segunda-feira, 23 de agosto de 2010

IRMANDADE DA BOA MORTE (Histórias da Bahia e do Recôncavo)

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

(Em memória de meu pai Alfredo – um honrado devoto de São Francisco, e o mais caridoso ser humano que conheci na minha vida.)

Não se sabe a data do seu nascimento, mas acredita-se que a primeira irmandade da Boa Morte em solo brasileiro tenha nascido em 1707. Mas a Irmandade da Boa Morte - criada por mulheres negras -, ao contrário das outras, não contou com a legitimação pelo poder do Estado ou da Igreja Católica. Caracterizada pela devoção à Nossa Senhora da Boa Morte, da Assunção ou da Glória, a irmandade ritualiza a morte e a assunção de Maria que, segundo a doutrina católica, foi levada ao céus como seu filho Jesus.

A subida ao espaço celeste é um dos dogmas instituídos pelo Papa Pio XII, em 1950. A origem do culto à Boa Morte data do século VII, em Roma, pelos jesuítas. Em Portugal, começou em Lisboa, em 1660. Em Cachoeira, teria tido origem em 1860, quando a tensão social era muito intensa, segundo os historiadores.

Conheci a irmandade (durante os seus festejos anuais, em agosto de cada ano) numa recente viagem à Cachoeira, belíssima cidade história do Recôncavo Baiano, distante de Salvador a aproximadamente 110 quilômetros. (Lembro de duas outras bonitas cidades da região: Santo Amaro da Purificação e São Félix — separada de Cachoeira por uma ponte.) O propósito religioso era católico, mas identidade foi buscada no candomblé.

É isso o que me fascina nessa irmandade: sua liturgia, que transita entre dois ritos, tão marcantes na identidade baiana, onde a influência negra é uma das mais fortes do mundo. É preciso lembrar que em Cachoeira travaram-se intensas lutas pela Independência da Bahia e do Brasil, como também foi muito forte a luta pela abolição da escravatura.

Formada exclusivamente por mulheres, com idade de ingresso a partir dos 40 anos, todas as 23 integrantes são negras e descendentes de escravos. O empreendedorismo das mulheres negras que fundaram a Boa Morte está na origem de suas antepassadas. “Elas vieram da sociedade iorubá, que era urbana e organizada. Eram conhecidas como negras do partido alto, que dominavam o comércio dos gêneros de primeira necessidade e conseguiram equilíbrio financeiro”, explica o historiador Cacau Nascimento, estudioso da irmandade.

O culto à Virgem Maria é oriundo de um sentimento de gratidão pela obtenção de uma promessa: o fim do regime de escravidão. As negras da Irmandade da Boa Morte usam o drama da morte e assunção de Maria como metáfora para o culto aos eguns. É como os sete dias de axexê (o ritual fúnebre do candomblé), com três dias públicos e quatro privados.

Ser negra é necessário, mas não é o bastante para constar em “ata” – como se diz quando a candidata é aceita pelas integrantes da Irmandade da Boa Morte . Na rígida hierarquia do grupo, além da dedicação à Nossa Senhora, tem de ter idade avançada e passar por avaliação. Na fase de observação (que dura três anos), as mulheres são chamadas “irmãs de bolsa”.

De tradição oral, os segredos só são repassados para as irmãs e cada uma alcança um grau de conhecimento de acordo com o tempo, dedicação e determinação das irmãs mais antigas. Segundo a jornalista Juci Machado, “são esses segredos que garantem a existência delas”.

São cinco dias de festa, preparados com um ano de antecedência. A disposição de servir nunca falta: “Nossa Senhora da Boa Morte também nos dá vida e força para continuar”, diz Adeíldes Ferreira de Lemos, 64 anos, que faz parte da Irmandade.
(Teria outros relatos, mas o texto ficaria muito longo.)

