sexta-feira, 15 de abril de 2011

FUTEBOL DE BOTÃO


Minha principal diversão infantil foi o jogo de botão, ou futebol de botão ou futebol de mesa. Em Lavras do Sul praticávamos duas modalidades: a regra do toque e a do passe. A primeira limitava o número de toques que o botão poderia dar na bola. A regra do passe, minha preferida, significava prosseguir jogando sempre que o botão pudesse fazer um passe, isto é, jogar a bolinha de forma a tocar em outro botão do seu time. Era uma prática de puro divertimento, pois a questão das regras do jogo é até hoje uma coisa complicada. Existem federações na maioria dos estados brasileiros, como a Federação Paulista de Futebol de Mesa. E por aí vai. Há uma Regra Gaúcha de Futebol de Mesa, além de regras próprias estabelecidas pelas federações do Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais, Bahia etc. A Federação Brasiliense de Futebol de Mesa adota a chamada regra carioca, a regra dos três toques, e estabelece conceitos para tudo: jogadores, bola, palheta...
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Numa fase primitiva do jogo conta-se que eram utilizados botões grandes de casacos femininos. Nunca, porém, conheci estes botões, que não seriam práticos por diversas razões. Os times de botões podiam ser comprados prontos, mas os modelos mais baratos, de plástico, eram muito leves. Os times formados de acordo com o gosto do freguês utilizavam botões de acrílico, de uma ou duas camadas, que, sabe-se lá por que, eram chamados de “puxadores”. Ao contrário da crença popular, não eram derivados de puxadores de gavetas. Podiam ser comprados por unidade e normalmente vinham em dois tamanhos: grandes, para jogadores da defesa, e pequenos, para o ataque.

 

Meus botões eram feitos de forma artesanal, que é onde está a graça. Utilizava forminhas de empada, de dois tamanhos, claro, onde colocava pedaços de plástico, normalmente de brinquedos quebrados, levava ao fogão deixando derreter. O cheiro era terrível e só mesmo a leniência com o gosto infantil é que permitia empestear a casa toda. Após esfriar, batia-se a forminha contra alguma superfície dura que o botão saía inteirinho. Às vezes surgiam imprevistos, formava-se alguma bolha e a superfície do botão não ficava legal. Era necessário, então, reiniciar o processo. Pronto o botão, era passado por uma lixa de madeira para acertar sua parte inferior. Esta parte era delicadíssima porque dela decorria a possibilidade de o botão deslizar direitinho sobre a mesa.

Os demais apetrechos eram barbada para fazer. As traves do gol eram aproveitadas dos times de plástico ou a gente mesmo fazia, utilizando arame grosso e uma rendinha. A “bolinha” era feita com botões pequenos, de camisa, também lixados na parte de baixo para poderem deslizar. Atualmente usam-se bolinhas esféricas. Os goleiros eram feitos de pequenos pedaços de madeira, normalmente revestidos de esparadrapo, para deixá-los em condições de melhor contato para reposicioná-los ou para assegurar seu equilíbrio na mesa. Outro apetrecho importantíssimo era a palheta, usada para impulsionar o botão. A minha, que durou anos e anos, era feita de osso, proveniente de um jogo de azar qualquer que utilizava fichas esféricas. Um ou outro colega tinha uma mesa própria, o campo de futebol propriamente dito. Na sua ausência, qualquer superfície retangular servia.
 

Campo de futebol de botão

Atualmente o mercado oferece tudo o que for imaginável. É possível comprar equipes prontas e decoradas com o emblema do time e fotos dos jogadores, comprar botões por unidades, por aí. É possível até encomendar botões de acordo com a preferência pessoal, o que envolve definir que altura se quer, se vai ser vazado no centro ou não e qual sua “caída”, isto é, o ângulo ou grau que define uma melhor eficácia na hora de chutar a gol.

 

Jogador de botão

Meus times disputavam dois torneios, que a gente organizava de brincadeira: a Copa Cabana, e a Copa Roca. A Copa Roca de verdade era disputada entre as seleções de futebol de campo do Brasil e da Argentina, e foi interrompida durante muitos anos. Consta que será retomada, junto com a Copa América, esta mais abrangente.

Os botões tinham, com freqüência, nomes dos jogadores mais conhecidos. Chico Buarque, em uma crônica de 1998, conta o seguinte: “Certa vez fui apresentado a um antigo centromédio do Santos, o Formiga. Depois de um breve diálogo, o assunto esgotado, sem saber por que continuei a encará-lo. O silêncio se prolongava, incômodo, e ainda encasquetei de colocar a mão no ombro do Formiga. Com o polegar, comecei a pressionar de leve a sua clavícula, e me lembro que ele ficou um pouco vermelho. Então me dei conta de que, pela primeira vez na vida, conversava pessoalmente com um botão.  Formiga tinha sido um dos meus melhores botões, apesar de meio oval, um botão de galalite, vermelho”. Nesta historinha do Chico o gesto de pressionar a clavícula com o polegar vem de o fato de que alguns jogadores de botão ao invés de usar palheta impulsionavam o botão com a própria unha.

A presente descrição baseou-se exclusivamente na experiência pessoal do autor. Uma narrativa mais abrangente e com melhor apuro literário encontra-se em “Contribuição à história do jogo de botões”, do livro de contos “O homem do carro-motor”, de Renato Modernell, escritor gaúcho, publicado pela primeira vez em 1984, edição da Melhoramentos.

4 comentários:

Madu disse...

Como em outros posts, este também me remeteu à minha terra, a Cataguases de antanho.
Tenho dois irmãos (um deles já falecido) e ambos foram aficcionados jogadores de futebol de botão, como você e o Chico Buarque. Todos bons companheiros.
A memória olfativa foi reavivada pelo horrível cheiro da galalite derretida no fogão a lenha. Havia torneios lá em casa e o quintal se enchia de colegas deles em ruidosa torcida.
Enfim, eram bons tempos.

Rosamaria disse...

Acredito que o futebol de botão possa ter sido tua principal diversão infanti.
Meu filho mais velho sempre foi louco por futebol e ainda é. Não sabia caminhar, acompahava o pai nos jogos e já tinha times de botões. A briga era pra juntar quando espalhados. Quando foi pra escola os torneios eram em casa, com mesinha na altura deles. Ele deve ter os de estimação guardados para o filho que vem vindo.
Um abraço

c.Renato disse...

Caro Raimundo.Sou um lavrense um pouco mais novo que você e acredito que tenhas jogado futebol de botão com um primo meu que se chama Cláudio da Silva Ricalde e que era um fanático pelo esporte.Deves lembrar dele.Era filho do sr. "Lelo'Ricalde
Queria te cumprimentar pelas outras postagens referentes a história de Lavras que seu pai e grande amigoefetuou.Um abraço.Carlos Renato B.da Silva

Clovis leal disse...

Os botões eram chamados de puxadores tudo porque os primeiros que foram produzidos tinham um buraco bem no meio onde era passado um parafuso para serem utilizados com puxadores de gavetas ou portas de armários, eu tive vários para jogar com meus amigos em uma mesa com refletores, hoje ainda possuo botões da época de 50 cavados e sem boca feito não sei se é de baquelite ou galalite.