domingo, 13 de novembro de 2011

ENQUANTO CORRIA A BARCA... (Porto Alegre – Parte IV)


Nas bancas de jornais

As principais revistas semanais da época não existem mais: O Cruzeiro e Manchete. A mais lida, O Cruzeiro, chegava a edições com tiragem imensa. Por ocasião da queda do governo de João Goulart preparou uma edição extraordinária:

 
Capa de O Cruzeiro de 10/04/1964

O interessante da edição é a aparente aposta da revista de que após a queda de João Goulart se seguiria uma nova liderança civil, apoiada pelos militares.  Como o levante militar se iniciou em Juiz de Fora, onde as tropas do General Olympio Mourão Filho começaram a se deslocar para o Rio de Janeiro, uma reportagem da Edição Extra de O Cruzeiro proclamava: “Articulador e iniciador do movimento que culminou com o afastamento do Presidente João Goulart, o Governador Magalhães Pinto foi aclamado em Minas como o grande herói da insurreição vitoriosa e calorosamente festejada em todo o Estado”. No entanto, se havia este tipo de expectativa, ela acabou não se confirmando.

Edição da Manchete de Abril de 1964

A Manchete, editada no Rio de Janeiro, também apostou numa liderança civil e estampou, em sua edição histórica, o Governador Carlos Lacerda, que, posteriormente, em 1968, teve seus direitos políticos cassados pelo regime militar.

Com a fuga de João Goulart, o Congresso Nacional declarou vaga a Presidência da República, assumindo interinamente Ranieri Mazzili, Presidente da Câmara dos Deputados, que logo teve que aceitar o poder de fato exercido por uma Junta Revolucionária composta pelos ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica. No dia 9 de abril a Junta edita um Ato Institucional que dava plenos poderes ao Presidente da República. Esperava-se que este Ato fosse único, assim ele não recebeu, a princípio, numeração. Com a futura edição de outros Atos, este passou a ser conhecido como AI-I. Em seguida, no dia 11 de abril, o Congresso Nacional elegia o General Humberto de Alencar Castelo Branco como novo Presidente do Brasil. A partir de então os militares ocuparam o poder por mais de 20 anos.
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Uma voz dissonante
Logo após a deposição de Jango, uma única voz passou a fazer críticas ao regime militar: Carlos Heitor Cony, em sua coluna no jornal “Correio da Manhã”. O jornal fez uma forte oposição ao governo e, embora tenha conseguido sobreviver até 1974, acabou literalmente asfixiado pela pressão do governo militar, que prendeu sua proprietária e os principais redatores, e pela falta de verbas publicitárias.
Cony não chegou a ser preso de imediato, pois, além de jamais ter sido comunista, era conhecida sua oposição a João Goulart. Suas crônicas resultaram no único canal de oxigênio em que os opositores ao regime respiravam. Luis Fernando Verissimo, na introdução à reedição do livro O Ato e o Fato, que reúne as crônicas de Cony, resume assim a situação:
Eu costumava ler o Cony regularmente no Correio. Me agradavam seu modo de escrever e seu humor(...) e de repente, depois do 1º abril, ali estava aquele cara dizendo tudo que a gente pensava sobre o golpe, sobre a prepotência militar e a pusilanimidade civil, com uma coragem tranqüila e uma aguda racionalidade que tornava o óbvio demolidor – e sem perder o estilo e a graça. Em pouco tempo aquele ato, ler o Cony, se tornou um exercício vital de oxigenação para muita gente, e sua coluna uma espécie de cidadela intelectual em que também resistíamos – mesmo que a resistência consistisse apenas em dizer “É isso mesmo!”, ou “Dá-lhe, Cony!”, a cada duas frases lidas. “Leu o Cony hoje?” passou a ser a senha de uma conspiração tácita de inconformados passivos, cujo lema silencioso seria “Pelo menos eles não estão conseguindo engambelar todo o mundo”.
Carlos Heitor Cony

Com o recrudescimento do regime e de suas crônicas, Cony foi preso por seis vezes. A última em 1968, quando voltava de um período de quase dois anos de auto-exílio. Autor de várias obras, e um de nossos melhores escritores, em março de 2000 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Atualmente é cronista do jornal Folha de São Paulo. Caso o estimado leitor queira conhecer apenas um de seus livros, recomenda-se “Quase memória”, lançado originalmente pela Companhia das Letras.
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A revista Senhor
O ano de 1964, tão importante para a política nacional, começou com a publicação, em janeiro, do último número da revista SENHOR, que foi um marco cultural do nosso jornalismo. Costumava ler suas edições na Biblioteca Municipal de Bagé.

