terça-feira, 5 de abril de 2011

GRAN CIRCO PATO VELHO APRESENTA: Ondas Hertz, Ursas, Esoterismo, Sons Espaciais e ETs

O rádio e as rádios

Caetano Veloso, durante uma entrevista, disse que queria cantar como um rádio. Isto é, cantar de tudo, todos os gêneros. Porque um dos principais atrativos do rádio é exatamente o inesperado, não saber com antecedência o que se vai ouvir. No panorama atual, a programação musical é quase sempre pautada por interesses comerciais. Mas, graças às rádios, digamos, populares, as que transmitem na freqüência de ondas curtas e AM, é possível constatar-se o que analistas chamam de “contemporaneidade do não coetâneo”, isto é, a convivência das formas atuais com manifestações de outras épocas. Dito de outra forma: repertórios da Jovem Guarda e das primeiras fases de Roberto Carlos ainda são executados normalmente e com garantia de audiência.

Além deste fator de entretenimento, o mais comum e o que normalmente utilizamos, em especial no carro, que no estresse da vida atual substitui cada vez a audiência caseira, o rádio também tem outras utilidades. A Voz do Brasil, por exemplo, foi implantada pelo Estado Novo de Vargas, como instrumento de propaganda do regime, mas resultou em um importante serviço de informação para a população dos locais mais longínquos do país. Ainda no presente este papel mantém sua importância. Segundo a Empresa Brasileira de Comunicações, a Voz do Brasil continua sendo o programa de maior audiência do rádio nacional.


A Rádio Nacional de Brasília, AM, que à noite dobra a potência de irradiação para a região amazônica, mantém serviços bem tradicionais, como a transmissão de recados e pedidos de localização de parentes. Aos sábados à noite, o programa “Saudade Nacional” divulga, por solicitação dos ouvintes, o valor da transferência de recursos do Fundo de Participação Municipal para as prefeituras, o que auxilia nas formas, senão de controle, pelo menos de informação da população. O programa recebe também uma grande quantidade de  correspondência dirigida à Presidência da República, que a própria rádio se encarrega de direcionar para o Palácio do Planalto. Ou, como dizia o locutor, durante o Governo passado: “dona fulana, vou entregar sua cartinha diretamente nas mãos do Presidente Lula”. O locutor é Mascarenhas de Morais, “o Embaixador de Goiás”, radialista experiente e profundo conhecedor de nossa música popular, a sertaneja em especial.


Outro conhecido serviço de utilidade pública via rádio é o prestado pelos radioamadores, fundamentais em casos de tragédia, catástrofes e outras situações onde ocorre um colapso dos outros meios de comunicação. Os equipamentos dos radioamadores permitem operar com alcance mundial; dependendo, é claro, de condições atmosféricas, da própria configuração dos aparelhos, etc.

Um rádioamador em operação

As rádios comunitárias

Estão muito difundidas as rádios comunitárias. Transmitem em FM, com alcance muito limitado, e só podem pertencer a associações e fundações comunitárias sem fins lucrativos. O serviço é regulamentado pelo Ministério das Comunicações. A programação deve ser pluralista e aberta a todos os cidadãos da região coberta pela rádio. Mas, como tudo no Brasil se desvirtua, proliferam as rádios não legalizadas, a maioria delas ligadas a cultos evangélicos. O problema causado pelas rádios piratas não é apenas uma questão de regulamentação, elas interferem na freqüência de outras rádios, em antenas de televisão e até nos serviços de controle aéreo, quando próximas a aeroportos. Os números são espantosos: nos últimos cinco anos a Anatel – Agência Nacional de Comunicações desativou 564 estações clandestinas no Distrito Federal e região metropolitana. Para evitar a apreensão dos equipamentos as rádios desarticuladas foram encontradas nos mais variados locais, como quartos de hotel, galinheiros, dentro de máquinas de lavar e escondidas no meio de matagais. 

Não é preciso muito aparato para montar uma rádio comunitária: um transmissor, mesa de som, dois computadores, dos quais um de reserva, transmissor e antena. O arquivo musical é digital e para operar a rádio é necessário um software específico; assim, é possível mantê-la no ar “no automático”, sem a necessidade de um operador. Um bom projeto atende à comunidade e é uma excelente escola, tanto para o exercício da cidadania quanto para o treinamento de jovens nas tarefas de locução e preparação de programas.

