quarta-feira, 22 de setembro de 2010

VIETNÃ (E o “desfolhante laranja”)

Emanuel Medeiros Vieira

Ah, Porto Alegre, anos 60. Conversávamos na Praça da Matriz: eu, Flávio, Alberto, Edgar, Aydos, Paulo, Sá Brito e outros. O que fazer? Havia a ditadura, cassetetes, mimeógrafo, apostilas. E a notícia de que Glauber e outros artistas haviam sido presos no Rio por protestarem contra a Guerra do Vietnã. Era preciso fazer alguma coisa. Sabíamos o que o Império estava fazendo. Não, mais uma vez não era possível ficar calado, como se nada estivesse acontecendo lá longe, sim, bem longe, do outro lado do mundo.

(A luta continuou depois, já na década de 70, em São Paulo e Florianópolis.)
A guerra terminou. Acordo assinado em 1975. Mas ela guerra não acaba com o armistício: ficam as sequelas, as viúvas, as muletas, os órfãos, as cidades destruídas.

Éramos poucos? Sim. Mas parecíamos muitos.

Queríamos mudar o mundo.

A gente já escrevia para jornais do centro acadêmico, da faculdade de Direito, de Filosofia. Os verbos eram “ampliar”, “engajar”.

Ou: “nossa força é a nossa união, não passarão, polícia também é povo.”
(Hoje, quem ler, talvez sorria.)

Iríamos “fundar a utopia.” Líamos tudo. Queríamos saber, conhecer, viajar.. A livraria do Arnaldo e do Brutus (“Coletânea), no coração da cidade, era ponto de encontro. E vendia a crediário. Andávamos quase sempre “duros”. A livraria, o centro acadêmico, a Praça da Matriz, o “Mateus”, o “Rian”, as casas dos amigos, as repúblicas, os restaurantes universitários, os cine-clubes eram os locais agregadores.

E havia o Vietnam, para quebrar a nossa cabeça.

A turma tem hoje, aproximadamente, 60 anos, 60 e poucos. Enternecer sem perder a dureza.... A vida pode ter colocado espaço, distâncias. Vários amigos já estão encantados, tentando decifrar os enigmas da eternidade.

Não, não estamos em 1967. Estamos em 2010.

Trinta e cinco anos depois do final da guerra e da maior derrota militar dos EUA, os efeitos da dioxina usada no desfolhante laranja continuam a afetar regiões que compreendem áreas do Vietnã, do Laos e do Camboja. Os resíduos se entranharam na terra e nas sementes das plantas , e as pessoas que as consumiram e consomem, transmitiram e transmitem seus efeitos aos descendentes.

35 anos depois! Crianças sem olhos, sem braços, sem ouvidos, como revela Mauro Santayana. Recém-nascidos com os órgãos genitais na face.

Escreve ele: “São milhares de seres humanos e, enquanto viverem e continuarem a nascer, representam o libelo mais ácido contra os piores terroristas: os senhores estadunidenses da guerra.”

A história do desfolhante laranja começou na Segunda Guerra Mundial, quando os encarregados das armas químicas sugeriram seu emprego maciço sobre os arrozais japoneses.

Mas maiores empresas químicas do EUA, estimuladas pelo Pentágono – tendo à frente a Monsanto (não esqueçamos este nome) e a Dow Chemical passaram a pesquisar os efeitos do agente laranja contra os seres vivos, não só os da deformação genética genética, como também os da indução ao câncer. Em 1960 passaram a produzir para a guerra. Em 1961, o glorificado presidente Kennedy autorizou o uso do produto no Vietnã.
Naquele país, além das crianças deformadas a incidência do câncer no útero é 30 vezes maior do que no resto da Ásia.

Os acordos de Genebra proíbem rigorosamente o uso de armas químicas nas batalhas.
A morte pode ser um processo técnico lucrativo, observa Mauro. “Não lhes importa a possibilidade de que os transgênicos venham a matar os consumidores ou a condenar as almas da crianças a habitar coros deformados nas próximas gerações. O que importa é o preço das ações, os dividendos aos acionistas, e a elevada remuneração de seus quadros executivos”, arremata.

Porto Alegre. Rapazes de 20 anos. Os inseguros amores, os esperançosos amores. Contos, poesias, curta-metragens.

Meu barro é mnemônico: não esqueço. Eu me lembro: Vietnã. Talvez, o exemplo que conhecemos de maior bravura e de maior coragem de uma gente. Tal luta vale mais que mil teses que falem em auto-determinação dos povos.