Mas conhecer o Recôncavo*, foi uma bela experiência. Internalizei novamente a idéia do Sagrado (em rituais tão belos), num mundo tão dessacralizado, profano e utilitarista - que constitui o nosso capitalismo tupiniquim. Não deixa de ser uma forma de resistência à globalização excludente.

Milton Santos (1926-2001), o grande geógrafo baiano , respeitado mundialmente, dizia que era preciso “encontrar um caminho que nos libere da globalização perversa que estamos vivendo e nos aproxime da possibilidade de construir uma outra globalização, capaz de restaurar o homem na sua dignidade”.

*O termo recôncavo, originalmente usado para designar o conjunto de terras de qualquer baía, se associou, no Brasil, desde os primórdios da colonização à região que forma um arco em terno da Baía de Todos-os-Santos (onde se encontra Salvador).

Salvador, agosto de 2010

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Aqui Está minha Vida

Cecília Meireles

Aqui está minha vida - esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz - esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor - este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança - este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Lugares Comuns

Emanuel Medeiros Vieira

“O tempo é a substância de que sou
feito. O tempo é um rio que me
arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre
que me destroça, mas eu sou o tigre;
é um fogo que me consome, mas eu
sou o fogo.” (Jorge Luis Borges)


Queríamos Ser:
restou-nos o irreconhecimento.
Em que armazém ficaram os sonhos?

Entulhos da resignação.
Sempre desenraizados no caminho,
sem guarda-chuva, exilados em todas
as estações.
Nossos eixos são sempre hierárquicos.
O que fazer de todas palavras:
só os iniciados querem saber delas.

Então, partimos.
Para sempre partimos.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Os 90 anos de Dona Izabel

Os 90 anos de Izabel Barbosa Campos foram comemorados em Teresina, no Buffet Casablanca, com a presença de seus filhos, netos, noras, genros e bisnetos.


Dona Izabel, que mora em Oeiras e é viúva de Marcito Madeira Campos, tem oito filhos, 20 netos, 15 bisnetos e três tataranetos.


O evento, ocorrido em junho, propiciou a reunião de seus descendentes, vindos de diversas localidades . A comemoração principal consistiu de uma cerimônia religiosa conduzida pelo Padre Daniel, quando diversas manifestações de louvor foram lidas pelos seus familiares. O evento, ocorrido em junho, propiciou a reunião de seus descendentes, vindos de diversas localidades . A comemoração principal consistiu de uma cerimônia religiosa conduzida pelo Padre Daniel, quando diversas manifestações de louvor foram lidas pelos seus familiares.


Novos depoimentos e homenagens foram apresentados após o ato religioso, com destaque para o depoimento de Iracy Carlos, encerrado com uma canção espontânea de agradecimento e dedicação.


Mariana Almeida, filha que coordenou o evento, leu uma crônica onde destacou o papel de Da. Izabel tanto na educação dos filhos como no cuidado que sempre teve com o bem-estar dos agregados que passaram a fazer parte da família.


O evento prosseguiu com um jantar dançante. A animação musical favoreceu o congraçamento e o, digamos, embalo dos corações foi garantido pela apresentação de standards da nossa música popular romântica e regional, brilhantemente interpretados por Caetano BC, Nonato Almeida e Fred Barroso.





Homenagem a dona Bela

Mariana Madeira Campos Almeida

Certo dia li a seguinte frase, ”o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida”. É uma frase simples, é um lugar comum até, todos sabemos do significado dela, mas sempre buscamos ter coisas cada vez mais.

Existe um ditado que diz “você vale o que você tem”, e refletindo sobre isto, percebi que sou uma pessoa agraciada, pois tenho minha mãe viva e que hoje comemora 90 anos. Faço parte de uma grande família formada não só pelos parentes de sangue, mas por muitas pessoas queridas que estão sempre perto dando apoio nas horas difíceis e se alegrando comigo em ocasiões felizes como agora, na comemoração do aniversário de mamãe a quem Deus concedeu vida longa e que, apesar da fragilidade aparente, é uma pessoa muito forte e determinada.

