segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Quem diria, li um livro indicado pelo Faustão

Dia destes, Faustão apresentou vários livros em seu programa. Com a habitual rapidez de sua metralhadora giratória. Mesmo de relance, consegui guardar um dos títulos na memória: “No Nós&Elis: a gente era feliz e sabia”. Meu interesse não foi nem tanto pelo título, mas porque o livro fazia parte de uma série chamada “Memória Teresinense”. Morei em Teresina durante quatro anos dos mais felizes anos da minha vida; além disto, livros de memórias costumam ser interessantes. Maria do Socorro, minha cunhada, conseguiu o livro e também o autógrafo de Joca Oeiras, organizador do livro, impresso pela Halley S.A. Gráfica e Editora.


O livro relembra a trajetória do bar Nós&Elis, point cultural de Teresina nos anos 80, iniciativa de Elias Ximenes do Prado Jr., ativista político e deputado estadual, já falecido. Instalado em uma esquina, perto da Universidade Federal do Piauí, o bar era palco para apresentação de artistas locais, músicos e poetas. Não possuía paredes, as mesas ficavam ao ar livre.

Ainda hoje, em Teresina existem vários bares com mesas ao ar livre. Mas quase todos com algum tipo de cobertura. Nos anos 70 já era assim. Euler Garcia do Carmo, uma espécie de Indiana Jones da Sociologia, nascido nas Minas Gerais, estava por lá trabalhando no Projeto Piauí, um processo de planejamento global com bases no conceito de funcionalismo, do sociólogo norte-americano Talcott Parsons, que entendia a sociedade como um complexo de subsistemas. Euler estava em um desses bares da Capital, com sua turma de forasteiros, quando de repente os demais que também estavam em mesas ao ar livre foram todos para a parte abrigada do bar. Euler ficou meio sem graça, achando que pudesse ter feito comentários que por alguma razão fossem ofensivos aos locais. Quando de repente desaba uma dessas chuvas tropicais, que tão repente chegam e tão de repente vão embora. A turma de Euler não deu bandeira. Ficou todo mundo firme em seu lugar, encharcados mas impertérritos, confiantes de que suas convicções ideológicas seriam tão inabaláveis que uma mera intercorrência climática não provocaria uma debandada geral.

No Nós&Elis também tinha desses temporais passageiros. Mas, como o bar dispunha apenas de uma pequena cobertura junto ao palco, insuficiente para abrigar todos, a maioria preferia ficar em suas mesas, aproximados pelo calor da amizade.

O dono do Bar, Elias Ximenes Jr., bebia de hábito Conhaque Macieira. Que recomendava para amaciar a garganta dos cantores que lá se apresentavam. Na preferência dos clientes, entre outros, Cuba Libre e a cachaça Mangueira. Nos anos 70 Cuba Libre já era um must, junto com Gim Tônica. Havia também um hábito curioso: consumir licores, a exemplo do Cointreau, como se fossem aperitivo. Sempre gelados, naturalmente. O Cointreau já me fez passar por um aperto. Mariana, uma das minhas cunhadas, estava em Brasília, de visita em nosso apartamento. Como minha mulher demorava a chegar, foi para a cozinha comer alguma coisa. Dali a pouco estava na sala me perguntando se eu tinha algum digestivo. “Claro” e prontamente lhe servi um cálice de Cointreau. Quando minha mulher chegou ela foi se queixar com amargura: “Não estou me sentindo bem do estômago e teu marido, ao invés de me dar um remédio, me deu uma bebida”.

A cachaça Mangueira, produzida em Castelo do Piauí, tem sido por décadas um ícone do gênero. Todavia, o tempo passa e surgem concorrentes de peso. Marcito José, meu cunhado (eles são muitos, são vários), um refinado apreciador do gênero, me presenteou com três novas cachaças: a Lira, produzida desde 1889 em Amarante, Piauí, e a Serra Limpa e a Volúpia, ambas da Paraíba. A globalização brasileira atiça a concorrência.

"No Nós&Elis" traz depoimentos da extensa classe artística piauiense da época. Que ninguém de fora faz idéia de como eram tantos. Entre os depoimentos, o de uma cantora lírica, Maristela Gruber, agora radicada na Alemanha. Mas a idéia do livro surgiu de um crônica de Paulo Moura, que chamou a atenção de Joca Oeiras. Ali se dizia que Teresina estava se tornando impessoal.

Teresina é uma bela capital, com todo o aparato existente em qualquer outra capital do sul. Tem até ponte estaiada! A impessoalidade das relações é característica de cidade grande. A percepção deste fenômeno vem de longe: nos anos 60, David Riesman, um sociólogo norte-americano, detectou esta mudança social em seu livro “A multidão solitária”. Na sociedade de massa as pessoas estão próximas, mas isoladas.

Joca Oeiras lembrou-se de que nem sempre fora assim e partiu para recolher depoimentos sobre o bar que congregou toda a efervescência política e cultural de Teresina. Seu trabalho foi notável, porque também baseado em arquivos de jornais e fotos da época. Conforme o próprio livro, alguns depoimentos foram conseguidos quase que a fórceps. O processo todo deve ter deixado mortos e feridos. Joca Oeiras não pertence à carreira diplomática, aqui e ali pega pesado: “o resultado (...) deixa, no entanto, a desejar”, diz de um; “o texto acima (...) deixa muito a desejar”, diz de outro. E não faltará quem agora esteja magoado porque não foi convidado a participar. Tudo bem, vida que segue. Para encerrar, um comentário sobre a apresentação do livro. A autoria é de Paulo José Cunha, um dos grandes nomes da crônica piauiense e que produziu um texto onde, como de hábito, mandou ver e arrasou.

2 comentários:

Raimundo Tadeu disse...

Adorei as histórias do bar em Teresina. Pode continuar mandando que eu gosto muito de ler. Ainda mais falando de pessoas que conheço. Obrigada. Diana Tavares Ferreira

Raimundo Tadeu disse...

Tadeu, eu estive neste bar em uma das minhas idas a Teresina. A única coisa desagradável foi o fato de ficar sabendo, no bar, não me lembro ao certo, sobre a morte ou a doença de Tancredo Neves.
Genesy