De canto de olho vi quando a menina levou um objeto branco à boca e, antes mesmo de encostá-lo nos lábios o cowboy mais rápido do Oeste já estava com seu isqueiro acesso. Ela caiu na risada e cortou o barato do ansioso pelo resto da viagem: o suposto cigarro era um simples canudinho de papel enrolado.

Perdida a convivência com os primos, simpáticos gurus da vida social, daí por diante meu terceiro e último paradeiro na cidade foi em uma pensão. Muita gente morou em pensão, estabelecimentos que costumavam ter uma qualificação no nome: “pensão familiar”. Quando passei um ano em Cachoeira do Sul, meus pais moravam em uma pensão. Em Porto Alegre, onde todos os meus seis anos foram passados em pensão, encontrei um ex-professor de ginásio também morando em pensão. Esta era e continua sendo a alternativa possível para orçamentos modestos. Claro que daria literatura. Um clássico, Aluizio de Azevedo, é autor de “Casa de Pensão”. Aqui neste espaço já mencionei José Condé, “Pensão Riso da Noite”.

A pensão onde morei em Bagé ficava a meio caminho da Vila Nova, mas já era muita coisa: metade do trajeto era bem melhor do que o trajeto inteiro. Foi por conta das idas e vindas ao Colégio que passei a ter a companhia de Wendy Ivete, a mocinha da foto aí embaixo. Wendy era, por assim dizer, minha vizinha. Morava na Vila Ferroviária, que hoje não existe mais, próxima à minha pensão. Próxima em termos de GPS, porque entre um endereço e outro havia uma ladeira tão íngreme que passar por ela hoje seria considerado esporte radical.


O que está dito no verso da foto seguramente diz muito do fato de que o homem amadurece bem depois da mulher. Embora alguns analistas sejam reticentes sobre se esta possibilidade possa algum dia realmente se concretizar. Resumindo: Wendy era uma santa, uma Madre Teresa de Calcutá.


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Nota explicativa:

A arte cemiterial

Como na última postagem o que mais chamou a atenção foi a referência ao Cemitério de Bagé, acrescento algumas breves informações complementares. Veja-se, por exemplo, o que diz um site sobre os cemitérios de Porto Alegre: Arte Cemiterial - Cemitérios são museus ao ar livre. Ali estão obras de grandes artistas, mas também peças de artesãos anônimos. Algumas vieram da Europa, outras foram confeccionadas por artistas locais. Os principais cemitérios de Porto Alegre reúnem mais de 300 obras ornamentando capelas, mausoléus, jazigos, monumentos e túmulos, produzidas em especial entre 1900/1940. Elas relatam histórias e adornam a eternidade de personalidades, algumas conhecidas, outras anônimas. Quanto mais luxuosos os jazigos, mais ricas eram as famílias. As figuras ornamentais simbolizam a Fé, a Esperança, a Caridade, a Justiça Divina, o Juízo Final, a Ressurreição, e os sentimentos humanos diante da morte.

No site “Arte Cemiterial”, voltado para os cemitérios de São Paulo, encontra-se uma abordagem um pouco mais extensa sobre o assunto, com indicações históricas sobre sua evolução no caso brasileiro. Ver:


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2 comentários:

Rosamaria disse...

Que figuras os teus primos! E tu, como pensava o mesmo tempo que eles no assunto, seguia seus conselhos, hehehe. E parecia tão quietinho!

Chaveiro? E o infalível pé de coelho numa correntinha para arrodear no dedo, o espelhinho para cuidar quem estava atrás no cinema e o que mais?

Pensão? Lá em Lavras tinha a "Casa de cômodos", lembras?

A Wendy Ivete era bem bonita. Com aquela cara tu podias esquecer as raivas, brabezas e deixar de ser cabeça dura, hehehe.

Nunca tinha ido a um cemitério em Porto Alegre até o falecimento do meu cunhado há duas semanas. Não vi nada além do caminho da capela até a galeria onde ele foi enterrado.
Aqui em Santa Maria não tem tantas gosta de obras de arte, mas algumas são bonitas. A minha nora gosta de visitar túmulos de gente famosa quando viaja.

Um abraço.

Andrea Leal disse...

Ai, que linda a Wendy... Tempos em que as moças tiravam fotos com olhares indiretos, em sinal de recato... e produzidas como as artistas de Hollywood...