sábado, 13 de agosto de 2011

CAMPEREANDO PELA “RAINHA DA FRONTEIRA” (Parte I)


Morando aqui e acolá

Em Bagé, a Rainha da Fronteira, onde fui cursar o científico, atual 2º grau, morei em três lugares. Bagé fica próxima de Lavras do Sul, a pouco mais de 80 km por estrada de terra, hoje em dia quase intransitável. O asfalto para Caçapava do Sul, cidade ainda mais perto, 60 km, deslocou o eixo de influência, inclusive educacional. Mas, em minha época, Bagé ainda era o mais próximo grande destino para quem necessitasse sair da terrinha.

Morei primeiro na casa de um parente no bairro de Vila Nova. Cheguei num sábado e no domingo seguinte meu anfitrião me levou para conhecer o cemitério local. Poderia parecer algo lúgubre, mas tinha sua razão: a entrada era de graça, o local distante, o que permitia até chegar lá ter uma visão geral da cidade, e, afinal tratava-se de uma iniciativa com fundo antropológico, ou seja, para mostrar uma produção cultural específica, belíssimos túmulos e jazigos ornamentados com esculturas também belíssimas. Era um turismo cultural “avant-la-lettre”, isto é, quando ninguém tinha pensado nisto. Nos dias de hoje, para dar um exemplo, os turistas que vão a Buenos Aires visitam o cemitério da Recoleta.

Cemitério da Santa Casa de Caridade de Bagé (instalado em 1858)

Como o local da minha morada ficava muito distante do Colégio Estadual e o suado dinheiro da minha manutenção não incluía ônibus ida-e-volta diariamente, além de ser muito longe para ir e voltar a pé, minha estada durou pouco. O suficiente para me iniciar de forma amadorística na crítica literária.

Um dos vizinhos era um jovem talentoso cujo sonho de consumo era minha prima. Produzia uma poesia atrás da outra, no estilo de J.G. de Araújo Jorge, poeta romântico muito popular nos anos 60 e seu ídolo declarado. As poesias do jovem eram bem razoáveis. Ouvia seus originais em primeira mão, para opinar. O azar do coitado é que nesta época as mulheres já eram muito materialistas, racionais e difíceis de conquistar pelo ouvido. Além do quê, no caso específico havia uma muralha quase intransponível por conta de questões de cor. Este meu colega pensava em mulher 90% do seu tempo. Estranho, não? No que ele pensaria durante os 10% restantes? E usava um anel extravagante por conta de uma história em que acreditou: alguém, parente de não sei quem, por sua vez vizinho de não sei quem mais, etc., usava um anel daqueles para ser identificado pela namorada. O referido entrava no quarto da menina noite escura e, para não acordar seus pais com palavras e sussurros, era reconhecido pelo anel.  Hoje isto seria considerado como lenda urbana, mas, pelo sim pelo não, meu colega já usava o anel para a hipótese de não desperdiçar uma oportunidade eventual.  Não sei que fim ele levou, mas tinha condições de se estabelecer no ramo da produção literária.

Seduzir pela poesia era um paradoxo. Em Bagé, terra de índio grosso, barbaridade, que só não é mais grosso por falta de espaço, a solução esperada seria tipo homem das cavernas: uma porretada na cabeça e carregar o troféu puxando pelos cabelos. Mas, embora nem sempre reconhecido, o gaúcho é muito tímido para questões amorosas. Veja-se a letra de “Guri”, música que é um dos hinos riograndenses, composição de João Batista Machado e Júlio Machado da Silva Filho: “Vou aprender a fazer contas e algum bilhete escrever / Pra que a filha do seu Bento saiba que ela é meu bem querer / E se não for por escrito eu não me animo a dizer”.

“Guri”, com Renato Borghetti e Cesar Passarinho

A campereada vai continuar.

4 comentários:

Marina disse...

Muito bom. Gosto muito da música "Guri". Lembra minha infância e a vida no campo.
Quanto ao cemitério de Bagé, não sabia que era tão importante. Aliás tenho que confessar que não conheço Bagé.

Ila disse...

Também gostei, caro irmão. Sua memória para lembrar de pessoas e "causos" é melhor que a minha. É uma qualidade saber comentar fatos que na época pareceriam tão triviais. (ilamaria.correa@gmail.com)

Eduardo Ramos disse...

Tadeu, nunca iria imaginar que no Brasil houvesse um cemitério do tipo da Recoleta, onde se visita como se fosse o Parque da Redenção. Somos mais criativos e originais do que eu pensava!

Rosamaria disse...

Temos uma coisa em comum, Raimundo, quando saí de Lavras para cursar o segundo grau fui morar na casa de tios, em São Gabriel.
Adorava as poesias do J.G. de Araújo Jorge.
"Guri" é uma das minhas músicas preferidas cantadas pelo Cesar Passarinho de quem sou fã.

Vou acompanhar as tuas campereadas,que sei, foram por outras bandas.
Um abraço.