sexta-feira, 27 de maio de 2011

A PRESENÇA DAS FREIRINHAS

No começo dos anos 50, mais provavelmente em 1953, Lavras do Sul recebeu um grupo de freiras seculares vindas de Minas Gerais. Logo após sua chegada ocuparam uma casa na Rua Pires Porto, mesmo local onde antes funcionava a Coletoria Federal. Posteriormente transferiram-se para o hospital da cidade, onde passaram a ocupar-se dos serviços de infraestrutura: enfermagem, cozinha, etc. Com base em um comentário do Dr. Breno Bulcão, então prefeito, de que as freirinhas tinham a vantagem de que não namoravam, é possível presumir que sua vinda para a cidade tenha sido uma iniciativa da Prefeitura.

Recepção à congregação: minha avó Firmina entre as freiras e meu avô Antônio 
(sem chapéu, com lenço no pescoço). Estou ao lado dele, de cabeça baixa.

No hospital as freirinhas montaram um curso de datilografia. Provavelmente algum convênio com a Prefeitura para a aquisição dos equipamentos. Fi-lo, aos nove anos de idade. Minha matrícula e mensalidades foram cortesia, em retribuição às gentilezas recebidas de meu avô e de minha avó maternos, seus primeiros vizinhos. Este curso acabou sendo de importância crucial tanto em relação aos meus estudos como até mesmo como meio de sobrevivência. Como todo mundo que na época fez o mesmo tipo de curso, passei um bom tempo batucando ad nauseam os exercícios do manual:

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Para recebimento do diploma de proficiência em datilografia havia um exame final. Que foi realizado com pompa e circunstância. Para coordenar o exame veio um padre de fora. Meio folclórico. A pretexto de que os candidatos estariam nervosos distribuiu um cálice de licor de cacau para cada um. Eu não estava nem um pouco nervoso, mas tive que aceitar a oferta quase compulsória. Aí não prestou. Criança sem o hábito da bebida senti um pouco os seus efeitos. O resultado: fiquei em segundo lugar em velocidade (número de toques por minuto), com um número de erros bem acima da minha média habitual. Enfim, no contexto foi um bom resultado. Devo às freirinhas, portanto, uma habilidade instrumental que foi de elevada utilidade ao longo da minha vida. O diploma em si era algo perfunctório, tanto que não sei que fim levou o meu. Ninguém avaliava um candidato a emprego pelo diploma de datilografia, mas sim pelo seu efetivo desempenho nos testes práticos. Pouco tempo depois do término do curso já datilografava uns poucos trabalhos a pedido das professoras.
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Máquina de escrever Royal

A arte da datilografia desapareceu e atualmente todo mundo aprende a digitar de forma intuitiva. E não adianta tentar convencer um jovem a fazer um curso de digitação. Mesmo que se alerte sobre a possibilidade de erros na digitação das palavras, lá vem o argumento de que isto perde importância com o corretor automático do Word. Antes da minha geração era o campo da barbárie. Meu pai, como aliás muitos jornalistas experientes, só datilografava com o uso de um dedo de cada mão. E rápido. Uma grande serventia dos antigos cursos de datilografia era o começo dos exercícios com o treinamento exaustivo da mão esquerda, coisa muito útil principalmente para os destros. Como o nosso teclado obedece ao padrão chamado QWERTY (as seis primeiras letras da fila superior), a datilografia em português é sempre mais custosa do que em inglês. Veja um exemplo simples: digite “casa” e depois “house”. Ou “a casa é bonita” e “the house is beautiful”. Para quem possui destreza, é mais rápido datilografar textos em inglês. Além do mais, em português existe um grande número de palavras que começam ou utilizam a letra “a”, digitada com o dedo mindinho, o mais fraco da mão esquerda. Se tiver alguma dúvida sobre isto, confira em um dicionário de português a enorme quantidade de páginas destinadas à letra “a”.