(Queria dedicar esta memória a todos os amigos que estiveram juntos naquele “campo de sonhos”, nos anos de Porto Alegre – cidade, também florida, das faculdades tão agitadas, do Guaíba do pôr-do-sol, das ladeiras, do “Rian”, do Cine Rex, do Quintana, do Gastal, do Appel, do Gerd e de tantos outros que, generosamente, nos ensinaram o valor da amizade, do pluralismo e da democracia (sim, que vá o lugar-comum necessário) como valor universal.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sobre o Mito de Sísifo

Emanuel Medeiros Vieira

Nascido na mitologia grega, há várias versões sobre Sísifo, que foi o fundador de Éfira, que mais tarde veio a chamar-se Corinto.

Ele era considerado o mais astucioso dos homens, mas incorreu na cólera de Zeus. Este lhe impôs no inferno o castigo de ter de rolar até o alto de uma colina uma grande pedra para baixo; essa tarefa recomeçava incessantemente, numa punição eterna.

Albert Camus escreve uma obra célebre sobre o tema, intitulada “O Mito de Sísifo”, que marcou várias gerações (pessoalmente, li esse livro várias vezes), quando o estudo da mitologia e da filosofia era respeitado e valorizado em nossas universidades.

Para muitos, seria ele a metáfora do herói estóico. Sofre o maior dos castigos: ter de rolar até o alto de uma colina uma grande pedra para baixo e, além disso, precisa recomeçar essa tarefa sem parar.
Essa obrigação, dever ou danação, lembra a noção do absurdo.

Para muitos existencialistas, o absurdo é a evidência que desperta. Quer dizer, mesmo que Deus não exista, que o homem seja finito, que a justiça e o bem raramente triunfem, a missão dos viventes não é inútil. Significa que o mérito de uma obra é tê-la feito. Simplesmente isso: tê-la realizado.

Que não se espere gratidão, que não se conte com a valorização alheia por posturas dignas num mundo corrompido. É preciso ter uma ética pessoal, calcada não na retórica, mas na vida. Isto é, é preciso ser autêntico. Por isso Camus, encerra sua bela obra afirmando: “É preciso imaginar Sísifo feliz”.

Então, a vida não é justa, nem injusta. Simplesmente é. Não caberia dizer: “ele é tão bom, não mereceria sofrer”. Porque não adianta. Com estoicismo, é preciso estar preparado para tudo. Essa é a lição que fica.

Num mundo pós-utópico, absolutamente fragmentado, em que a ânsia da totalidade nunca é concretizada, no qual reina o desencanto, e também a resignação e a passividade, a capacidade de resistirmos com ética e honra, se torna, talvez, nossa missão maior neste planeta.

Formou-se uma comunidade de consumidores, não de cidadãos. Em um mundo árido, carente de ideais maiores, o mito de Sísifo torna-se cada vez mais atual.

Noutra versão, Zeus revoltado com Sísifo, ordenou que Tânatos o matasse. Sísifo usando sua astúcia, acorrentou Tânatos (gênio masculino que personificava a morte, irmão de Hippos, o sono), de tal maneira que ninguém mais morria. Seria, o mito de um homem eterno, não finito.

O próprio Zeus teve de compelir Sísifo a libertar Tânatos, que novamente em sua função de pôr termo à vida das criaturas humanas, matou sem demora Sísifo.

De volta à terra, depois de voltar do inferno (Hades), Sísifo viveu, nessa versão, até a extrema velhice.

Brasília, setembro de 2010

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

SÍSIFO

(Em memória de Beluco Marra)

Emanuel Medeiros Vieira

Incansavelmente
bordo a túnica do passado.
Exausto, teço e desteço.
Acumulo, nunca unifico: sigo a jornada –
Sísifo da solidão planetária.

Sim, teço.
Mas é próprio do meu barro destecer sempre.
(Resta-me a memória do mundo.)

Um pouco de Mozart, e este amanhecer azul.
Celebro o instante:
se não posso convertê-lo em sempre
sou finito),
abraço-como um náufrago sorridente.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

TEMPO

Emanuel Medeiros Vieira

“O mal não está em que a vida promete largo e dá estreito: o mal é que ela sempre dá e depois tira.” (Juan Carlos Onetti)

"Me colocaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado.
Estou
limitado ao norte pelos sentidos, ao sul
pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela linha educação.”
(Murilo Mendes)


O Tempo não roerá o verso da minha boca, reivindica a poeta. Crônica? Não sei. Mas é sobre essa “brevidade infinita” que chamamos de tempo, que eu gostaria de meditar.