O que mais representa a maneira BELA de ser são seis palavras tiradas das letras de seu nome. A letra I é de inquietação, Z de zelo, A de atitude, B de bravura, E de elegância e o L de lucidez. A INQUIETAÇÃO é característica nata no espírito daqueles que com ZELO cuidam para tornar o mundo um lugar melhor; a ATITUDE de criar seus filhos com mão de ferro e com BRAVURA na cobrança de resultados, com ELEGÂNCIA e LUCIDEZ de líder que ensina pelo exemplo, sempre preocupada com o dia de amanhã. E o seu dia de amanhã já chegou, pois seus filhos estão criados e orientam suas famílias à luz das orientações recebidas de você.


Hoje você comemora sua longa caminhada cercada por pessoas que a amam e que você ama também, sentindo a agradável sensação do dever cumprido. E que dever cumprido! Pois filhos da barriga foram oito e do coração não são poucos. Pela morte de sua mãe criou seus irmãos, depois chegaram tia Santinha, madrinha Hercília e Seu Gonça, que, mesmo não tendo sido criados por você, viveram na casa de vovô e a vêem como uma referência. Depois veio Dati, Ida, Socorro de Zé Preto e o mais novo, o Zezinho, sem deixar de falar em Lili e Ana Elis, que ainda trabalham lá em casa. A Lili é mais sua mãe que sua filha, pois é quem cuida de você com tanta dedicação que só as boas mães sabem fazer.

Ao programar essa comemoração pensamos em que símbolo melhor representaria este momento e descobrimos que é a PÉROLA, pois embora a sua formação signifique sofrimento para a ostra, o resultado é uma jóia linda e nobre. E a beleza e a nobreza de caráter em geral são resultado de certa dose de sofrimento. Segundo a sabedoria japonesa, a pérola é sinônimo de vida longa, fertilidade e incorruptibilidade. Escondida dentro da concha, a pérola representa conhecimento escondido e exclusivamente feminino. Todas as mulheres fortes são apreciadoras de pérola. Em tempos distintos citaremos duas personalidades: Cleópatra e Jaqueline Kenedy depois Onassis que fizeram das pérolas sua marca registrada. A pérola também é cercada de uma áurea romântica e fez com que as mesmas se tornassem um presente ideal para as mães. E a senhora, mamãe, na sua história de vida desempenhou muito esse papel, porque você é do tempo em que as mães criavam seus filhos e os filhos de outras mães com naturalidade, agregando todos, bastando apenas que houvesse necessidade.

Por tudo isso, quero pedir a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que é a mãe de nós todos, que abençoe a BELINHA em especial e a todos seus filhos e amigos aqui presentes.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Adeus, Grécia

Emanuel Medeiros Vieira

Não bastaram fibra e amor,
cai, Grécia,
universo solar
adequação entre ser e destino,
envelhecemos
– morte na soleira da porta,
fragmentos de sonhos
– só fragmentos –
não a totalidade,
adeus, Grécia,
adeus,
despedidas
– só despedidas.

Ulisses: somos apenas seres virtuais,
Homero envolto em brumas,
homens sem fibra carregando engenhocas eletrônicas,
caindo como folhas ao vento
(prenhes de cobiça – soberbos -, e miseravelmente rotos),
Não, não eram eternos,
onipotência só de papel,
deuses de barro,
TV.

O Espírito sopra onde quer?
Adeus, Grécia,
adeus, pátria dos homens,
adeus, pássaro da juventude,
inunda-nos o lamento de homens afundados –
uma doída lembrança.

De que barro somos feitos?
Não, não só de vileza,
também busca,
mesmo acampados em sucursais do inferno,
caminhando em sombras:
sonho da eternidade pela arte.

Para todos – fúteis, deslumbrados, sábios –
haverá sim – como haverá!,
o momento da Revelação –
e será tarde,
muito tarde.

Adeus, Grécia,
adeus,
desfeitos, como pó, varridas cinzas,
irrelevantes ou – para alguns –
nobres nessa finitude.