Consta que no teclado QWERTY, criado em 1873, as letras usadas com mais freqüência foram colocadas longe umas das outras, o que permitia solucionar em parte o problema do enganchamento das teclas. Este problema, aliás, só veio a desaparecer com a adoção das esferas em máquinas elétricas. Em 1932 foi criado outro tipo de teclado, o Dvorak, distribuindo as letras segundo estudos de mecanografia, fisiologia das mãos, freqüência e importância das letras. As vantagens do novo teclado eram muitas: no QWERTY é necessário 20 vezes mais esforço, enquanto no Dvorak ambas as mãos são usadas igualmente sem forçar tanto os dedos, em especial o uso mais intenso da mão esquerda e do dedo mindinho como no QWERTY. No entanto, o QWERTY, considerado por alguns como uma “proeza de antiengenharia”, acabou consolidando-se no mercado a tal ponto de inviabilizar sua mudança.

Teclados à parte, a realização de um curso de datilografia servia também para ensinar a lidar com a máquina de escrever: como colocar o papel e alinhá-lo, como trocar de linha no texto, como substituir a fita, etc. Mas, além disto e coisa importante, servia também para que se fosse adquirindo força ao impulsionar as teclas. As máquinas mais antigas eram manuais e se o sujeito não datilografasse com força nada feito. Grande pedreira era datilografar textos em estêncil, para sua posterior reprodução em mimeógrafos a álcool, muito usados em escolas. Era necessário datilografar na folha branca, com a fita da máquina desativada para poder perfurá-la. Como qualquer erro no texto não podia ser apagado, descobri um método pedestre mas que funcionava razoavelmente: digitava o tipo certo por cima do errado e depois, com muita paciência e uma gilete, “esculpia” o contorno do dígito certo.

Mimeógrafo a álcool

A chegada das máquinas elétricas representou um alívio até então impensado: era possível datilografar sem a necessidade de usar força nas teclas. Com o teclado de computador, então, chegou-se ao ápice da comodidade. As gerações já criadas com um notebook no colo não conheceram a evolução dos procedimentos. Antes das atuais facilidades propiciadas pelo Word, era necessário aprender a utilizar programas um pouco complicados, como o comercial Carta Certa. Olhada com os olhos de hoje, a pré-história do computador, em terras tupiniquins, foi um terror absoluto. A Linguagem Fortran, muito utilizada nas ciências sociais, implicava conhecer lógica clássica com a profundidade de um filósofo grego. Para obter-se um único dado estatístico, cujas informações primárias eram registradas em cartões perfurados, tornava-se necessário um profundo planejamento logístico. Quem passou por tudo isto, inclusive pela fase em que os teclados não possuíam os acentos utilizados em português, e precisava fazer malabarismos para digitar coisas como um simples “ç”, considera os dias atuais como o próprio Nirvana. Mas a evolução não pára. Estão aí os teclados virtuais das telas touchscreen (telas sensíveis ao toque).

As freirinhas não resistiam às tentações da carne

Mas, a presença das religiosas em Lavras do Sul durou poucos anos. Encerrou-se no começo dos anos 60. Mesmo depois de sua partida, Irmã Beatriz permaneceu na cidade. Dedicou-se inicialmente ao SAMA – Serviço de Assistência aos Menores Abandonados, mais tarde transformado em Casa da Criança. Pela sua total dedicação ao ideal de bem servir ao próximo, com certeza seu caminho para o céu já está belissimamente pavimentado e ornamentado.

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sexta-feira, 13 de maio de 2011

A COMUNIDADE QUILOMBOLA DE LAVRAS DO SUL

Comunidade quilombola é um vilarejo formado por descendentes de escravos. A Constituição Federal de 1988 garante aos quilombolas direito de propriedade sobre as terras que ocupam.

As informações sobre a comunidade quilombola de Lavras do Sul são de autoria de Mariluce Chagas, Bacharel em Economia Doméstica e Educação Familiar, e Técnica de Bem Estar Social da EMATER/RS – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural. As fotos foram apresentadas em um evento da Fundação Palmares. A edição da matéria é, naturalmente, by Pato Velho.

A Comunidade Corredor dos Munhós, de Lavras do Sul, localiza-se na região do Camaquã-Chico conhecida como Mantiqueira, em terras da antiga fazenda de Zeferino Munhóz de Camargo. A sua gênese baseia-se em informações do livro “Família Munhoz de Camargo – Raízes Pioneiras na Formação de São Paulo e do Rio Grande do Sul”, de Jandira Munhoz Schmidt, publicado pela Gráfica Evangraf, 1998. Jandira de Munhoz Schmidt, Doutora em História pela Universidade Católica do RS, registra que, em 1905, a escrava Francisca Munhós tornou-se herdeira dos campos da fazenda, junto com os netos de Zeferino.