Os mais radicais dizem que o tempo não existe. Mas ele está aqui, nos meus calcanhares, no domingo à tarde –, outro que se esvai, assim, sempre. Ou o tempo é uma ilusão? Não, não é a busca da notoriedade efêmera, o que queremos com a literatura. (Refiro-me àqueles que sabem que seu ofício é mais que marketing.) Nem aspiramos prebendas.

A pergunta de sempre: por que escrevemos? Ou melhor: por que continuamos? Poucos parecem se interessar pela palavra. A imagem prevaleceu.E a internet acelera a comunicação. Não a aprofunda.
Mas é preciso persistir e continuar acreditando na permanência da literatura.

Sabemos – com Freud – que podemos reconhecer apenas um pequeno fragmento dos nossos ímpetos, e um fragmento ainda menor dos ímpetos de outras pessoas. Desistiremos por essa razão? Da subjetividade que nos exila e da objetividade que nos esmaga? Ainda mais num mundo em que tudo parece se “derreter”, em que tudo é descartável, em que nada parece perdurar.

Como observou Milan Kundera, a idéia do eterno retorno designa uma perspectiva na qual as coisas não parecem ser como nós as conhecemos: elas nos aparecem sem a circunstância atenuante de sua fugacidade. E tudo é fugaz. Alguém disse que a morte sempre vence, porque tem mais tempo.

E escrever, é também uma busca de transfiguração. Transfigurar para eternizar. É isso o que importa.

Não a doentia busca de notoriedade ou fama que, no mundo em que vivemos, todos parecem querer conquistar a qualquer custo. Mesmo que se venda a própria alma.

O fundamental é manter-se fiel a si mesmo. Não é fácil. Mas só assim preservamos a nossa essência e os nossos valores.

“Se cada segundo de nossa vida deve se repetir um número infinito de vezes, estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz”, observa Kundera. Por isso, Nietzsche afirmava que a idéia do eterno retorno é o mais pesado dos fardos.

Como criadores, em nossas narrativas, buscamos criar uma teia de sentido, num mundo que parece ter se desencontrado do núcleo do humano. Perdemos o eixo na chamada pós-modernidade?

Na hegemonia do fragmento, é preciso buscar um caminho que reconcilie
SER E DESTINO.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

BRASÍLIA REVISITADA

Fragmentada crônica “poética” para os que aqui nasceram e também para os que aqui vieram morar – amaram e honraram a cidade.

Para dona Eliete, com saudade
Em memória de Ivan Moreira da Silva e de Ronaldo Paixão Ribeiro

Emanuel Medeiros Vieira


Tomo o Grande Circular,
W-3 Sul, W-3 Norte,
mangueiras em flor, primeiras chuvas,
a grama ficando verde, penso na “Sinfonia da Alvorada”,
nos pioneiros, no barro vermelho,
não, não a capital do estatuto, dos maquiavéis planaltinos,
mas a urbe de Clarice e do Lucas,
de Renato Russo lecionando na “Cultura Inglesa” aos 19 anos, indo a pé ao Cine Brasília, atravessando os verdes,
SQS, SQN,
não SOS– meu particular socorro nas noites do hospital
“Santa Lúcia – em que ‘quase’ desmoronei, e recebi a Unção
dos Enfermos, e me deram dois dias de vida – e estou aqui,
da Feira do Guará, onde Clarice dançava forró
ao som de Luiz Gonzaga, outros sábados,
o “Beirute”, o “Bar do Raul” e o finado “Bar do Afonso”,
o “Campo da Esperança”, onde deixarei os meus ossos, e
lá ficaram o Esmerino, a dona Eliete, o Navega, o
Fernando, o Márcio, o Albino, o Côrtes, o Elídio, o Ivan
e tantos outros.


Ah, cidade bandas de rock, e onde vi Glauber Rocha
no Festival de Brasília
e conversei carinhosamente com o
conterrâneo/cineasta Rogério Scanzerla, que foi interno no
Colégio Catarinense, e há poucos anos morreu de câncer.
Cidade de amores findos e tão belos
urbe de sonhos feitos/desfeitos
da esperança e da solidão,
cidade de amigos eternos
das belas morenas aqui nascidas,
do SCS (agora “traduzo”- Setor Comercial Sul),
onde assisti ao comício pelas Diretas, Tancredo, Ulysses,
do belo campus da UnB,
das cidades-satélites, da riqueza concentrada,
do Plano Piloto (não “Pilatus”),
cidade deste meu andar,
desta escrita, deste sábado de setembro, céu de anil,
leio no parque, escrevo na máquina elétrica,
encantos cerrados, florzinhas descobertas aos
poucos, da louvação às primeiras chuvas,
do amolador de facas
(a cidade tem esquinas sim: é preciso decifrá-las.),
belos crepúsculos, o Parque da Cidade, a Água Mineral
a cidade real (não a da mídia) não vive nos palácios,
mas no rosto de muitos brasis,
ah, Clarice, Lucas, e Célia – baiana que aprendeu a amar
o Planalto Central.
Um dia não estarei mais aqui (apenas estrume),
memória, e chegarão as chuvas de outubro – amando,
pois só me resta amar.