Sonâmbulos, clones dos nossos sonhos,
escritores de narrativas epigonais.

Não naveguei nos melhores mares:
preciso navegar – sempre –
infinitamente humano.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Memória e Linguagem

Emanuel Medeiros Vieira*

Quero falar da memória não como algo mecânico, mas como base de toda a identidade.
Memória como instrumento de justiça e de misericórdia.
Não por acaso, na mitologia grega, Mnemosina, a memória, é a mãe das Musas, ou seja, de todas as artes, do que dá forma e sentido à vida.
Sim, ela protege a vida do nada e do esquecimento.
A literatura não deixa de ser (também) um instrumento de transfiguração de um momento (eternizar a memória).
Uma busca de perenizar o instante para convertê-lo em sempre.
O ato da lembrança é ao mesmo tempo caridade e justiça para as vítimas do mal e do esquecimento.
Muitas vezes, indivíduos e povos desapareceram no silêncio e na escuridão.
Muitos devem se lembrar das ditaduras que, apagando as fotografias dos banidos querem, em verdade, apagar a sua memória.
A memória é resistência a um tipo de violência: àquela infligida às vítimas do esquecimento.
A memória é o fundamento de toda identidade, individual e coletiva.
Guardiã e testemunha, a memória é também garantia da liberdade.

A linguagem é edificada para a construção dos textos que querem eternizar nossa brevidade, a nossa finitude.
Como observa a filósofa e historiadora, Regina Schöpke, “quanto mais inconsciente ou subliminar é a linguagem, mais fortemente ela age sobre nós, mais ela nos domina e nos dirige.”
Os filósofos e filólogos sabem disso.
Estes últimos, veem nela não apenas uma ferramenta da razão para dar conta do mundo, mas, sobretudo, uma segunda natureza.
“Algo que, de certa forma, produz o mundo, e não apenas o representa”, como observa a autora citada.
Os gregos já enfrentavam a questão.
Nietzsche – que além de filósofo era também filólogo – chamava esse universo da linguagem de “duplo afastamento do real”, de “segunda metáfora”.
Porque aí os homens lidavam com conceitos e não apenas com o mundo em si.
A linguagem pode ser instrumento de dominação, estimulando um preconceito racial, como fizeram os nazistas, alimentando o fanatismo e o preconceito, gerando um horror como raramente (ou nunca) se viu na História.
Todo sistema com ambições totalitárias, como detectou a pensadora, tem necessidade de produzir um discurso, uma mitologia e palavras de ordem.
O que é a publicidade que só pensa em vender, sem nenhum compromisso ético?
É um exercício mental doloroso, mas assim a gente pode entender como uma cultura que produziu tanta beleza com Goethe, Beethoven, Nietzsche, Hegel, Wagner e outros, tenha mergulhado, com o nazismo, na mais profunda irracionalidade, onde o Mal apareceu com toda a sua força, ou melhor, em toda a sua plenitude.

Tento meditar sobre esses assuntos, entre outras razões, porque a falta do estudo da filosofia para quem tem menos de 60 anos, criou um tremendo vácuo cultural.
Fundou-se o universo utilitário, da posse imediata. Só vale o que tem valor contábil.
Faço minha a proclamação de Michel Foucault: “Não se apaixone pelo poder.”

*Emanuel Medeiros Vieira é escritor catarinense. Viveu em Brasília durante 31 (trinta e um) anos. Hoje mora em Salvador ou, como diz, “faz a ponte afetiva entre a primeira e a última capital do Brasil”. Tem 20 livros publicados, é e detentor de diversos prêmios literários. Possui mais três obras ainda inéditas. Participou de mais de 50 antologias de contos e de poemas, no Brasil e no exterior. Foi jornalista, professor, crítico de cinema, editor, vendedor de livros e redator de discursos parlamentares. Fundou cine-clubes e grêmios literários, e militou ativamente na política estudantil no secundário e na universidade.