O Corredor dos Munhós fica no primeiro distrito de Lavras, aproximadamente a uns 15 quilômetros da cidade. Para chegar até lá é preciso pegar a estrada para Bagé e entrar à esquerda no km 11, corredor da Mantiqueira. Após a ponte do arroio, passar a primeira fazenda à esquerda, entrar na porteira, também à esquerda, nos fundos da fazenda. Continuar pela estrada de campo, até encontrar dois passos (passo é o lugar no rio onde é possível atravessá-lo) e uma porteira; após a porteira, chega-se à comunidade. São sete ranchos cobertos com palha, cerca de 4 km campo adentro.

A comunidade está organizada como quilombola desde 2007

O nome da comunidade, Corredor dos Munhós, deriva de um costume da época da escravidão: os escravos eram chamados somente pelo nome e, na carta de alforria, recebiam o sobrenome dos seus donos, no caso Munhós. Em Lavras do Sul os escravos trabalhavam nas grandes fazendas de criação de gado da Região do Rio Camaquã-Chico, como, entre outras, a Fazenda São Jerônimo, a Cabanha Sant’Anna e a Cabanha Mantiqueira. Cabanha, para quem não é do Rio Grande do Sul, significa “estabelecimento pastoril destinado à criação e seleção de reprodutores de gado de raça”.

Aprendendo a discutir e a identificar problemas comuns

As casas da comunidade


As casas da comunidade são feitas de pau-a-pique ou de torrão, cobertas com capim Santa Fé.


As casas mais modernas são revestidas com telhas de amianto. As terras, em sua maioria, não possuem registro em cartório.

Luz Para Todos




O Programa Luz Para Todos foi o primeiro programa governamental a beneficiar a comunidade. Um técnico do Programa Quilombola do Luz Para Todos auxiliou a equipe da EMATER na tarefa de conscientização e organização da comunidade.

A vida cotidiana

Comida preparada no fogo de chão

Os moradores têm gado de corte e de leite e plantam geralmente milho, feijão, batata-doce, abóbora, mogango, melão, melancia e mandioca. Praticam, ainda, atividades de apicultura, fruticultura e horticultura. Sua subsistência é assegurada pelo trabalho para terceiros, na condição de peão de estância, alambrador (o que faz a cerca de arame), cozinheira, faxineira. Os agricultores mantém residência fixa na comunidade.

Artesanato


Praticam atividades artesanais, como a feitura de rédeas, cabeçadas (peça de couro que serve para segurar o freio do animal na boca), pelegos, pilão e móveis, pelos homens. As mulheres fazem vestidos, palas, xergões (pelego feito com lã de ovelha) e casacos.


O trabalho de artesanato da comunidade, apresentado na Expolavras 2009

A indumentária


A roupa cotidiana, para os homens, é a roupa do gaúcho: bota, chapéu e bombacha.

As mulheres costumam usar saia e lenço na cabeça

Hábitos de alimentação

A sua alimentação é rica em frutas e verduras e na culinária destacam-se: arroz de carreteiro, quibebe, pirão e angu. Os doces mais comuns são marmelada, figada e perada. Mas, também fazem geléias e compotas, mogango com leite e canjica de milho.

As manifestações culturais privilegiam a música gaúcha, fandangueira e nativista. Na comunidade existem tocadores de violão, gaita (acordeom) e pandeiro. Alguns escrevem versos, outros cantam e contam causos. Quanto à religião, a maioria são cristãos católicos e evangélicos, e alguns identificados com religiões de origem africana.

Depoimento


A Comunidade Quilombola Corredor dos Munhós

“Somos pessoas que têm como cartão de visita um sorriso no rosto. Temos afabilidade, educação, que nos é passada de geração em geração, respeito e opinião. Mas, [quando tentam nos ludibriar] não é um raro uma briga de facão e de relho”.

Nada mais típico do Rio Grande do Sul.