Equipamentos de rádio comunitária

Além das fronteiras, procurando extraterrestres

Como é sabido, o rádio transmite por ondas eletromagnéticas conhecidas como ondas hertzianas. Servem não só para os rádios mas também para difusão de televisão, sistemas de comunicação, inclusive via satélite, radiolocalização e radionavegação. Servem até para combater flacidez, celulite e gordura localizada, com os aparelhos de rádio freqüência bipolar. O nome das ondas é uma homenagem ao físico alemão Heinrich Hertz, que estudou o que então denominou de ondas indutivas ou andas aéreas.

As ondas de rádio são a nossa esperança de receber mensagens de extraterrestres e também de localizá-los. Para isto são utilizadas as ondas na freqüência do hidrogênio, o elemento encontrado em maior quantidade no universo. A freqüência de emissão do hidrogênio ocorre na chamada “janela da água”. A existência de água é a condição mínima para a existência de vida, pelo menos como a conhecemos. Supõe-se que seja assim também no caso de vida extraterrestre. Portanto, é a freqüência preferencial para o contato com outras civilizações. Neste particular há algumas poucas evidências e alguns precedentes na ficção e no campo científico.

A Ursa com um nó na cauda 

“A Ursa, com um nó na cauda”, de Stephen Tall, é um dos contos da Antologia de Ficção Científica, publicação da Revista do Globo S.A., Porto Alegre, 1972. O ano do copyright nos Estados Unidos é 1971.


A história é a seguinte: uma nave espacial de exploração e pesquisa, a Stardust, começa a receber sons do espaço profundo, de ponto não conhecido. As primeiras transmissões pareciam um pedido de socorro, as seguintes davam a impressão de que seres com uma tecnologia avançada estavam contando uma estória à Galáxia. “A música das esferas”, alguém comentou. A pista foi encontrada quando uma das integrantes da tripulação, uma pintora mística, apresentou um quadro onde representava a constelação da Ursa Maior como uma ursa demonstrando dor, com um nó em na região da cauda. Encurtando o enredo: lá se foi a nave para a região do espaço onde estaria o nó da cauda da ursa. 

Um sistema solar estava agonizante e o planeta responsável pelas transmissões estava condenado. Depois que a Stardust pousou começou a buscar entendimento por meio da música, canções de ninar, para demonstrar propósitos de paz, e toques de guitarra. Umas poucas locuções para complementar. Depois disto, foram contatos protocolares sempre sem o uso de linguagem convencional entre as duas partes. Os locais usavam vibrações semelhantes aos sons que foram transmitidos pelo espaço. “A comunicação não era fácil, porém. Não havíamos conseguido dar com a chave que revelasse a significação de sua música. Era razoável supor que eles também estavam tentando, mas não estavam tendo mais sorte com nossa fala.” Gestos pra cá, pra lá, e, como o tempo era exíguo, foi logo em seguida aproveitada a enorme capacidade de carga da Stardust, uma nave de exploração. Foram transferidas caixas e mais caixas com documentação, os registros do planeta e de sua raça. Por último a carga mais preciosa: as caixas com ovos, os bebês, o legado da raça. Foram entregues para que a nave terrestre encontrasse um novo lar para eles, para que sua cultura e conhecimento continuassem vivendo. Foi-se a nave, em sua missão, e foi-se o planeta e sua estrela.

Além do óbvio no contexto deste comentário, que é o meio utilizado para transmissão espacial das mensagens, é possível destacar nesta síntese do conto outros três aspectos: (a) a graça  de que as transmissões seriam “música das esferas”; (b) o uso da música como linguagem universal; e (c) em um ambiente de profissionais especializados, as principais intervenções vieram de artistas: a pintora sensitiva que identificou a origem das transmissões e a tripulante que sabia tocar guitarra e, portanto, dar o tom. 

O que é a música das esferas

A “música das esferas” remete ao conceito do geocentrismo, isto é, a terra como centro do universo. Os planetas estão fixados em esferas concêntricas e o seu movimento é decorrente do movimento destas esferas, empurradas por anjos segundo algumas crenças. Esta movimentação gera, portanto, sons celestiais conhecidos como “música das esferas”. A concepção do universo geocêntrico foi aceita durante boa parte da Antiguidade. Aristóteles, aliás, acreditava nisto.

Há uma questão preliminar. Segundo o Evangelho de São João, “No princípio existia o Verbo; o Verbo estava em Deus; e o Verbo era Deus”. E o Gênesis: “No princípio criou Deus os céus e a terra. A terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo, mas o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas. Disse Deus: haja luz. E houve luz”. Assim, a criação do universo seria desencadeada por uma emanação, uma vibração sagrada, em resumo, o som cósmico primordial. É isto, aliás, o que significa OM, o conhecido mantra do hinduísmo.