(Revistando Brasília, após a transferência para a Bahia.)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

CONVERSANDO COM NIETZSCHE (os conceitos de apolíneo e dionisíaco, e aforismas)

Emanuel Medeiros Vieira

Em “O Nascimento da Tragédia” (1872), Friedrich Nietzsche (1844-1900), define os conceitos de apolíneo e dionisíaco. Da maneira mais sumária, apolíneo seria a representação das regras e dos limites individuais. Dionisíaco: a liberação do impulso, a libertação dos instintos.

Para exemplificar, penso em três autores que admiro e amo. Dostoievski é um dionisíaco. Camus, apolíneo. E Kafka? O estilo cartorário, clássico, seria apolíneo. Mas a alma, o espírito premonitório, aquele tipo de “mediunidade” que perpassa os seus textos? Seria, nesse caso, dionisíaco. Quero dizer: às vezes os dois conceitos se embutem num só autor.

No Brasil, Cruz e Sousa, Lima Barreto, Glauber Rocha, Clarice Lispector, Vinícius de Moraes e Raul Seixas, são dionisíacos. Em Portugal, Fernando Pessoa, entre outros.
Apolíneos? Olavo Bilac, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral. Em terras lusas, Eça de Queiroz.

No caso de Guimarães Rosa, creio, os dois conceitos se embutem.

Nos trópicos, parece que os dionisíacos preponderam. Já na vida... É que dá mais trabalho: a cara é sempre oferecida ao tapa. “Louco” e “delirante” são alguns dos epítetos que recebem.

Já os apolíneos, dentro da ordem social estabelecida, podem ser mais bem sucedidos. Quero dizer: para sobreviver num mundo tão áspero, externamente, os seres humanos procuram serem mais apolíneos. Para lidarem melhor, com o “olhar” social. Mas já quando botam a cabeça no travesseiro... Ou não? Muitas vezes, só na casca, não na essência.

E Machado de Assis? Nele, os dois conceitos se embutem, apesar de à primeira vista ser claramente um apolíneo (no estilo). A busca de um estatuto de respeito por ser mulato numa sociedade racista, forjada na escravidão, faz de Machado um crítico sutil da moral de seu tempo. Funda a Academia Brasileira de Letras que, no fundo, significa a busca de legitimação estatutária, canônica e oficial. Um colega diz que ele era portador da “síndrome de Michael Jackson”, pela obsessão de ser branco...

No futebol, Garrincha e Maradona são dionisíacos, e Zidane, um apolíneo. O próprio Nietzsche é um dionisíaco.

Correndo o risco de me tornar superficial para não ficar cansativo, queria lembrar a importância dos aforismos na obra do filósofo alemão. “Além do Bem e do Mal” (1886) é das suas obras mais importantes, retomando os temais mais decisivos de “Humano, demasiadamente humano” (1887-80). Resumindo: para Nietzsche, o homem aspira à imortalidade, mas isso não significa – nem importa – nada, já que a realidade se repete a si mesma num devir renitente, que constitui o eterno retorno.

Para ele, como observou Marcelo Bakes, o homem só se salva pela aceitação da finitude, pois assim se converte em dono do seu destino, se liberta do desespero para afirmar-se soberanamente no gozo e na dor de existir, ultrapassando os limites da sua condição.

Seu pensamento foi tremendamente deturpado e manipulado por muitos, como sua irmã Elisabeth e pelos nazistas. Por exemplo: o conceito de “super-homem”. Foi completamente desfigurado. Nada tem a ver com os carrascos nazistas, nem com os heróis que veríamos depois nos quadrinhos ou no cinema, ou como gente que malha em academia. Pelo contrário, o filósofo consideraria esses tipos os mais obtusos.
No fundo, ele nos fala dos seres maiores que ultrapassariam a mediocridade, a indolência, a autopiedade, o sentimentalismo reles, que conseguem sair do rebanho por sua força interior, pela sua determinação, pela sua audácia, pela sua bravura e sua grandeza.

E o aforismo?