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segunda-feira, 2 de maio de 2011

O SENHOR ESTEJA CONVOSCO


Fui coroinha por muitos anos. Neste particular tive um precedente ilustre. Machado de Assis ajudava nas missas de domingo da Igreja de Nossa Senhora da Lampedusa, no Rio de Janeiro. Consta que o expediente lhe facultou aprender a ler e a escrever com o padre.

As atividades de um coroinha são as triviais do ramo: ajudar na missa, tocar o sino – então isto não significava perturbação do sossego público -, passar a sacolinha para recolher donativos, estas coisas. Além disto, fui encarregado de cuidar do funcionamento do serviço de alto-falantes da igreja. O que implicava lidar com a “pick-up” (toca-discos). Os discos de 78 rotações eram pesados e a pick-up (cujo nome mais propriamente identificava o braço do toca-discos) utilizava umas agulhas pequenas, muito parecidas com agulhas de costura gordinhas, que gastavam com uma facilidade enorme. Eram baratíssimas e compradas em quantidades industriais. Às seis da tarde, os alto-falantes da igreja transmitiam a Ave-Maria de Gounod. 

 

Uma ocasião, o padre estando fora da cidade, me baixou um santo depois de tocar a Ave-Maria. Continuei a colocar outras músicas sacras e entrava na locução com todo tipo de comentário religioso. Até que alguém se deu conta de que aquela transmissão estava muito estranha e foram me resgatar das aparelhagens. Não tivessem cortado meu arroubo juvenil teria seguido noite adentro como um DJ religioso.

O interior da Igreja de Santo Antonio das Lavras 

O entorno da vida religiosa era muito interessante e bonito: as missas em latim, a pompa da liturgia e o canto gregoriano, paramentos, o uso do turíbulo (para queimar o incenso), cerimônias e cores da semana Santa... Além das preces, como o Responsório de Santo Antônio:Se milagres desejais, / Recorrei a Santo Antônio; / Vereis fugir o demônio / E as tentações infernais. / Recupera-se o perdido, / Rompe-se a dura prisão / E no auge do furacão / Cede o mar embravecido”.

Meu interesse na carreira eclesiástica foi fortemente reforçado com a visita do Bispo Dom Antonio Zattera. Nesta época, anos 50, Lavras do Sul ainda pertencia à Arquidiocese de Pelotas.  Desde 1960 pertence à Diocese de Bagé, criada neste ano pelo Papa João XXIII. O bispo usava carro importado, daqueles americanos enormes e de suspensão macia, e seus atavios eram de fazer inveja: meias grená, faixa de seda na cintura, barrete (o chapeuzinho dobrável), anel. Merecedor de toda reverência e beija-mão, que no caso é beija-anel. 

 O exercício da função parecia uma barbada. Como na época ainda não conhecia os Sermões do Padre Antonio Vieira, achava facílimo estruturar uma prédica, hoje chamada de homilia: uma saudação inicial - “Caríssimos irmãos” -, uma citação dos Evangelhos, um pequeno desdobramento do seu significado, uma peroração contra a decadência dos costumes - eles estão sempre em decadência -, eventualmente um alerta sobre o fogo dos infernos e, finalmente, uma exortação a uma vida pia e correta para alcançar as benesses da Vida Eterna.

 
A tarefa era facilitada pelas instruções da Igreja. Atualmente a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil edita um “Diretório da Liturgia”, onde indica tudo o que deve ser observado em cada dia do ano: intenções do mês, leituras das Escrituras, cor dos paramentos na missa, etc. Na época aqui relatada havia documento semelhante, o que facilitava a vida do padre, que tinha todas as suas obrigações e encargos já pautados. 

 

Além da salvação da alma, os religiosos dispunham de recompensas mais terrestres. Aos domingos o pároco costumava almoçar na casa de uma alguma paroquiana piedosa. Quando era na casa de minha avó o prato era galinhada. Na época, a galinha era prato de domingo, o diferencial em uma cultura centrada na carne de gado.  

A galinha era criada em casa ou comprada viva. Não existiam supermercados. Meu avô matava a calinha segurando pela cabeça e lhe dando um revolteio para quebrar seu pescoço. Aí, a galinha era pendurada pelos pés para o sangue descer. O pescoço gordinho de sangue ficava especial de bueno. Mas, além de suas expressões domésticas e eclesiásticas, a galinha tinha também uma expressão política.

