sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Uma homenagem aos antigos reis de Paris

Morando em Teresina, anos 70, a distância permitia volta e meia algum passeio por São Luis. Certa ocasião alugamos uma casa em uma praia afastada. Éramos três casais. De frente, o mar. Ao lado, uma senhora que nos preparava peixe frito, camarões e outros quejandos. Paradisíaco, ao pé da letra.

Na primeira viagem, praia de Ponta d’Areia, encontramos um artista popular com sua cantilena: “São Luis, São Luis / Uma homenagem aos antigos reis de Paris”... É a lembrança mais antiga que tenho de São Luis do Maranhão. Na verdade, a homenagem é a um rei só. O local da cidade foi colônia francesa e seu nome deriva do forte Saint Louis, ali estabelecido, por referência ao rei de França Luis XIII. Os portugueses mantiveram o nome.

Um pouco além, na baía de Mogúncia, em 1859, a bordo do navio São Luis, nasceu Raimundo Correia, ícone do movimento parnasiano, cuja poesia mais conhecida, “As Pombas”, toda criança de colégio sabia de cor. Como convinha a um maranhense de estirpe, faleceu em Paris, França.

O Maranhão é uma terra fértil para a literatura. Gonçalves Dias nasceu em 1823. Mais adiante, em 1833, nasceu Sousândrade, Joaquim de Sousa Andrade, poeta erudito formado em letras pela Universidade de Sorbone. Sua obra teve reconhecimento tardio, graças basicamente à edição crítica de seu principal poema, “Guesa Errante”, por Humberto de Campos. Entre os contemporâneos, Ferreira Gullar, Bandeira Tribuzi e José Chagas. Este último, embora nascido na Paraíba, é o grande intérprete da São Luis de hoje.

“A janela abre a solidão da vida” (José Chagas)

Voltei a São Luis, por razões de serviço, após cerca de 30 anos. Bati muita perna nas ruas do centro histórico, procurando por dois sebos: “Poeme-se” e “Papiros do Egito”. Seria uma tarefa trivial não fosse o fato de a rua de referência ser conhecida por três nomes distintos. Paciência...

Em uma das ladeiras, na janela aberta e gradeada de uma casa de esquina, uma velha senhora em pé olhava para o nada. Um olhar de imensa tristeza.

Janela gradeada poderia, em princípio, receber duas interpretações. Impedir de entrar ou impedir de sair. A última acepção me remete à terra natal de minha mulher, Oeiras, no Piauí, onde, com o alto índice de consangüinidade nos casamentos (isto, gente, no começo do século XX), era freqüente ter em casa um cômodo gradeado para o “louco da família”. Quem tiver interesse em um episódio com esta circunstância, desde que não seja noviça em um convento, deve ler “O rio subterrâneo”, de O.G. Rêgo de Carvalho, um grande autor piauiense. Aliás, mesmo sem interesse na circunstância, ainda assim deve ler O.G. Rêgo de Carvalho.

A janela gradeada da velha senhora seguramente serviria para impedir de entrar. A insegurança urbana está por toda parte. Para ela não teria significado impedir de sair. Ela já estrava presa em si mesma. Sabe-se lá desde quando.

Mas, São Luis é a cidade dos mirantes. Mirante, segundo a descrição do Houaiss, é uma “pequena construção geralmente sobre um edifício de onde se goza a vista em redor”. Mirantes estão em Ferreira Gullar: “Desconheço a angústia /que alucina as sombras / dentro do mirante”. Mirantes estão em Bandeira Tribuzi: “Quero ler nas ruas, fontes, cantarias, torres e mirantes, igrejas, sobrados, nas lentas ladeiras que sobem angústias, sonhos do futuro, glórias do passado”. Sobretudo, porém, os mirantes estão em “Os canhões do silêncio”, de José Chagas:

Só o mirante é que sabe
quantas noites acumularam estrelas
em olhares perdidos no espaço
e que agora estão perdidos no tempo
cegos ou iluminados de tudo


Por onde andei, muita gente andou. Aurora da Graça Almeida é mais intensa: “Tantas escadas / e ladeiras pra subir / tanto calor / escondido nos telhados / tanta febre / explodindo no meu peito”.

É isto aí.

Minha filha Laura Isabel foi gerada em São Luis do Maranhão. Há-há.

2 comentários:

Rosamaria disse...

Cada post teu, Raimundo, é uma lição.
Não conheço São Luis, mas meu marido disse que é uma cidade muito bonita.

O lugar paradisíaco certamente contribuiu para que Laura Isabel fosse gerada.

Um abraço.

Maria Edirlene disse...

Gostei do último texto do blog. Pude me sentir andando nas ruelas e ladeiras azulejadas do centro histórico de São Luís. Apesar das grades nas janelas o centro de São Luís está mais preservado do que o de Fortaleza. As casas em Fortaleza ou são completamente cercadas por grades ou são demolidas para a construção de prédios enormes de apartamentos. Infelizmente é assim... Sinal dos novos tempos!
Em Oeiras havia também os "quartos escuros" para os doidos, você chegou a conhecer algum? Até hoje tenho arrepios quando ouço falar disso. "Quarto escuro" era como chamávamos na casa do meu avô em Simplício Mendes. Lá havia um desses, mesmo não havendo doidos na casa (pelo menos não clinicamente comprovado). Acho que era uma precaução para o caso de nascer algum. A única luz que havia no quarto era a de uma telha de vidro. Eu dormi nele algumas vezes. O quarto era enorme, e ele me assombrava e me fascinava ao mesmo tempo. Agora parece que existe uma bonita casa moderna no lugar onde era a velha casa do meu avô e lá se foi o quarto escuro...