O símbolo do OM


Para quem gosta de dados muito precisos, convém informar o seguinte: “Adão, pai dos Homens, foi criado no dia 28 de outubro, às 2 horas da tarde... Assim o afirma, com majestade, nos seus Annales Veteris et Novi Testamenti, o muito douto e muito ilustre Usserius, Bispo de Meath, Arcebispo de Armagh, e Chanceler-mor da Sé de S. Patrício”. A citação é do conto “Adão e Eva no Paraíso”, de Eça de Queiroz.

Pitágoras, em 520 a.C. descobriu uma relação matemática entre som e harmonia; os sons harmônicos, prazerosos, obedecem a uma relação matemática. Como explica o físico Marcelo Gleiser: “Na época ainda se acreditava que a Terra era o centro do cosmo. Os planetas eram transportados através dos céus grudados nas esferas celestes. Se as distâncias entre essas esferas obedeciam a certas razões, elas também gerariam música ao girar pelos céus, a música das esferas. Pitágoras e seus sucessores não só estabeleceram a essência matemática da natureza como levaram essa essência além da Terra, unificando o homem com o restante do cosmo por meio da música como veículo de transcendência” (Folha de são Paulo, 14/12/2003).

Cícero, o tribuno romano, no livro “Da República”, de 51 a.C., deu um contorno um pouco mais poético à música das esferas. No Livro Sexto ele relata um sonho onde Cipião Africano lhe contou que o Universo era composto por nove esferas enlaçadas, em sete das quais estariam os planetas, na oitava a Lua e na nona a Terra, colocada na região central do mundo, “sentindo o peso de todos os astros que sobre ela gravitam”. O som doce e intenso percebido por Cícero no sonho era a harmonia produzida pela impulsão e movimento das esferas. Dos oito planetas conhecidos, dois eram tão parecidos que produziam “sete sons separados por iguais intervalos, e esse número sete é quase sempre o nó de todas as coisas”. Estes sons harmônicos, porém, eram tão fortes que ressoavam nos ouvidos dos homens, ensurdecendo-os. Os homens inspirados, que com a voz ou com instrumentos, tentavam imitar estes cantos procuram ingressar no sítio dos estudos divinos. Dito em outros termos: a música das estrelas produzia sons em uma amplitude tão grande que o ouvido humano não conseguia registrar, mas que eram introjetados na alma. Assim, ao produzir música ou cantar o homem tenta recuperar o que de divino tem em si.


Por último, Kepler, Johannes Kepler, astrônomo alemão, em sua obra “Mysterium Cosmographicum” (1596), estabeleceu leis que descreviam o movimento dos planetas. Além disto, calculou que cada planeta produzia um som específico, a variar continuamente entre o mais grave e o mais agudo. Os planetas mais longínquos do Sol eram mais lentos e produziam sons mais graves, tanto mais graves quanto maior a distância. Com a dedução destes intervalos musicais produzidos por cada planeta, Kepler criou uma tabela que traduzia a música das esferas.

A música das esferas de Kepler


A ciência contemporânea entra em campo

O grande Uau (voltando à questão das ondas de rádio percorrendo o Universo): no dia 15 de agosto de 1977 o radiotelescópio Big Ear, da Universidade Ohio, registrou um sinal inesperado. Normalmente os sinais captados eram emissões oriundas do espaço. De repente, um sinal diferente apareceu com grande intensidade. O astrônomo Jerry Ehman ao ver a folha impressa pelo computador escreveu ao lado: “WOW” (Uau).


Pela posição da antena, as ondas captadas vinham da constelação de Sagitário na freqüência correspondente à linha 21 cm do hidrogênio, a “janela da água”. Em todos os requisitos técnicos considerados o sinal “Wow” caracterizou-se como emissão vinda de uma fonte fixa, mas de origem desconhecida. Não tornou a se repetir.

O Projeto SETI: em 1999 a agência espacial norte-americana, a NASA, iniciou o Projeto SETI – Search for Extraterrestrial Intelligence (Busca por Inteligência Extraterrestre), localizado na Califórnia, um gigantesco programa de escuta celeste. A principal fonte de dados vem do radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico.

O radiotelescópio de Arecibo

O SETI é um projeto compartilhado que conecta em rede a capacidade ociosa de computadores individuais, em face da necessidade de elevadíssima capacidade computacional para analisar a grande quantidade de dados recebidos. Ao final da década passada cerca de 5 milhões de pessoas colaboravam com o projeto, em mais de 200 países, utilizando o software SETI@home. Até agora, porém, não foi detectado nenhum sinal de vida inteligente extraterrestre. A luta continua.

Filmes que exemplificam o assunto

“E.T. – O Extraterrestre”: o simpático E.T. ilustra uma emissão da terra para o espaço. Utilizando os poucos recursos simples de que dispunha, conseguiu montar um aparelho de transmissão que funcionava. Seu famoso bordão “E.T. phone home” indicava justamente o endereçamento da mensagem: “E.T. telefona para casa”. A transmissão teve sucesso e a nave-mãe veio em seu socorro.


O E.T. montando seu transmissor

1977 – “Contatos imediatos de Terceiro Grau”: o argumento do filme é bastante similar ao DO conto “A Ursa, com um nó na cauda”. A Terra recebe os sinais do espaço que antecedem a chegada da nave espacial de contato. A linguagem de aproximação, como todo mundo que conhece o filme lembra, é musical. Os “diálogos” foram viabilizados pela presença de músicos na equipe terrestre de recepção.  Este é um exemplo significativo da presença da arte nos momentos cruciais. Outro exemplo, de contexto diferente: em novembro de 2009, a Ouvidoria-Geral da União promoveu em Brasília o I Fórum Internacional Ouvidorias/Ombudsman/Defensores Del Pueblo/Provedores de Justiça/Médiateur de La Republique. Estiveram presentes representantes de 19 países. Na sessão de encerramento, quando cada representante estrangeiro usou a palavra para seus agradecimentos finais, em apresentação livre, sem texto prévio,  quase todos, com uma ou outra rara exceção, fizeram referência a trechos de poetas de sua terra ou de literatos. Ou seja, na “hora da verdade” o coração sempre fala mais alto.

Afinal,  de onde vem os sons?

A sequência abaixo, de “Encontros Imediatos de Terceiro Grau”, sintetiza o que foi dito anteriormente. Quando começaram a surgir episódios inesperados, a expedição científica vai gravar um novo mantra que estava sendo entoado coletivamente na Índia. Indagada sobre sua origem, a multidão dá a resposta.


 A sequência das notas emitidas pela nave espacial, conforme leitura da escala tonal pelo método Kodály (representação mímica da altura das notas), feita por Daphne Machado e Cassiano Barbosa, é a seguinte: Fá, Sol, Mi bemol,  Mi bemol (8), Si bemol.



F I N A L ?

- Alô? Câmbio.


- Câmbio. Desligo. Continuamos na escuta.

 -oO)(Oo-

5 comentários:

Eduardo Dutra Aydos disse...

Caro Raimundo,
Excelente apresentação do teu gran circo, que me sugere um breve pitaco. Aí vai.
A relação entre o som (mantra), movimento (tantra) e luz (yantra), remete à cosmologia triádica da filosofia religiosa da Índia. Um dos seus maiores estudiosos foi Saint-Yves D'Alveydre, cuja obra magna, "O Arqueômetro", pretende resumir, numa figura diagramática que se designa pelo mesmo nome, as grandes chaves simbólicas do acesso ao conhecimento. Letras, notas, números, signos, conformam, nesse planisfério, relações prenhes de sentido. que remetem à estrutura do universo, seus fluxos de energia e sua composição dramática. (Existem várias edições do Arqueômetro para download na internet - domínio público.) E, para finalizar, aterrisando na expressão mais atual e mais brasileira dessa ligação ancestral entre o Verbo e o Espírito, entre a música e o sagrado, vale a pena dar uma olhada no Acervo Ayom: www.acervoayom.blogspot.com
Abraço
Eduardo Dutra Aydos

Rosamaria disse...

Grande trabalho, Raimundo!
Vou voltar pra ler de novo com mais calma.
Um abraço

Maria Edirlene disse...

Grande garimpeiro!
Além de escrever bem, ter uma excelente memória, sensibilidade na escolha e na forma de apresentação dos temas, a sua paciência e talento para pesquisar sobre esses temas, são impressionantes.
"Wow'!
Afinal, quem tem gosto musical, sempre fala e escreve com o coração.
Abraço.

Jose Carlos disse...

Além de escrever muitissimo bem vcs não sabem o excelente datilografo que é!! Nunca vi ninguém datilografar e conversar ao mesmo tempo como o nosso amigo Tadeu. Grande abraço

Marcelo Brito disse...

Fantástico! Abrangente e preciso. Excelente trabalho.
Estou aqui pensando se um dia conseguirei fazer algo, que se aproxime desta tão bela postagem.