Alberto Silva, engenheiro e político piauiense, Governador por duas vezes e Senador da República, só comia galinha quando em campanha política. Era uma estratégia para evitar maiores riscos em sua integridade digestiva, pois candidato recebia convites para experimentar de tudo, especialmente os pratos pesados da culinária regional. Mas, em tudo há controvérsias. Segundo nota da coluna Contraponto, da Folha de São Paulo de 28/09/94, Antonio Britto, quando candidato ao Governo do RGS, esteve em Lavras do Sul fazendo campanha. No dia estava ocorrendo um concurso de gastronomia. Foi convidado a ser jurado da competição. Deveria experimentar os dois pratos finalistas e escolher o vitorioso. A primeira concorrente colocou diante dele um belo prato à base de galinha. Britto olhou a comida, mas teve que explicar: desde criança não conseguia comer galinha. Desculpou-se e pediu o prato seguinte. Constrangida, a segunda cozinheira aproximou-se com seu prato. À base de galinha. Britto deixou a cidade certo de que perdera alguns votos.

O pároco da cidade vivia na Casa Paroquial junto com sua mãe, que se ocupava de todas as tarefas domésticas. Durante um curto período Lavras contou com dois padres: o titular, Pe. André Gomez Munhoz, e o Pe. Hilário. Uma ocasião escutei um diálogo revelador: conversavam eles, descuidados, comentando sobre a vida tranqüila que levavam, sem a necessidade de se preocupar com mulher ou com filhos. Pois então.


A vida de padre tinha lá os seus percalços. Entre os católicos, ao contrário dos pentecostais e atualmente também dos carismáticos, nunca foi levado muito a sério o preceito do dízimo, isto é, a contribuição à Igreja de dez por cento sobre os ganhos do fiel. As oferendas durante a missa costumavam ser do mesmo nível das esmolas. Os padres seculares, hoje chamados diocesanos, ou seja, os ligados à Diocese e não a uma congregação ou ordem, precisavam literalmente se virar para garantir sua subsistência, principalmente em uma paróquia pequena. Necessário, então, assegurar uma ocupação remunerada, normalmente um encargo de professor. Para quem não associa uma coisa à outra, “baixo clero”, termo muito usado para designar políticos ainda sem expressão, é isto aí.

Apesar disto, as famílias que não tinham condições financeiras muito favoráveis procuravam encaminhar seus filhos para instituições que lhes assegurassem uma boa formação: Igreja e Forças Armadas, notadamente. O envio de filhos para o seminário foi mais comum na Região Nordeste, enquanto que no RGS o Exército era o preferido. Razão pela qual até o presente o Exército continua tendo muitos oficiais gaúchos. No Nordeste, alguns dos jovens prosseguiam estudos até quase o estágio final, normalmente em Roma, e desistiam da ordenação na última hora. Se a Igreja não ganhou, a região foi favorecida: boa parte da elite nordestina obteve sólida formação intelectual em seminários.

Belisquei as duas possibilidades. Descartada a ida para seminário, minha família me encaminhou para prestar exames no Colégio Militar de Porto Alegre. 

 
Colégio Militar de Porto Alegre

No entanto, se encontrava alguns atrativos na formação eclesiástica, não vislumbrava nenhum na carreira militar. Assim, previdentemente procurei não me preparar para as provas, que, aliás, eram muito difíceis. Mas, sabe-se lá, de repente o camarada podia passar. Era um risco a evitar. Meu pai me levou para Porto Alegre, junto com outro colega e o respectivo pai. Coincidentemente, meu colega também não estava muito entusiasmado. Mas procuramos fazer nossa parte, afinal os pais estavam gastando com nosso deslocamento, eram três dias de provas. Findo o primeiro dia, ao voltarmos para a pensão onde estávamos hospedados, meu pai, que tinha percebido a situação, perguntou se já podia marcar a passagem de volta. Bueno, aquilo tirou um peso dos nossos ombros, já que não era mais necessário pelo menos parecer interessado na aprovação. Completamos os dias de provas e aproveitamos para conhecer a capital.

Obviamente, estes comentários são pedestres e refletem um momento na vida. Seguir a carreira sacerdotal é algo muito sério que exige vocação e acima de tudo fé. Faltaram-me predicados. Mas que não seja por isto: