Nas bancas de jornais
As principais revistas semanais da época não existem mais: O Cruzeiro e Manchete. A mais lida, O Cruzeiro, chegava a edições com tiragem imensa. Por ocasião da queda do governo de João Goulart preparou uma edição extraordinária:
Capa de O Cruzeiro de 10/04/1964
O interessante da edição é a aparente aposta da revista de que após a queda de João Goulart se seguiria uma nova liderança civil, apoiada pelos militares. Como o levante militar se iniciou em Juiz de Fora, onde as tropas do General Olympio Mourão Filho começaram a se deslocar para o Rio de Janeiro, uma reportagem da Edição Extra de O Cruzeiro proclamava: “Articulador e iniciador do movimento que culminou com o afastamento do Presidente João Goulart, o Governador Magalhães Pinto foi aclamado em Minas como o grande herói da insurreição vitoriosa e calorosamente festejada em todo o Estado”. No entanto, se havia este tipo de expectativa, ela acabou não se confirmando.
Edição da Manchete de Abril de 1964
A Manchete, editada no Rio de Janeiro, também apostou numa liderança civil e estampou, em sua edição histórica, o Governador Carlos Lacerda, que, posteriormente, em 1968, teve seus direitos políticos cassados pelo regime militar.
Com a fuga de João Goulart, o Congresso Nacional declarou vaga a Presidência da República, assumindo interinamente Ranieri Mazzili, Presidente da Câmara dos Deputados, que logo teve que aceitar o poder de fato exercido por uma Junta Revolucionária composta pelos ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica. No dia 9 de abril a Junta edita um Ato Institucional que dava plenos poderes ao Presidente da República. Esperava-se que este Ato fosse único, assim ele não recebeu, a princípio, numeração. Com a futura edição de outros Atos, este passou a ser conhecido como AI-I. Em seguida, no dia 11 de abril, o Congresso Nacional elegia o General Humberto de Alencar Castelo Branco como novo Presidente do Brasil. A partir de então os militares ocuparam o poder por mais de 20 anos.
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Uma voz dissonante
Logo após a deposição de Jango, uma única voz passou a fazer críticas ao regime militar: Carlos Heitor Cony, em sua coluna no jornal “Correio da Manhã”. O jornal fez uma forte oposição ao governo e, embora tenha conseguido sobreviver até 1974, acabou literalmente asfixiado pela pressão do governo militar, que prendeu sua proprietária e os principais redatores, e pela falta de verbas publicitárias.
Cony não chegou a ser preso de imediato, pois, além de jamais ter sido comunista, era conhecida sua oposição a João Goulart. Suas crônicas resultaram no único canal de oxigênio em que os opositores ao regime respiravam. Luis Fernando Verissimo, na introdução à reedição do livro O Ato e o Fato, que reúne as crônicas de Cony, resume assim a situação:
Eu costumava ler o Cony regularmente no Correio. Me agradavam seu modo de escrever e seu humor(...) e de repente, depois do 1º abril, ali estava aquele cara dizendo tudo que a gente pensava sobre o golpe, sobre a prepotência militar e a pusilanimidade civil, com uma coragem tranqüila e uma aguda racionalidade que tornava o óbvio demolidor – e sem perder o estilo e a graça. Em pouco tempo aquele ato, ler o Cony, se tornou um exercício vital de oxigenação para muita gente, e sua coluna uma espécie de cidadela intelectual em que também resistíamos – mesmo que a resistência consistisse apenas em dizer “É isso mesmo!”, ou “Dá-lhe, Cony!”, a cada duas frases lidas. “Leu o Cony hoje?” passou a ser a senha de uma conspiração tácita de inconformados passivos, cujo lema silencioso seria “Pelo menos eles não estão conseguindo engambelar todo o mundo”.
Carlos Heitor Cony
Com o recrudescimento do regime e de suas crônicas, Cony foi preso por seis vezes. A última em 1968, quando voltava de um período de quase dois anos de auto-exílio. Autor de várias obras, e um de nossos melhores escritores, em março de 2000 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Atualmente é cronista do jornal Folha de São Paulo. Caso o estimado leitor queira conhecer apenas um de seus livros, recomenda-se “Quase memória”, lançado originalmente pela Companhia das Letras.
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A revista Senhor
O ano de 1964, tão importante para a política nacional, começou com a publicação, em janeiro, do último número da revista SENHOR, que foi um marco cultural do nosso jornalismo. Costumava ler suas edições na Biblioteca Municipal de Bagé.
Capas da Revista Senhor
A SENHOR teve vida curta: durou entre 1959 e 1964. Neste período mudou de dono três vezes e publicou mais de 400 autores, a fina flor da nossa intelligentsia. O projeto foi idealizado para ser uma publicação de alto nível, e começou como uma iniciativa da Editora Delta Larousse, que procurava apresentar um cartão de visita da qualidade de suas edições, em especial a enciclopédia. O idealizador do projeto foi Naum Sirotsky, jornalista gaúcho. Posteriormente o título da revista foi adquirido pela AGGS – Arte Gráficas Gomes de Souza, passando a ser editada por Odylo Costa Filho, e finalmente ficou sob o controle de Reynaldo Jardim e do publicitário Édeson Coelho. Cada uma das fases teve uma ênfase: política e economia na primeira, literatura na segunda e temas culturais na terceira. Em sua última fase, editada por Reynaldo Jardim, a preocupação com a realidade nacional estava ligada aos objetivos do ISEB e ao CPC da UNE, além dos grupos de vanguarda nas artes.
Alguns dos muitos grandes nomes que passaram pela SENHOR: Clarice Lispector, Fernando Sabino, Ferreira Gullar, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Francis, Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos, Nelson Rodrigues e Vinícius de Moraes. Um apanhado mais completo sobre sua trajetória encontra-se em Revista Senhor: Jornalismo cultural na imprensa brasileira, de Eliane Fátima Corti Basso, publicado na UNIrevista, Vol. 1, nº 3, julho de 2006. A autora é Doutora em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, e a UNIrevista é publicada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS. O artigo transcreve depoimento de Naoum Sirotsky, que sintetiza o propósito editorial: “A revista não existia para promover ideologia alguma, visava divulgar boa literatura nacional e estrangeira, artes em geral, o que se pensava no Brasil e no mundo. Perseguimos tais objetivos sempre procurando aprimorar qualidade de texto e gráfica”.
Com alta qualidade gráfica e pagando salários acima dos valores praticados pelo mercado, a revista, apesar de sua grande repercussão, era cara e vendia pouco. Sua circulação acabou inviabilizando-se. Mas ficou como um grande exemplo de criatividade e inteligência da imprensa brasileira.
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A música mais executada do ano
Segundo o levantamento da Top Hits, a música mais executada no Brasil, em 1964, foi “Datemi un martello”, com Rita Pavone.
Para relembrar:
Rita Pavone: Datemi un martello (1964)
Rita Pavone nasceu em 1945. Para atualizar a nostalgia, ela aos 63 anos, ainda estraçalhando:
Rita Pavone: Pianissimo (2008)
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