Capas da Revista Senhor

A SENHOR teve vida curta: durou entre 1959 e 1964. Neste período mudou de dono três vezes e publicou mais de 400 autores, a fina flor da nossa intelligentsia.  O projeto foi idealizado para ser uma publicação de alto nível, e começou como uma iniciativa da Editora Delta Larousse, que procurava apresentar um cartão de visita da qualidade de suas edições, em especial a enciclopédia. O idealizador do projeto foi Naum Sirotsky, jornalista gaúcho. Posteriormente o título da revista foi adquirido pela AGGS – Arte Gráficas Gomes de Souza, passando a ser editada por Odylo Costa Filho, e finalmente ficou sob o controle de Reynaldo Jardim e do publicitário Édeson Coelho. Cada uma das fases teve uma ênfase: política e economia na primeira, literatura na segunda e temas culturais na terceira. Em sua última fase, editada por Reynaldo Jardim, a preocupação com a realidade nacional estava ligada aos objetivos do ISEB e ao CPC da UNE, além dos grupos de vanguarda nas artes.

Alguns dos muitos grandes nomes que passaram pela SENHOR: Clarice Lispector, Fernando Sabino, Ferreira Gullar, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Francis, Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues e Vinícius de Moraes. Um apanhado mais completo sobre sua trajetória encontra-se em Revista Senhor: Jornalismo cultural na imprensa brasileira, de Eliane Fátima Corti Basso, publicado na UNIrevista, Vol. 1, nº 3, julho de 2006. A autora é Doutora em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, e a UNIrevista é publicada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS. O artigo transcreve depoimento de Naoum Sirotsky, que sintetiza o propósito editorial: “A revista não existia para promover ideologia alguma, visava divulgar boa literatura nacional e estrangeira, artes em geral, o que se pensava no Brasil e no mundo. Perseguimos tais objetivos sempre procurando aprimorar qualidade de texto e gráfica”.

Com alta qualidade gráfica e pagando salários acima dos valores praticados pelo mercado, a revista, apesar de sua grande repercussão, era cara e vendia pouco. Sua circulação acabou inviabilizando-se. Mas ficou como um grande exemplo de criatividade e inteligência da imprensa brasileira.
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 A música mais executada do ano
Segundo o levantamento da Top Hits, a música mais executada no Brasil, em 1964, foi “Datemi un martello”, com Rita Pavone.

Para relembrar:


Rita Pavone: Datemi un martello (1964)

Rita Pavone nasceu em 1945. Para atualizar a nostalgia, ela aos 63 anos, ainda estraçalhando:


 Rita Pavone: Pianissimo (2008)

-oO)(Oo-

5 comentários:

Rosamaria disse...

E a história continua aqui no PATO VELHO. Bravo, Raimundo!
Pena a vida curta da SENHOR, o elenco era da pesada.
Rita Pavone (saudade daquela época)continua ótima aos 63!
Até o próximo post.
Um abraço.

Marina disse...

Que bom que fizeste um resgate deste período histórico. As gerações que não o viveram, precisam se apropriar destes fatos.
As capas das revistas da época, também são importantes.

Raimundo Tadeu disse...

Muito legal e útil essas lembranças. Não sabia que a publicação da revista Senhor foi inviabilizada pela falta de mercado. Parece que no Brasil, o que é de bom gosto e acima da média da intelectualidade não tem vez!

Eduardo disse...

Em tempo: a publicação atribuída à Raimundo Tadeu, na verdade são de minha responsabilidade.

Carlos Renato B.da Silva disse...

Caro Raimundo
Parabéns pela construção agradável dos textos.Estas resgatando um pouco da história de Lavras,um pouco da história de um período e a tua trajetória como cidadão.
Gostaria de te fazer a sugestão de tentar resgatar um período um tanto desconhecido dos lavrenses que é a época do Cultivo do trigo e do Comando Agrícola Marema LTDA.Tenho algumas lembranças, mas como sou nascido em fins de 1950 (23/12).Penso que deves ter facilidade para acessar dados de produção do Município e mais lembranças.Que achas?