Ele viveu sempre na fronteira entre a poesia e a filosofia. “É um estilhaço de pensamento, uma máxima espirituosa de fôlego curto e sabedoria imensa.” A tradição do aforisma é antiga. Hipócrates foi o primeiro escritor de aforismas, já por volta de 400 a.C. O procedimento aforístico também marcou a obra de Heráclito, a especulação moral de Sêneca, a observação histórica de Plutarco, as cartas de Marco Aurélio, a ética de Confúcio e as sentenças de Salomão.

A importância do aforismo na obra de Nietzsche é imensa, como já era em parte no caso de Schopenhauer e, mais ainda, no de Blaise Pascal e Nicolas Chamfort. Dois exemplos de aforismas no filósofo alemão: “Muito pavão esconde aos olhos de todos a sua cauda de pavão – e chama isso de seu orgulho.” O segundo: “A mulher aprende a odiar na medida em que desaprende a – enfeitiçar.”

Filosofemos, amigos! Filosofemos!

(Salvador, setembro de 2010)

CONVERSANDO COM NIETZSCHE (os conceitos de apolíneo e dionisíaco, e aforismas)DIONISÍACO, E AFORISMAS)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

POR QUE FILOSOFAR? (Relendo os Estóicos)

Emanuel Medeiros Vieira

Por que filosofar?

Porque a filosofia - além do conhecimento -, pode nos ajudar a viver. Vejam os filósofos estóicos. Eles nos ensinam a lidar com as perdas e as vicissitudes da vida. E a passagem do tempo.

Insisto: filosofar é fundamental. Na reforma de ensino, retiraram a filosofia da grade curricular. Tiraram uma oportunidade rara para o brasileiro pensar. Quem tem menos de 60 anos, em nosso país, nunca estudou a matéria.

Não estou pedindo para que viremos especialistas, mas que aproveitemos melhor nossa passagem na terra. Nos últimos 200 anos, a despeito de todo o sofrimento, o mundo ocidental viveu sob o domínio de uma crença no progresso, baseada em realizações cientificas e empresariais extraordinárias. Tivemos guerras sem fim, o holocausto, sofrimentos, golpes de Estado, exploração e desrespeito constante ao homem cometido pelo próprio homem.

No Ocidente, as lições sobre o pessimismo derivam basicamente de duas fontes: os filósofos estóicos romanos e o cristianismo. “Talvez seja a hora de revisitar esses ensinamentos para aliviar nossos pesares”, ensina Alain de Botton. Hoje, vamos meditar sobre a obra de um pensador estóico.

Sêneca (I a.C. – 65 d.C) seria um filósofo perfeito para o nosso momento histórico. Vivendo numa época de tremenda inquietação política (Nero ocupava o trono imperial), Sêneca interpretava a filosofia como uma disciplina que servia para nos manter calmos diante de um panorama de constante perigo. Sêneca lembrava no 62 que desastres naturais ou de causa humana serão sempre parte de nossas vidas, por mais sofisticados e seguros que acreditemos nos termos tornado.

O filósofo escreve que “não existe nada que a fortuna não ouse”, mas lembra que devemos ter em mente o tempo todo a possibilidade dos mais devastadores eventos. Recordemos só alguns episódios: tivemos duas guerras mundiais. Basta lembrar o sofrimento que elas causaram. Sêneca diz mais: “Nada nos devia ser inesperado. O que é o homem? Um vaso que ao menor impacto, pode quebrar.”

Reli há pouco – deste filósofo – o belíssimo “Sobre a Brevidade da Vida”.

A obra é (também) uma meditação serena sobre a nossa fugacidade e a bobagem (uma das pobrezas mentais mais evidentes não é a de nos consideramos “importantes”?) que é a nossa ilusão de onipotência, a nossa vaidade e o nosso apego intenso aos bens materiais. Em 62 d.C., Sêneca pede permissão para retirar-se da vida pública. Nero recusa. O filósofo vive então numa semi-reclusão e escreve suas melhores obras.
Em 65 d.C., é acusado de estar implicado numa conspiração contra o imperador. Nero ordena que se suicide. “Assim termina a carreira daquele que, por quase dez anos, governou de fato o Império Romano”, avalia um estudioso.

Com ele, como observa William Li, pela primeira vez a filosofia teve experiência do poder. Não deu certo? Está bem: não deu. Então, sem pensar muito, peço que o leitor cite alguns momentos na História em que o humanismo foi vitorioso no exercício do poder.

Mas diante disso, lembro-me de Thomas Merton: “O tempo corre veloz e a vida escapa das nossas mãos. Mas pode escapar como areia ou como semente.”

(Salvador, setembro de 2010)